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A Igreja deve enfrentar seu próprio papel na violência contra as mulheres

Saiu no site DOM TOTAL

 

Veja publicação no site original: A Igreja deve enfrentar seu próprio papel na violência contra as mulheres

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Ensino católico tem papel na criação ou no reforço do sofrimento das mulheres

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Por Jamie Manson

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De todas as aulas de catecismo que minha mãe fazia quando era ainda criança, uma lição em particular permanecia sempre com ela: o dia em que uma religiosa explicou os ensinamentos da Igreja sobre o divórcio.

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Uma menina da turma perguntou à irmã se estaria tudo certo largar o marido caso a agredisse.

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“Não”, respondeu a freira. “Mesmo se ele lhe bater, você tem que ficar com ele”.

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Quando chegou da escola, minha mãe contou aos meus avós sobre a lição. Horrorizados, discordaram veementemente da freira e disseram que uma mulher teria que se divorciar de qualquer homem que colocasse as mãos nela.

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Minha mãe contou essa história muitas vezes ao longo da minha vida, e o que mais me impressiona é que ela, de fato, ficou com um homem que a agrediu. Esse homem era meu padrasto e, um dia, quando eu tinha 4 anos, eu o vi bater na minha mãe. Eu nunca mais fui a mesma.

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Minha mãe me implorou para não contar aos meus avós o que aconteceu, temendo a reação de meu avô, um imigrante italiano de caráter forte. No dia seguinte ao incidente, minha avó, também imigrante italiana, estava cuidando de mim. Ela ficou preocupada quando viu que eu, uma garotinha tipicamente alegre, de repente fiquei melancólica e retraída.

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Em nossa cultura, as emoções não tinham um esconderijo e, se você tentasse reprimir seus sentimentos, você seria amorosa e incansavelmente incomodado até finalmente extravasar. Então eu disse a verdade.

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Aprendi anos depois que minha avó rapidamente deu a notícia ao meu avô. Uma noite, pouco depois do incidente, meu avô foi até nossa casa em um momento em que minha mãe e eu estávamos na igreja. Encontrou meu padrasto sozinho em casa e “consertou” a situação.

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Embora a violência parasse, o temperamento do meu padrasto nunca foi domado. Por sete longos anos, ele teve ataques de raiva quase todas as noites, e mais de uma vez seu punho terminou dentro de uma de nossas paredes.

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Depois de três anos do casamento da minha mãe e meu padrasto, comecei a me preparar para minha primeira comunhão. Minha mãe estava ansiosa para participar da missa. Mas lembrou-se de mais uma lição da aula de catecismo infantil: pessoas divorciadas não podem receber a comunhão.

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Minha mãe pediu ao padre de nossa paróquia que abrisse uma exceção para a minha primeira liturgia de Comunhão. “Absolutamente não”, disse o sacerdote sem rodeios. “Você está excomungada”.

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O padre sugeriu que minha mãe entrasse com o processo de nulidade do seu primeiro casamento (com meu pai) e calculou que custaria cerca de U$ 3 mil. Éramos pobres e mal podíamos pôr comida na mesa. E assim, minha mãe foi a única das mães que não recebeu a Eucaristia na minha primeira comunhão. Só aceitaria a Eucaristia alguns anos depois de se divorciar do meu padrasto.

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A Igreja negou o acesso de minha mãe à mesa de Jesus porque permanecia em um casamento abusivo que a própria Igreja lhe ensinou que deveria sustentar. A violência emocional gera violência espiritual.

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Minha mãe e eu não gostamos de nos debruçar sobre essas lembranças. Mas fui chamada a refletir sobre essas memórias do meu passado mais profundamente depois de ler os comentários do papa Francisco sobre a violência contra as mulheres, proferidos em seu discurso de 1º de janeiro, solenidade de Maria, Mãe de Deus.

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“Pelo modo como tratamos o corpo da mulher, vê-se o nosso nível de humanidade”, disse Francisco à multidão, condenando as maneiras pelas quais as mulheres são “continuamente ofendidas, espancadas, violentadas, induzidas a prostituir-se e a suprimir a vida que trazem no seio”.

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Essa não foi a primeira vez que ele falou sobre a violência contra as mulheres, mas seus comentários se destacaram como um forte alívio frente a um incidente na véspera de Ano Novo, no qual o papa bateu com raiva nas mãos de uma mulher depois que ela o puxou com força.

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O pontífice se desculpou mais tarde, admitindo que até ele perde a paciência. Mas o que é impressionante para mim sobre o episódio é que respondeu à agressão com mais agressão. Ele não bateu na mulher como um marido bateria na esposa, mas mais como um pai bateria em uma filha rebelde.

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Francisco não gostou que seu corpo fosse dominado e controlado por outra pessoa (muito menos uma mulher) e ele revidou levantando a mão para ela.

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E, no entanto, o papa é o líder de uma Igreja que até hoje ainda não ensina claramente que o divórcio é aceitável em situações de violência doméstica. A exortação apostólica de Francisco, Amoris laetitia, cita o papa João Paulo II dizendo aos que estão em casamentos abusivos que “a separação deve ser considerada um remédio extremo, depois que se tenham demonstrado vãs todas as tentativas razoáveis”.

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E Francisco ainda não conseguiu mudar definitivamente os ensinamentos da igreja referentes àqueles que se divorciam e se casam fora da Igreja, o ensinamento atual define que devem ter a Comunhão negada, uma violência espiritual que apenas exacerba a vergonha e a culpa acumuladas sobre aqueles que terminaram seus casamentos.

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Em sua condenação à violência contra as mulheres, o papa faz referência contínua ao fato de que as mulheres “devem ser respeitadas e honradas”, porque o corpo de uma mulher – que ele chama de “a carne mais nobre do mundo” – é capaz de conceber e dar à luz.

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O que o papa ainda não parece considerar é a maneira pela qual a Igreja exerce enorme poder de vida ou morte sobre os corpos das mulheres. A doutrina católica sobre contracepção e aborto obrigou inúmeras mulheres, muitas delas as mais pobres, a dar à luz, mesmo sendo vítimas de estupro e/ou enfrentando gestações de alto risco que podiam matá-las. Onde está a humanidade nesse tratamento do corpo de uma mulher?

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Há pequenos sinais de progresso em potência nas observações do ano novo do papa. Em um ponto do discurso, Francisco sugere que as mulheres “devem estar totalmente associadas aos processos de tomada de decisão”, uma ideia que sugeriu muitas vezes antes, mas ainda precisa sair do papel. Onde está a humanidade em continuar tornando as mulheres impotentes e sem voz em sua própria Igreja simplesmente porque são mulheres?

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Embora eu espere que Francisco continue falando sobre a violência contra as mulheres, anseio pelo dia em que aprenderá mais sobre a maneira pela qual a violência física, emocional e sexual contra elas está enraizada na noção de que os homens têm o direito dado por Deus de governar as mulheres – uma ideia que o papa apoia toda vez que reafirma os ensinamentos da Igreja sobre a complementaridade de gênero.

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Apesar de toda a preocupação do papa com as mulheres, ele ainda não acredita que sejam iguais aos homens. No dia em que o ensino mudar, a Igreja pode realmente começar a enfrentar todas as formas de dano, opressão e degradação impostas às mulheres por causa da crença desumanizante de que são inferiores simplesmente com base em seu sexo.

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Na próxima vez que o papa quiser pregar sobre os horrores da violência doméstica ou de qualquer outra violência contra as mulheres, deve primeiro examinar as maneiras pelas quais os ensinamentos de sua própria Igreja desempenham um papel na criação ou no reforço do sofrimento das mulheres.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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