Saiu no site REVISTA CLAUDIA
Veja publicação no site original: Patricia Hill Collins e a defesa de um feminismo negro independente
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“Em nossa cultura, não se acredita que negros têm pensamento independente ou coletivo válidos”, diz a socióloga feminista
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Por Letícia Paiva
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O principal questionamento que surge em relação ao feminismo, sobretudo tratamos as “mulheres” como uma massa uniforme, é a quais mulheres estamos nos referindo, conforme elabora a socióloga afro-americana Patricia Hill Collins. Há o risco de, ao tratar de mulheres, estarmos nos referindo mais precisamente a mulheres brancas de classe média e considerarmos que as experiências de mulheres negras e pobres serão semelhantes as delas.
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A percepção de que outros fatores sociais além do gênero, como raça e classe, devem ser consideradas ao refletir sobre as experiências das mulheres e construir o feminismo ganhou o nome de interseccionalidade. Hill Collins é um dos principais expoentes dessa teoria de pesquisa, que foi adotada pelo ativismo feminista, e uma das principais referências quando se trata de estudos de gênero. Ela também é responsável pela teoria que, no Brasil, ganhou o nome de “lugar de fala” (standpoint theory, em inglês).
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Com a noção de que o conhecimento é sempre socialmente situado e a situação do grupo oprimido é diferente da do dominante, tal teoria estabelece que diferentes tipos de conhecimento serão produzidos por cada um deles, a partir de seu lugar.
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Recentemente, um dos principais livros de Hill Collins chegou ao Brasil em português, Pensamento Feminista Negro (Boitempo), publicado originalmente em português, e a socióloga visitou o Brasil para o lançamento. Na ocasião, a autora conversou com CLAUDIA. Neste Dia da Consciência Negra, confira os principais momentos da entrevista e onde comprar a obra e outros lançamentos recentes do feminismo negro:
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A senhora tem dito que é importante manter o feminismo negro em separado do movimento mais amplo. Por que destaca a necessidade de reforçar as vertentes?
Não há nada de errado com o feminismo mais geral, e sim com . o pensamento de que ele é universal quando na verdade é particularista. Temos múltiplos feminismos que devem ser colocados em diálogo antes de se ter um feminismo geral. Precisamos ter certeza de que há discussões e diálogo entre todos os feminismos. Mulheres negras estão posicionadas no “guarda-chuva” amplo do feminismo, mas, ao mesmo tempo, vivem uma forma distinta de feminismo. Nos Estados Unidos, temos vertentes como o feminismo das latinas e indígenas, além do das trans e lésbicas. Todos são projetos de feminismo. As mulheres estão trabalhando a partir de diferentes locais, de modo a expandir o que é feminismo, mas isso não quer dizer que esse processo já está finalizado. Cada um desses feminismos tem desafios específicos.
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Acredita que esses desafios acabam se relacionando?
O feminismo branco tem o desafio de olhar para o privilégio branco, que pode aparecer em termos de sexualidade, por exemplo. Já o feminismo negro tem o desafio de olhar o racismo e como ele nos coloca para baixo e isso afeta inclusive direitos reprodutivos e nossa sexualidade. Há uma agenda comum para mulheres, mas, para mim, o feminismo se constituiu por diferentes pontos de vista para questões relacionadas, que são experienciadas de formas distintas pelas mulheres. Por isso há uma tensão entre feminismo negro e a necessidade de se ter uma feminismo negro independente. Mas ao mesmo ter esse feminismo negro independente ajuda a todos os projetos.
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De que modo isso tem a ver com diferentes pontos de vista, ou “lugares de fala”?
O ponto de vista é o que nos faz perceber problemáticas sociais, mas ao mesmo tempo ele tem pontos cegos. Você não consegue enxergar certas questões até estar naquele grupo, com aquele ponto de vista. É difícil para nossa cultura acreditar que pessoas que estão na base, isto é negros, indígenas e pobres, têm pensamento independente ou coletivo válidos. Entretanto, elas têm. A questão principal é como poder, relações de poder e dominação são visto de formas distintas. Evidentemente, a sua visão é muito diferente se você está no topo ou na base. Além disso, é comum que se considere, erradamente, que alguns pontos de vista são universais. Para mim, há pontos de vista parciais, não há verdade absoluta neles por si só.
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Por outro lado, acredita que, ao se ter o ponto de vista de quem está na base, é possível criar um conhecimento específico e novas soluções?
Se você está vendo um problema, precisa ser criativo para ultrapassar os seus problemas. Você precisa ser capaz de vencer aquele problema social com colaboração. Surge aí a criatividade por necessidade. Assim, pensar fora da caixa vem do fato de que você está vivendo a vida de um modo em que isso é preciso. Isso aparece em como você, criativamente, vai lidar com alguém que te coloca para baixo, que te oprime. A partir disso, o próximo passo nesse processo é analisar quais são as causas e qual o sistema que está criando essa opressão para criar conhecimento.
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Nesse sentido, acredita que estamos vivendo um momento efervescente para a auto-valorização e auto-definição de mulheres negras, especialmente nas artes?
É sinal disso muito do que vemos hoje na TV (e que eu assisto quando, supostamente, não deveria estar assistindo), como, por exemplo, a série Dear White People, em que há todas as diferentes representações de mulheres negras também modos de se enxergar como mulher negra. O que temos visto é uma produção artística e cultural de mulheres negras sobre questões que as mulheres negras podem encontrar si próprias e uma diversidade de formas como mulheres negras podem ser representadas. Isso é certamente novo. Encontramos em música, mas agora realmente temos contato com isso visualmente.
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Muitas vezes, as observações das mulheres sobre sexismo são acusadas de serem paranoicas. O mesmo acontece com racismo. Na sua perspectiva, o que é dito ser “paranoia” não seria tomada de consciência?
Eu acho que feminismo é uma forma de ver de forma clara o que está acontecendo em nossa vida diária, não necessariamente o que vamos fazer sobre isso. Mas não é sobre ser paranoica, de que o que você está vendo não é possivelmente acurado. E quando eu vejo racismo e sexismo é acurado, não estou sendo paranoica. Essa é uma concepção interessante, como se quem se levantasse contra o status quo seria na verdade paranoico. Mulheres começam a descobrir o feminismo e acham que estão paranoicas, porque antes era apenas fácil, e agora elas têm consciência. É uma estratégia de supressão, de quando a pessoa adquire consciência se diz que ela está louca. Ao mesmo tempo, é desconfortável adquirir a consciência de que um mundo que achava que era fixo e terminado não é, na realidade, daquele jeito. Você pode se sentir desconfortável com aquele mundo, duvidar se o que está vendo é sexismo; é um processo de maturação.
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Muitas vezes, as mulheres negras transitam em espaços em que podem enxergar a opressão de dentro dos espaços de privilégio, embora ainda estejam na base, com os oprimidos. É o caso das empregadas domésticas no Brasil. Isso facilitaria uma percepção única sobre desigualdades e tomada de consciência?
A questão é perceber que há perspectivas coletivas, que não são isoladas a mulheres especificas. Você começa a perceber que as suas experiências não são apenas individuais, mas estruturais; isso ocorre quando você percebe que todos que estão na mesma situação tem questões parecidas. E esse tipo de percepção gera a tomada de consciência e a ação. Quando você é uma trabalhadora doméstica, está dentro de um espaço privado no qual percebe certas questões, mas vai embora para sua comunidades e fala com os outros. Quando você se conecta com pessoas que estão experienciando o que você está, mesmo quando não é exatamente igual, você consegue ter empatia, mesmo que seja comparando observações. Então, começa a surgir uma organização política, mesmo que seja apenas a comparação de vivências, criando, assim, um conhecimento que é útil para a tomada de consciência.
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Uma seleção de lançamentos para entender o feminismo negro
Pensamento Feminista Negro: Conhecimento, Consciência e a Política de Empoderamento, por Patricia Hill Collins | Compre aqui
Eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo, por bell hooks | Compre aqui
Pequeno manual antirracista, por Djamila Ribeiro e Alceu Chiesorin Nunes | Compre aqui
Uma autobiografia, por Angela Davis | Compre aqui
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