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Após sofrer assédio, empresária certifica locais como “amigos das mulheres”

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Veja publicação original:  Após sofrer assédio, empresária certifica locais como “amigos das mulheres”

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Por Cláudia de Castro Lima

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Certa noite, há dois anos, a administradora e jornalista pernambucana Ana Addobbati estava em um bar, no Uruguai, quando um sujeito inconveniente encostou nela e começou a puxar conversa. Ana não estava a fim de papo e fez o que muitas mulheres costumam fazer nessa situação. “Só pensei em ir embora dali, achando que a culpa era minha”, conta. Um garçom veio socorrê-la, dizendo que ela não precisava ir embora – quem deveria fazer isso era o homem que a estava assediando.

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“Foi o que deu o estalo: por que isso não acontece sistematicamente em todos os estabelecimentos e organizações?”, Ana se perguntou. Quando voltou para o Brasil, resolveu abrir uma startup que tivesse como objetivo combater o assédio sexual.

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Para isso, funcionários de estabelecimentos comerciais e de empresas seriam treinados para entender o que é assédio, como preveni-lo, o que fazer em uma situação em que ele ocorra e quais as implicações legais para a organização caso ocorra um caso assim.

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A Women Friendly nasceu em maio de 2017 para certificar as empresas que estão comprometidas com a cultura de prevenção e combate a esse tipo de violência -é, na prática, um selo de garantia de que, naquele local, mulheres estão seguras.

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Novo pacto comportamental

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Até criar a startup, Ana vivenciou diversas situações de assédio em sua vida sem nem se dar conta. Formada em jornalismo e em administração de empresas, ela começou a carreira como repórter de televisão, cobrindo futebol e polícia. Depois de alguns anos, em busca de uma vida com mais rotina, voltou-se para a administração e foi morar na China e em Dubai, trabalhando com cultura organizacional.

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De volta ao Brasil, envolveu-se com a organização dos Jogos Olímpicos de 2016, ao mesmo tempo em que fazia um mestrado. Não demorou para descobrir-se com uma baita estafa. “Estava com sobrepeso e fui fazer terapia. Nela, percebi que minha falta de cuidado com meu corpo vinha de episódios de assédio ou abuso que sofri ao longo da vida.”

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De propostas estranhas que recebia de clientes até piadas tóxicas feitas por chefes, Ana notou que passara a carreira sendo vítima dessa violência sem reagir. O episódio no Uruguai foi só a gota d’água. “Assédio tem a ver com poder”, diz. “As pessoas costumam achar que assédio tem sempre relação com chantagem explícita ou intercurso físico. Mas não. A piada que constrange também é.”

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Ana criou a Women Friendly com a advogada Nathalia Waldow, que tem vasta experiência em casos de discriminação de gênero e que, como 57% das mulheres (de acordo com a plataforma Herforce), já sofreu assédio no trabalho. O treinamento presencial ou online que a empresa oferece é baseado em conteúdos propostos e divulgados pela ONU Mulheres, braço da Organização das Nações Unidas que promove a igualdade de gênero, e nas leis brasileiras.

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A ideia não é culpabilizar o homem, mas esclarecer o que é o assédio sexual e propor um novo pacto comportamental entre todos. No caso do treinamento para proteger a cliente em restaurantes ou eventos, o objetivo é fazer entender que toda mulher, não importa como esteja se comportando ou se vestindo, deve ser protegida e acolhida quando vítima de assédio.

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50 mil pessoas impactadas

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O selo Women Friendly é dado para uma empresa ou estabelecimento apenas quando seus colaboradores fazem o treinamento de educação e quando um canal de ouvidoria interna é criado, para que funcionários e clientes possam fazer denúncias e pedir auxílio, num processo auditado.

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“Assédio é crime. As empresas têm que entender isso. Elas podem ser implicadas legalmente se um caso assim ocorrer com elas”, afirma Ana. De acordo com uma pesquisa da consultoria Kourier, o número de processos relacionados ao assédio sexual aumentou 200% nos últimos três anos – destes, 88% são relacionados à área trabalhista.

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Até hoje, 450 pessoas participaram dos treinamentos da empresa. Receberam o selo Women Friendly festivais como o Coquetel Molotov (o maior de música indie do Brasil) e o Social Good Brasil (de inovação voltada à ação social), festas como a Carvalheira na Ladeira 2019 (que ocorre em pleno Carnaval, em Recife) e estabelecimentos como a rede Camarada de restaurantes (que tem lojas em cidades como Recife e Rio de Janeiro), o restaurante Cá-Já (na capital de Pernambuco) e o hostel Madá (em São Paulo).

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Ana calcula que mais de 50 mil pessoas tenham sido impactadas ao frequentar os ambientes livres de assédio.

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Há três anos, Ana Garcia, uma das fundadoras do Coquetel Molotov, que reúne cerca de 7.000 pessoas, conheceu a Women Friendly. “Fomos o primeiro festival com o selo”, diz ela. “Achamos fantástica a possibilidade de fazer o público se sentir seguro e mostrar para quem trabalha no evento, de seguranças a pessoas do bar e produtores, como se deve agir em caso de assédio.”

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Segundo ela, os próprios fornecedores acabaram impactados. “Trabalhamos com duas empresas de segurança, que hoje já contratam pessoas trans para a equipe”, diz. “Como eles estão presentes em vários eventos, isso indiretamente reflete em outros locais. Em lugares como a Austrália, em qualquer bar ou lugar que se entre, todos estão preparados para lidar com casos de assédio. Espero que isso aconteça num futuro próximo no Brasil.”

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Para a empresária Ana Addobbati, nesses tipos de estabelecimento o selo Women Friendly não é importante apenas para os clientes. É, também, para as próprias funcionárias. “É uma relação ganha-ganha: a empresa age de acordo com a lei e evita processo, e a cliente sabe que está ali protegida”, diz. “A base de tudo é a educação para transformação. Precisamos mudar essa cultura nefasta, enraizada, de aceitar o assédio. Sem ele, o ambiente fica muito mais sustentável para todos os que o frequentam.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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