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Veja publicação original: Os crimes contra a dignidade sexual
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Algumas considerações sobre a Lei nº 13.718/2018
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Por Victor Fanti
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No final do ano de 2018, entrou em vigor a Lei nº 13.718, a respeito de mudanças na legislação sobre crimes contra a dignidade sexual. Referida lei traz consigo importantes considerações e questionamentos sobre seu âmbito de aplicação.
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A partir daí, com as mudanças trazidas pela lei, o Código Penal Brasileiro passou a prever dois novos crimes, quais sejam, o de “importunação sexual”, previsto no artigo 215-A, e “divulgação de cena de estupro ou cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia”, previsto no artigo 218-C:
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“Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
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Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave”;
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“Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
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Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave”.
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Em relação ao primeiro, é importante dizer que não se confunde com o crime de assédio sexual, previsto no artigo 216-A, do Código Penal.
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O crime de assédio sexual é caracterizado como o ato constranger alguém, com o fim especial de obter concessões sexuais, abusando de sua condição de superioridade ou ascendência decorrentes de emprego, cargo ou função1”. Por outro lado, o novo crime de importunação sexual implica na prática de ato sexual contra determinada pessoa, ou em decorrência de sua presença, sem o respectivo consentimento, com a finalidade de se obter prazer ou satisfação.
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A criação do tipo penal de importunação sexual se deu, boa parte, em decorrência do anseio social diante dos escândalos que se verificavam nos transportes públicos em todo país, em que os indivíduos praticavam atos libidinosos direcionados às vítimas.
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O caso mais emblemático, talvez seja o de Diego Novais, que, em 29 de agosto de 2017, foi preso por ter ejaculado em uma mulher dentro de um ônibus em São Paulo. Ele acabou sendo solto em seguida, em razão de sua conduta ter sido enquadrada como atentado ofensivo ao pudor, contravenção penal revogada pelo artigo 3º da nova lei, cuja pena era de multa. Tal previsão causava certa revolta na sociedade.
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Além disso, Diego possuía inúmeras passagens pela polícia em decorrência de condutas semelhantes, que eram igualmente enquadradas como atentado ofensivo ao pudor, levando-o à liberdade. No mais, Diego acabou sendo preso dois dias depois por estupro, devido a ato praticado também dentro do transporte público.
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Um dos problemas trazidos ao intérprete pela lei nº 13.718 é quanto à verificação do elemento subjetivo do tipo, o dolo. Isso porque a pena prevista para importunação sexual é de um a cinco anos de reclusão, caso não seja verificado crime mais grave. Isso significa que, no caso concreto, o intérprete terá de analisar se o autor de fato pretendia constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a permitir que com ele se praticasse ato libidinoso (hipótese de estupro – art. 213), punível com pena de reclusão, de seis a dez anos, e, portanto, mais grave. Ou se se pretendia a prática de ato libidinoso contra a vítima sem a sua permissão (importunação sexual – art. 215-A).
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Nesse sentido, será necessário fazer a devida análise e ponderação, no caso concreto, a respeito da presença de violência ou grave ameaça, ou apenas a ausência de consentimento da vítima.
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Já em relação ao crime de divulgação de cena de estupro ou cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, é necessário fazer uma separação entre os objetos contidos no tipo penal.
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Antes de se analisar precisamente os objetos do novo tipo penal, é importante dizer que a sua construção é um tanto quanto questionável, uma vez que traz consigo nove verbos amplos, alargando em demasiado a descrição da conduta típica, o que se mostra uma clara violação ao princípio da taxatividade.
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Em relação à divulgação (por qualquer meio) de cena de estupro ou cena de estupro de vulnerável, o que se pretende tutelar, mais do que a própria dignidade sexual da vítima e daquela que se encontra impossibilitada de exprimir sua vontade, é a sua honra e intimidade. A criação desse tipo penal parece representar um combate ao que se conhece por “cultura do estupro”, na qual, para além da prática do crime, percebe-se uma série de outras circunstâncias que atenuam as consequências para os autores ou incentivam o cometimento do crime.
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Exemplo do que esse tipo penal visa combater é o caso da divulgação de cenas do estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos, por 33 homens, no Rio de Janeiro, em maio de 2016, por parte dos próprios autores do crime, que se mostravam à vontade e se divertindo com todo o ocorrido.
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Em relação ao segundo objeto do tipo penal, relacionado à divulgação de cena de sexo, nudez ou de pornografia, sem o consentimento da vítima, há alguns pontos que merecem ser expostos.
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O que se parece querer tutelar é a divulgação de qualquer registro audiovisual de momentos íntimos ou obscenos (pornografia) da vítima, por exemplo, em que se encontra despida, ou praticando atos sexuais e que são gravados com ou sem seu consentimento, mas que, caso se tenha para registrar, não se tem para divulgar para outras pessoas (exemplos são as famosas selfies e nudes).
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Ainda, a Lei nº 13.718/2018 prevê uma causa de aumento de pena (Art. 218-C, § 1º), de um terço a dois terços, se o crime for praticado por pessoa que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. Nesse caso, aumenta-se a pena do agente pela presença do abuso de confiança na perpetração do crime contra a vítima.
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De qualquer forma, o tipo penal previsto no Art. 218-C dá margem a múltiplas interpretações. Imagine a hipótese da divulgação de registros profissionais destinados à comercialização ou divulgação na indústria pornográfica, via WhatsApp ou aplicativos de mesma natureza. Nesse caso, pode-se dizer que houve o cometimento de crime? Talvez a intenção do legislador não tenha sido punir esse tipo de conduta, uma vez que não seria razoável proteger a honra e a intimidade dos atores de filmes pornográficos, já que participaram da filmagem justamente para que a cena de nudez fosse explorada. Nesse caso, não haveria lesão ao bem jurídico.
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Por outro lado, causa dúvida se não haveria conflito aparente de normas entre o novo tipo penal e uma das hipóteses de crime de propriedade intelectual. Isso porque a vítima autorizou a exploração das imagens e eventual divulgação inadvertida do vídeo não violaria a intimidade da atriz, mas, sim, o direito autoral da produtora.
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A nova lei prevê expressamente (Art. 218-C, § 2º), para esse crime, hipótese de excludente de ilicitude quando o agente pratica as condutas descritas pelo artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 anos.
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Outra dúvida que poderá surgir a respeito desse tipo penal é sobre a possibilidade, tanto na divulgação de cenas de estupro, quanto na divulgação de cenas de sexo e pornografia sem o consentimento da vítima, da possibilidade de responsabilização de quem tem acesso à essa divulgação e a consome tendo plena ciência do conteúdo do registro.
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Nesse sentido, apesar do tipo penal possuir muitos verbos (oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar), nenhum deles parece prever, possibilitando a responsabilização, a hipótese supracitada.
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Dentre outras disposições que a Lei nº 13.718/2018 trouxe, está a inclusão do parágrafo 5º, do Art. 217-A (estupro de vulnerável), que prevê que as penas elencadas nos parágrafos 1º (conjunção carnal ou ato libidinoso com quem por enfermidade ou deficiência mental não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa não pode oferecer resistência), 3º (se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave) e 4º (se da conduta resulta em morte) aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
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No mais, houve mudança no processamento dos crimes contra a dignidade sexual, que antes procedia-se mediante ação penal pública condicionada à representação. A partir de agora, o Art. 225, do Código Penal, passa a ter a seguinte redação:
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“Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada.”
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Ou seja, há uma evolução do legislador na tentativa de proteger as vítimas de crimes sexuais. Há alguns anos, a ação era privada, depois passou a ser pública condicionada e, agora, pública incondicionada.
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Por outro lado, se no passado temia-se pela exposição da vítima sem consentimento dela, hoje a vítima perdeu em absoluto sua capacidade de decidir se quer ou não ver sua história e trauma expostos no inquérito policial ou na ação penal. Imagine uma vítima que imensamente traumatizada depois de ser violentada. Por mais que ela implore para que a polícia não leve a cabo a instauração de inquérito, nada poderá ser feito.
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O Estado tomou para si a legitimidade de decidir sobre tais casos e colocou a vítima em segundo plano, mesmo com as melhores das intenções. Há de se questionar se o antidoto poderá ser em alguns casos mais letal do que o veneno.
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Ainda, foram trazidas mudanças igualmente significativas no Art. 226 (disposições gerais sobre aumento da pena), com a inclusão do inciso II, que prevê o aumento de metade da pena se o agente do crime é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela.
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De acordo com esse inciso, nota-se, em casos de cometimento de crime de assédio sexual (Art. 216-A), o referido aumento é automático, uma vez que o autor do crime necessariamente precisa ocupar condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
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Houve também, no Art. 226, a inclusão do inciso IV, que prevê um aumento de pena de um terço a dois terços se o crime é praticado mediante concurso de dois ou mais agentes (estupro coletivo) e/ou se o crime for praticado para controlar o comportamento social ou sexual da vítima (estupro corretivo).
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A lei trouxe mudanças nas causas de aumento de pena contidas nos incisos III e IV, do Art. 234-A, que agora preveem um aumento da pena da metade a dois terços se do crime resulta gravidez (inciso III), e de um terço a dois terços, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou pessoa com deficiência.
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Por fim, pode-se dizer que a Lei nº 13.718/18 avançou significativamente na proteção da dignidade sexual, sobretudo das mulheres, crianças e adolescentes, que são as principais vítimas desses crimes.
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Infelizmente, como se verifica, todos os dias tem-se conhecimento de inúmeros casos de crimes sexuais, afetando significativamente a sociedade que clama por mais gravosas respostas por parte do Estado no combate a esse fenômeno.
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Como toda nova lei que traz mudanças significativas no ordenamento jurídico brasileiro, novas questões práticas surgirão, assim como em parte exposto neste artigo, e que deverão ser enfrentadas, melhor analisadas e consolidadas por meio da jurisprudência e da doutrina.
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Referências bibliográficas
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 4;
BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte especial; artigos 121 a 234-C do código penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016;
GRECO, Alessandra Orcesi Pedro; RASSI, João Daniel. Crimes contra a dignidade sexual. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011;
MARZAGÃO JR., Laerte I. Assédio sexual e seu tratamento no direito penal. São Paulo: Quartier Latin, 2006;
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015;
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, out./2014;
REALE JR., Miguel (Coord.). Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2017;
1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 4, p. 77.
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