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Veja publicação original: Novas novatas: rompendo a lógica de ingresso das mulheres na política?
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Algumas comparações entre os anos de 2014 e 2018
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Por Juliana Fabbron Marin Marin, Laís Menegon Youssef e Luciana de Oliveira Ramos
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Dentre diversos fatores que colocaram as eleições de 2018 nos holofotes, ganhou destaque o aumento do número de mulheres eleitas na Câmara dos Deputados. Se em 2014 elegemos como representantes 51 deputadas, em 2018 elegemos 77, o que representa um aumento de 10% para 15% de mulheres nesta Casa Legislativa, fato que já foi bastante destacado pela mídia. Chama a atenção, ainda, o fato de que um elevado número delas nunca ocupou cargos políticos antes: são as novatas na política. Para compreender essa grande repercussão, traremos algumas comparações entre os anos de 2014 e 2018.
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No projeto de pesquisa “Democracia e Representação nas Eleições de 2018”, da FGV Direito SP, classificamos as eleitas ao cargo de deputado federal nas últimas duas eleições em quatro diferentes grupos: (i) deputadas federais que já disputaram e venceram eleições para a Câmara Federal (reeleitas à Câmara Federal), (ii) deputadas federais que possuem experiência como candidatas em eleições anteriores, mas que não tiveram sucesso antes do ano em que foram eleitas (tentantes à Câmara Federal), (iii) deputadas federais que já haviam sido eleitas para outros cargos, mas que não disputaram eleições com o intuito de preencher uma posição dentro da Câmara Federal (novatas na Câmara Federal) e (iv) deputadas federais eleitas que não disputaram eleições em um momento anterior (novatas na política). Em 2018, 41,6% são reeleitas; 26% são novatas na Câmara Federal; e 5,2% são tentantes.
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Olhando a legislatura eleita em 2014, 39,2% eram reeleitas; 33,3% novatas na Câmara Federal; e 7,8% tentantes. Mas o grupo que mais nos chamou a atenção nas eleições de 2018 é o das novatas na política, visto que são mulheres que concorreram pela primeira vez a um cargo eletivo e logo na primeira tentativa obtiveram sucesso nas urnas ao cargo de deputada federal, desafiando a ideia de que é preciso começar na esfera municipal e pouco a pouco ascender à esfera federal.
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No que se refere às entrantes que chamamos de novatas, do total de deputadas federais eleitas em 2014, 19,6% correspondiam a novas mulheres na política, ou seja, que haviam disputado sua primeira eleição. Em comparação com as eleições de 2018, esse número de novatas aumenta substancialmente, passando a representar 27,3% das eleitas. Quem são essas mulheres e o que elas têm de diferente para que tenham ganhado tanta repercussão e alcançado sucesso eleitoral?
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Em termos absolutos, ressalta-se o fato de que quase metade das entrantes na Câmara Federal são novatas, ou seja, das 45 candidatas que não ingressaram por reeleição, 21 nunca disputaram eleições antes.
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Este é um cenário diferente do encontrado em 2014, em que apenas 10 das deputadas eram novatas na política.
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Além disso, chama atenção o número de novatas na política eleitas em 2018 ser substancialmente superior ao número de tentantes (5,25 vezes mais), o que parece um contrassenso, já que aquelas disputaram uma eleição pela primeira vez e, portanto, teriam menos experiência do que as últimas que já participaram de alguma campanha eleitoral. Em 2014, a diferença era de apenas 2,5 vezes.
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As novatas na política representam não apenas uma novidade no que concerne à ocupação dos cargos, mas uma novidade em toda a política institucional, incluindo a participação dentro dos partidos, o que pode ser verificado a partir da análise do tempo de filiação dessas deputadas aos partidos pelos quais disputaram as eleições.
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Na legislatura eleita em 2018, enquanto as reeleitas têm uma média de 18,2 anos de filiação, as novatas na política tem em média apenas 1,9 anos de filiação. Porém, este número ainda conta com a distorção: a novata deputada Professora Rosa (PT-MT) possui 31 anos de filiação. Retirando esta deputada do cálculo, há uma mudança ainda maior: a média do tempo de filiação cai para 0,4 anos.
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Um dado que chama a atenção é que, das 29 deputadas que compõem o grupo de até 1 ano de filiação da legislatura eleita em 2018, 18 são novatas na política. Dessas 18, 16 filiaram-se ao partido pelo qual disputaram as eleições de 2018 no mesmo ano do pleito e 2 filiaram-se no ano anterior.
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Há ainda diferenças relevantes em comparação com a legislatura anterior. No caso de 2018, o grupo de até 1 ano de filiação representa 37,7% (29), ou seja, substancialmente superior a 2014 (7,8%, 4). E destas 4, apenas 1 era novata na política.
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Quando comparamos o tempo de filiação apenas das novatas eleitas em 2018 e em 2014, vemos uma diferença extremamente relevante, visto que em 2018, 85,7% das eleitas se filiaram há, no máximo, 1 ano antes da eleição, enquanto em 2014 essa porcentagem era de 10%. Em 2014, 50% das mulheres estavam filiadas há um período entre 2 e 5 anos, 30% entre 6 e 9 anos e 10% há mais de 10 anos. Por outro lado, em 2018, apenas 9,5% se filiaram em período de 2 a 5 anos antes das eleições e apenas uma mulher (4,8%) já estava filiada há mais de 10 anos, conforme ilustrado no gráfico abaixo.
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Se essas mulheres que foram eleitas não estavam filiadas e, portanto, ainda não se encontravam no cenário da política institucional, que tipo de capital político contribuiu para sua visibilidade dentro do partido e pelos eleitores e, por consequência, para o seu sucesso na disputa?
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Capital político, vale esclarecer, é uma forma de autoridade baseada no reconhecimento de seus pares, fazendo com que um grupo (eleitores, colegas de partido, etc) deposite confiança em um candidato ou candidata1. Aqui, chamamos atenção para 6 diferentes tipos de capitais, sendo eles: (i) capital familiar (quando se beneficia de contatos de parentes próximos ou cônjuge que estão na política); (ii) capital midiático (a “popularidade” de pessoas públicas em mídias como rádio, TV e redes sociais); (iii) capital religioso (líderes religiosos ou membros de religiões organizadas que mobilizem seu eleitorado tendo a religião como bandeira política); (iv) capital do próprio campo (pessoas que já assumiram cargos políticos não eletivos, como secretários e ministros); (v) capital sindical (pessoas que já ocuparam cargos de direção ou que participaram ativamente de associações de trabalhadores e patronais); e (vi) capital de movimentos sociais (pessoas vinculadas a movimentos e com mobilização destas bandeiras como pautas políticas)2.
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Tendo isso em vista, verificou-se que a distribuição de capitais políticos presentes entre as deputadas federais novatas de 2014 e 2018 teve diferenças relevantes. Se em 2014 80% das mulheres novatas tinham capital familiar, em 2018 apenas 33,3% das novatas o possuíam. A outra grande diferença é o capital midiático: em 2014 nenhuma novata dispunha deste capital, ao contrário do que ocorreu em 2018, mostrando-se presente em 47,6% das novatas eleitas, sendo também o capital com maior concentração dentre essas novatas.
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Outras diferenças também valem ser destacadas: (i) o capital de movimentos sociais, de 10% em 2014, subiu para 23,8% em 2018; (ii) o capital sindical, assim como o capital midiático, era inexistente entre as deputadas federais novatas em 2014, porém passou a estar presente entre 10% das novatas eleitas em 2018; (iii) o capital religioso teve um leve aumento, de 10% em 2014 para 14,3% em 2018; e (iv) o capital político do próprio campo manteve-se em proporções semelhantes: 30% em 2014 para 33,3% em 20183.
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Abaixo, o gráfico ilustra o resultado encontrado pela pesquisa:
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Há, assim, uma importante diferença de perfil entre as mulheres novatas eleitas à Câmara Federal em 2014 e em 2018. Enquanto as novatas de 2014 já tinham maior tempo de filiação e capital familiar, a maior parte das novatas eleitas em 2018 não tinha vínculo partidário até o ano da eleição, possuía menos vínculos familiares na política institucional e quase metade delas apresentou ampla visibilidade, seja na mídia tradicional, seja sua reverberação nas redes sociais.
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Como no Brasil não há duas eleições seguidas com as mesmas regras do jogo, é ainda prematuro afirmar que o perfil das eleitas está realmente mudando. Mas os dados apontam para a necessidade de melhor entendermos o potencial de sucesso de candidatas que tiveram forte capital midiático e pouco tempo de filiação nas eleições de 2018.
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Será o capital político midiático o que ganhará maior relevância não apenas entre as mulheres, mas entre os homens também? A trajetória dentro do partido passará a ter menor peso na escolha de candidaturas competitivas? Isso aumentará as chances de mulheres que estão fora da política?
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As perguntas ficam. Só as próximas eleições nos dirão se estamos de fato vendo a desconstrução de caminhos tradicionais para a entrada das mulheres na política.
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1BOURDIEU, Pierre. La représentation politique: Éléments pour une théorie du champ politique. In: Actes de la recherche en sciences sociales. Vol. 36-37, février/mars 1981. La représentation politique-1. pp. 3-24. Doi: https://doi.org/10.3406/arss.1981.2105.
2 Tratam-se de categorias inspiradas no seguinte artigo: MIGUEL, Luis Felipe; MARQUES, Danusa; MACHADO, Carlos. Capital Familiar e Carreira Política no Brasil: Gênero, Partido e Região nas Trajetórias para a Câmara dos Deputados. Dados, Rio de Janeiro, v. 58, n. 3, p. 721-747, setembro. 2015. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/00115258201557.
3 Válido ressaltar, por sua vez, que as diferenças percentuais entre 2014 e 2018 também devem-se ao fato de que o número de mulheres eleitas em 2018 foi maior. Portanto, não necessariamente nos casos de pequenas diferenças percentuais entre as novatas das legislaturas – como o capital religioso e o do próprio campo – poderá ser constatada uma diferença de perfil, mas sim um reflexo do aumento do número absoluto de eleitas.
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JULIANA FABBRON MARIN MARIN – Mestra em Políticas Públicas pela UFABC, graduada em Políticas Públicas pela mesma universidade e graduada em Direito pela FDSBC. Assistente de Projetos na Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada da FGV Direito SP e pesquisadora do projeto “Democracia e Representação nas Eleições de 2018: campanhas eleitorais, financiamento e diversidade de gênero”.
LAÍS MENEGON YOUSSEF – Graduada em Administração Pública pela FGV-EAESP e graduanda em Direito pela FGV Direito SP. Pesquisadora do projeto “Democracia e Representação nas Eleições de 2018: campanhas eleitorais, financiamento e diversidade de gênero”.
LUCIANA DE OLIVEIRA RAMOS – Doutora em direito constitucional pela USP e mestre em ciência política pela mesma universidade. Professora da FGV Direito SP e co-coordenadora do projeto “Democracia e Representação nas Eleições de 2018: campanhas eleitorais, financiamento e diversidade de gênero”.
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