Saiu no site EXAMES
Veja publicação original: 1 a cada 5 profissionais sofreu assédio sexual no trabalho. Veja relatos
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O que vítimas, líderes e empresas devem fazer para combater esse crime
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Por Alexa Meirelles
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Suas funções eram de alta responsabilidade e proporcionariam aprendizado, pois Paula seria a assessora do presidente da instituição, um homem influente, engajado e inteligente. Tudo parecia ir bem.
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Mas, um dia, quando acumulava seis meses de casa, a soteropolitana se surpreendeu com algumas mensagens que o presidente começou a lhe enviar via Skype. “Você fica linda com essa cor de roupa”, dizia uma das primeiras, de teor mais pessoal.
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A profissional não levou aquilo tão a sério. Aos poucos, porém, as declarações saíram do mundo virtual — e o chefe aproveitava os momentos em que estavam sozinhos para tecer comentários pouco profissionais.
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Um dos mais marcantes aconteceu numa viagem a Fortaleza em dezembro de 2015. “Ele disse que eu ‘merecia um homem mais velho’. Fiquei incomodada. No dia seguinte, no café da manhã no hotel, eu falei que tinha me sentido desconfortável, que aquilo era inapropriado para nossa relação, que era de trabalho”, diz Paula.
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O chefe assentiu e ela acreditou que o recado havia sido compreendido. Só que as investidas não pararam. “Quando estávamos no carro, ele costumava encostar na minha coxa se queria chamar minha atenção”.
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O comportamento piorou durante uma viagem de cinco dias, entre março e abril de 2017, para Lima, no Peru. Ali, o chefe extrapolou os limites. Uma das investidas aconteceu no banco traseiro de um táxi que os levava de volta ao hotel após um jantar de negócios.
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Os dois estavam conversando normalmente até que o executivo colocou a mão em cima da perna de Paula e a deixou parada. Incrédula, a subordinada tirou imediatamente a mão dele dali. “Ele deu risada. No fundo, aquela situação era divertida para ele, que gostava de ver o poder que tinha sobre mim.”
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A conduta do chefe não melhorou. Numa noite, quando estavam analisando documentos para uma reunião que aconteceria logo pela manhã, Paula sugeriu que continuassem o trabalho no dia seguinte bem cedo, pois já estava tarde. Também pediu que fosse dispensada de participar da apresentação.
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“Ele disse que deveríamos continuar e que poderíamos tomar uns drinques. Também falou que pensaria a respeito da dispensa — tudo dependeria de como eu me comportasse naquela noite. O tom dava a entender que eu estava ali para servi-lo.”
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Com medo e envergonhada, Paula guardou a história para si. Além de retaliações e de uma possível demissão, ela temia o julgamento dos outros. Seu receio era que não acreditassem nela.
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“Eu amava meu trabalho, era boa no que fazia e aprendi muito com meu chefe. Mas paguei um preço alto. Ir até a sala dele se transformou num momento de tortura.” O sofrimento era tanto que Paula ficou fisicamente debilitada e lutava, todos os dias, para se levantar da cama.
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Ela precisava dividir aquilo com alguém e, em junho de 2017, contou tudo a seus pais e começou a fazer terapia. No mesmo mês, Paula pediu demissão, não sem antes compartilhar sua história com as colegas de trabalho — seu objetivo era mostrar com quem elas estavam lidando.
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“Eu estava muito fragilizada, muito vulnerável. Não foi fácil, mas foi importante. Algumas pessoas ficaram chocadas, outras nem tanto. Houve as que não acreditaram e isso me magoou. Na cabeça delas, era mais lógico que eu quisesse ter algo com ele do que o contrário.”
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Com a ajuda dos pais, Paula pôde ficar oito meses sem trabalhar para se reerguer e encontrar um novo emprego. Hoje é coordenadora de projetos numa ONG na qual toda a diretoria é composta de mulheres.
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“Foram três anos de assédio. Eu culpei meu jeito espontâneo, minha simpatia. Culpei tudo menos quem eu deveria.”
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Problema global
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Casos como o de Paula, infelizmente, não são incomuns. Dados de uma pesquisa feita pela Talenses, consultoria de recrutamento executivo, com 3 215 entrevistados e com exclusividade para VOCÊ S/A, revelam que 34% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio sexual no ambiente de trabalho. Entre os homens o número alcança 12%.
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O índice mais baixo entre os profissionais do sexo masculino tem explicação psicológica. Para alguns deles, denunciar um caso de assédio pode demonstrar fraqueza — ainda mais se a assediadora for mulher.
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“Há uma tendência de eles racionalizarem esse tipo de situação. Grande parte não se verá como vítima nem se culpará. Vai pensar nas qualidades como homem, no que pode ter feito para despertar o interesse”, diz Pricila Gunutzmann, professora de psicologia na Universidade Anhembi Morumbi e especialista em gestão de pessoas.
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A cultura machista em alguns ambientes de trabalho também pode contribuir para que as funcionárias tenham de enfrentar mais essa questão. E esse é um problema global.
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De acordo com um levantamento da consultoria de recursos humanos Gartner, 40% das profissionais europeias disseram ter enfrentado essa situação. Nos Estados Unidos, o índice chega a 25%.
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O país é o berço do movimento Me Too (“Eu também”, em português), que surgiu em 2007, fundado pela ativista pelos direitos das mulheres Tarana Burke, e ganhou força dez anos depois, quando atrizes, modelos e profissionais do cinema se uniram para falar sobre os abusos de um dos produtores mais poderosos do mundo: Harvey Weinstein.
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Responsável por lançar filmes como O Senhor dos Anéis, Bastardos Inglórios e Gênio Indomável, Weinstein, que liderava a produtora Miramax e a The Weinstein Company, foi acusado de assédio — e estupro — por mais de 20 mulheres, entre elas Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow e Cara Delevingne.
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Os relatos das vítimas mostram que o executivo seguia, há 30 anos, o mesmo comportamento: propor práticas sexuais a mulheres no começo de carreira dando a entender que, ao fazer sexo com ele, as profissionais teriam uma ascensão meteórica.
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Era comum que o executivo as convidasse para “reuniões” em quartos de hotel e as recebesse nu ou de roupão. O jornal americano The New York Times, que revelou o escândalo, descobriu que parte da equipe de Weinstein tinha a função de cuidar de todos os detalhes da vida de assediador do chefe.
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As tarefas do time iam de ministrar injeções penianas para tratar da disfunção erétil do produtor até garantir que as mulheres assediadas se calassem sobre os episódios.
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O argumento é que ele poderia prejudicá-las profissionalmente — como fez com as atrizes Mira Sorvino e Ashley Judd, que, por terem recusado qualquer envolvimento com ele, eram proibidas de atuar nos filmes que produzia, mesmo quando o diretor pedia, especificamente, para trabalhar com elas.
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Weinstein ainda está sendo julgado pelas acusações, mas foi demitido da própria produtora em outubro de 2017.
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O episódio ganhou repercussão mundial e transformou o movimento Me Too em um marco da luta contra o assédio sexual no ambiente de trabalho. Afinal, foi por meio dele que um figurão da indústria cinematográfica foi jogado às traças.
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Além disso, o Me Too ajudou a estimular algo fundamental no combate a esse tipo de crime: a denúncia. “É difícil falar. Quando temos ações como o Me Too, uma vítima passa a se identificar com a outra. Ela pensa: ‘Eu não estou mais sozinha’ ”, diz Antonio Carlos Hencsey, diretor da ICTS Protiviti, empresa que presta serviços de auditoria de gestão de riscos e compliance, responsável por administrar, por exemplo, linhas de 0800 para que funcionários denunciem condutas incorretas em suas empregadoras.
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Claro que tomar essa decisão não é simples. Há diversas travas — psicológicas e culturais — que deixam as vítimas com medo de abordar o assunto. Também é comum que algumas pessoas demorem a entender que a situação que enfrentam é de assédio sexual.
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“Isso é algo muito naturalizado, quase banal e esperado”, diz Daniela Frelin, diretora executiva do Instituto Avon, que apoia causas voltadas para as mulheres.
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“Quando você nomeia esse tipo de prática, joga-se luz sobre o problema, e o primeiro efeito é o aumento do número de notificações.”
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E as empresas começam a ter de lidar cada vez mais com a questão: um levantamento exclusivo da ICTS para VOCÊ S/A mostra que o número de denúncias desse tipo nas companhias para as quais presta serviço ao redor do mundo aumentou 146% de 2016 a 2018. E, em cerca de 73% dos casos, as vítimas dão seu nome ao denunciar.
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Relação de poder
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Em território nacional, a lei que criminaliza o assédio sexual é relativamente recente — entrou em vigor em 2001. “O movimento de nomear a violência começou a se espalhar em legislações de vários países. No Brasil, a discussão começou a amadurecer na última década”, diz Gabriela Biazi, advogada voluntária da ONG Rede Feminista de Juristas (deFEMde).
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Juridicamente, o delito é definido como “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
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A pena é de um a dois anos de prisão. Quando a empresa é denunciada, primeiro é proposto um acordo — a companhia tem a chance de combater as práticas de assédio sexual. Se isso não acontece, a companhia é condenada e a Justiça cobra uma multa cujo valor é destinado a benfeitorias sociais.
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“É feito um ressarcimento à sociedade. Pode ser construir anexos em hospitais, equipar a Polícia Rodoviária ou favorecer entidades que possam trazer um benefício coletivo. O dano moral deve cumprir uma missão”, diz Valdirene Assis, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT).
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Em agosto do ano passado, por exemplo, a rede de hipermercados Walmart foi condenada a pagar 1 milhão de reais no Rio Grande do Sul por casos de assédio sexual em lojas de pelo menos oito cidades.
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Além da multa, a sentença determinava que a varejista criasse um programa interno de combate à prática, oferecendo mecanismos para as denúncias.
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Na letra fria da lei, assédio sexual demanda uma hierarquia entre a vítima e o assediador (seja entre chefe e subordinado, seja entre aluno e professor, por exemplo). O poder acaba dando ao assediador a sensação de que pode fazer tudo com seus comandados — não à toa, a pesquisa da Talenses aponta que 98% dos que cometeram o crime ocupam cargo hierarquicamente superior ao da vítima.
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E, quando o chefe é também o dono da empresa, a situação é ainda pior. Que o diga Juliana Marin, de 34 anos, técnica em biomedicina, que conviveu com o problema durante quatro anos.
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Em 2009, ela era bolsista de biomedicina em Mogi das Cruzes (SP) e precisava de um emprego de meio período para bancar seus estudos. Por isso, aceitou um estágio numa empresa de cosméticos que lhe rendia meio salário mínimo — o suficiente para pagar a passagem para a faculdade.
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O ambiente era masculino — além de Juliana, apenas mais duas mulheres trabalhavam ali. E o dono da companhia se aproveitava de sua posição para importunar a estagiária. “Tudo começou com um ‘bom-dia’ meloso”, diz Juliana. Mas não parou por aí.
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Quando ela estava ao telefone, o chefe costumava apertar seus ombros. Também era comum que passasse as mãos em seus braços e costas. “Eu tinha só 24 anos, notava que havia algo estranho, mas não questionava, só tentava me afastar.”
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Até que, finalmente, ele a chamou para sair. Ela negou, mas o convite se tornou constante. O chefe dizia que aquilo não era nada de mais, que seria bom para ela e que Juliana só não poderia se empolgar com a situação.
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“Senti muita raiva por ele acreditar que eu sairia com ele por dinheiro.” Em alto e bom tom, Juliana disse que ele era casado, que ela era sua funcionária e muito mais nova. Isso fez com que o chefe a deixasse em paz.
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“Aguentei em silêncio pelo medo de ser julgada, procurei outros empregos, mas sofria para achar algo de meio período. Senti nojo e agradeço pelo fato de o ‘não’ mais incisivo ter sido o suficiente para que ele parasse”, diz Juliana, que se demitiu da empresa em 2013 e hoje trabalha com recursos humanos.
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Só uma brincadeira?
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Segundo a Justiça, há outro tipo de assédio: o por intimidação. Este pode ocorrer entre colegas quando há, segundo o texto legal, provocações sexuais inoportunas no ambiente de trabalho que prejudiquem a atuação de uma pessoa ou criem uma situação ofensiva, de intimidação ou humilhação.
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Nesse caso, juridicamente, não há punição na Justiça do Trabalho. No âmbito civil, a vítima pode processar seu assediador e conseguir uma indenização, por exemplo.
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Nos quatro anos em que trabalhou como assistente executiva em um escritório de advocacia no Rio de Janeiro, de 2014 a 2018, A.C. (ela pediu para não ser identificada por estar processando os antigos empregadores) enfrentou os dois tipos de assédio — com a liderança e com um colega.
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Ela aguentava calada as investidas até que, um dia, o gerente-geral fez uma proposta indecente. O executivo ofereceu 5 000 reais para fazer sexo com a subordinada. A.C. ficou chocada, disse que não queria e fez a única coisa que sentia poder fazer naquele momento: relatou o ocorrido à chefe das secretárias para denunciar a conduta.
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Mas a atitude não surtiu nenhum efeito. O conselho da líder foi que A.C., ela própria, enviasse uma cartilha sobre assédio sexual ao e-mail do gestor para que ele “aprendesse sobre o assunto” — o que ela fez, no mesmo dia. Mas a cultura continuava na empresa.
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Um ano depois do primeiro episódio, A.C. voltou a enfrentar o problema, dessa vez com um de seus colegas, um secretário americano recém-chegado à firma. Logo nas primeiras investidas, A.C. deixou claro que não estava interessada em nenhum tipo de relacionamento pessoal e que, se um dia mudasse de ideia, ela mesma o procuraria.
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“Falei que ele não precisava ficar atrás de mim”, diz. O rapaz pareceu ter entendido. Mas a calmaria não durou muito. Como eram pares, os dois resolviam muitas coisas juntos e se comunicavam por WhatsApp — e ele usou dessa plataforma para assediá-la.
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“Ele enviou um gif com uma cena de sexo oral. Fiquei muito chocada. Sem querer me aborrecer, apaguei, fui até ele e disse que eu não havia gostado.” E a coisa não parou por aí.
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Em uma noite que estavam apenas os dois no escritório, o secretário se despediu de A.C. e, logo depois, enviou a ela outro gif pornográfico. A imagem animada mostrava, explicitamente, um homem e uma mulher transando.
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“Eu me senti agredida. Mostrei para o diretor de RH na mesma hora e ele disse que aquela situação era inconcebível e que avisaria a diretoria.”
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O secretário foi chamado para conversar com os diretores, entre os quais estavam o gerente-geral que havia assediado A.C. no passado e a chefe das secretárias. O funcionário disse que aquilo era só uma brincadeira e que a colega era louca.
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A conclusão do comitê foi que, como o empregado não estava em horário de trabalho, aquilo não seria assédio — mesmo que A.C. ainda estivesse no escritório. “Pediram para eu ser profissional, não comentar e agir como se nada daquilo tivesse acontecido”, diz.
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Ela não questionou — apenas pediu que a trocassem de lugar, o que não foi permitido. “Ele sentava na porta do banheiro e, toda vez que eu precisava ir, ele me encarava como se estivesse me enfrentando. Eu evitava até beber água para não ir ao banheiro.”
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A.C. esperou seu chefe voltar de férias para falar com ele sobre a situação. “Quando ele voltou, contei o caso e ele me disse que o secretário era americano e era normal que visse as brasileiras como putas.” Segundo o chefe, o melhor a fazer era relevar a situação.
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Ele falou que, mesmo sendo amigo de A.C., não poderia aconselhá-la. “Ele disse que também era sócio do escritório, que havia passado seis anos trabalhando noite e dia, inclusive nos fins de semana, e não queria ver a reputação de sua empresa envolvida em um caso de assédio sexual.”
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Mesmo contrariada, A.C. deixou o assunto para lá e tirou seus 15 dias de férias, que já estavam planejados. Em seu primeiro dia no trabalho após o descanso, em 31 de julho do ano passado, ela teve uma surpresa: outra secretária estava sentada em seu lugar.
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O diretor de RH a chamou para conversar e falou que ela estava sendo desligada, mas não explicou os motivos. “Eu era considerada a melhor assistente. As equipes me disputavam, diziam que eu só seria demitida quando o escritório fechasse”, diz.
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Ao contrário da maioria dos casos, A.C. decidiu processar o empregador. “Até agora estou esperando que pelo menos se retratem. No meio de tantas justificativas tortas, não ouvi sequer um pedido de desculpas.
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É um total absurdo que, em pleno século 21, qualquer ser humano ainda passe por isso”, diz a assistente executiva, que hoje trabalha em outro escritório no Rio de Janeiro.
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Desgastes na carreira
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Além de prejudicar a autoestima e aumentar a insegurança, o assédio sexual tem impactos diretos na trajetória profissional. Isso acontece por diversos fatores.
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Um deles é que, em alguns casos, quando o empregado não tem uma rede de apoio corporativa para enfrentar o problema, pode ser tachado como “aquele que sofreu o assédio” — o que é péssimo para a superação pessoal e, claro, para a reputação na carreira.
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“Os traumas emocionais fazem com que a pessoa veja seu potencial limitado. Os outros não se lembram dela de outra forma”, diz Carine Ross, cofundadora do Elas, escola de liderança voltada para mulheres.
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No limite, desenvolvem-se problemas mais sérios de saúde, como síndrome do pânico, estresse pós-traumático e depressão.
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No dia a dia, a consequência imediata é a queda na performance desses profissionais. Afinal, quem está no meio de um turbilhão como esse não consegue se concentrar nas atividades do trabalho e acaba perdendo, também, a motivação para entregar as tarefas.
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“A autogestão de carreira está atrelada a vários pilares, como network, reputação, competitividade, saúde mental. Quando um deles está desequilibrado, os outros também ficam”, diz Márcia Oliveira, consultora sênior de carreira da Produtive, empresa de recrutamento.
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Outro problema é perder oportunidades interessantes ou ser forçado a mudar de rota por causa do assédio. Foi exatamente o que aconteceu com Patrícia Carvalho, de 32 anos, que hoje é líder da área de marketing da CargoX, startup de compartilhamento de cargas e caminhões.
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Talvez ela não estivesse nesse cargo nem morando em São Paulo se não fosse um caso de assédio em um antigo trabalho em Brasília (DF), onde nasceu.
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Patrícia trabalhava numa empresa que admirava e tinha a meta de migrar internamente para outro setor. Cerca de duas vezes por mês, ela costumava conversar com o diretor dessa área, que se dividia entre a capital paulista e Brasília. Mas o comportamento do executivo a afastou de seu objetivo.
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“Uma vez, eu estava no escritório de São Paulo conversando com algumas mulheres da equipe. Ele chegou até mim, disse que eu parecia estressada e que faria uma massagem. Colocou a mão nas minhas costas e eu levantei”, diz Patrícia, que viu o diretor repetir esse gesto com outras funcionárias e ouviu de uma colega que não gostava da forma como ele a tratava.
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Os toques em Patrícia não pararam. Durante um evento de marketing em Brasília, ela e o executivo estavam sentados, cada um em uma cadeira, numa sala cheia de gente. De repente, o diretor avançou e apalpou as duas coxas de Patrícia.
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“Fiquei muito assustada, na hora eu travei. Levantei em disparada e saí da sala.” Nervosa, ela telefonou para uma colega que havia usado o canal de compliance para denunciar outro funcionário.
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“Foi muito difícil. Liguei para relatar o que aconteceu, fiquei nervosa e me senti desrespeitada.” Meses depois, Patrícia denunciou seu assediador.
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Outra funcionária foi vítima do mesmo executivo e Patrícia foi citada por essa moça como testemunha. Foi quando, finalmente, ela relatou o que havia acontecido.
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“Acho que ele foi notificado e que citaram meu nome, pois dali para a frente ele passou a me ignorar. Antes, ele era uma pessoa que me acessava, que me colocava em reuniões. Depois da denúncia, nunca mais trabalhou comigo. Não sei se o orientaram a agir dessa maneira”, diz Patrícia.
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“Talvez hoje eu estivesse numa posição melhor. Mas o que mais me machuca é o fato de que eu não pude ter a opção.” Ela resolveu sair da empresa, ainda que o assédio não tenha sido o principal motivo.
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Em sua procura por um novo trabalho, quando ainda estava no anterior, fazia questão de entender as políticas de combate ao assédio sexual das companhias pelas quais se interessava.
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“No processo seletivo para a CargoX, perguntei como era a liderança do CEO, como ele conduzia as coisas. Disseram que ele era muito respeitador, que nenhuma mulher teve algum problema. Isso era importante, porque os valores dele iam ecoar no restante da empresa. Se a entrevistadora tivesse titubeado, eu declinaria.”
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Responsabilidades compartilhadas
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Se existe um dado alarmante quando se trata de assédio sexual no ambiente de trabalho é o fato de que a maioria das denúncias (ainda) vira água.
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Essa é a conclusão de uma pesquisa feita pela plataforma de carreira Vagas, que ouviu 4 900 profissionais e descobriu que, em 74% dos casos, nada acontece com os assediadores.
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Para transformar essa realidade, não há caminho fácil. E a primeira atitude passa, necessariamente, pela liderança — que é quem dá o exemplo no dia a dia e ajuda a construir a cultura da empresa. Caso contrário, nada muda e os comentários e as atitudes de caráter sexual continuam sendo tratados como brincadeiras.
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“As políticas internas precisam ser claras. A partir do momento que alguém na alta gestão faz uma piada e os outros riem, as pessoas pensam: ‘Se o presidente fala, eu também posso falar’ ”, diz Erika Zoeller, especialista em diversidade e membro do Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF) de São Paulo.
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É fundamental construir práticas que serão seguidas do topo à base. E tudo começa pela educação e pelo convite à reflexão. “O embate nunca é o melhor caminho. É preciso mostrar dados, explicar que um ambiente desse tipo é tóxico, com mais pessoas doentes e menos produtividade”, diz Erika.
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Nessa jornada pelo esclarecimento, é necessário tomar cuidado para que não se trave uma guerra dos sexos. “Não transformar a realidade organizacional em um contexto de segregação é muito importante.
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Senão, começa-se a criar a sensação de que qualquer relacionamento com o sexo oposto é, por natureza, problemático”, diz Anderson Sant’Anna, professor de recursos humanos da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp).
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O ponto é encontrar o equilíbrio e entender que, se o outro se mostrar desconfortável com uma aproximação pessoal, a linha entre galanteio e assédio certamente estará sendo ultrapassada — e é preciso parar.
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Se as empresas não se convencem pelo aspecto humanitário da luta contra o problema, pode-se apelar para o bolso: o levantamento da Gartner citado no início desta reportagem mostra que, só em 2016, casos de assédio sexual custaram cerca de 1,6 bilhão de dólares para as companhias nos Estados Unidos.
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“A melhor forma é a própria empresa assumir a incumbência e desenvolver internamente um trabalho para que não haja espaço para o assédio. Isso reduz danos para todos os trabalhadores e para a saúde financeira”, diz a procuradora Valdirene, do MPT.
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Não à toa, entre as organizações que compõem o Guia VOCÊ S/A — As 150 Melhores Empresas para Trabalhar de 2018, 99% possuem canais sigilosos para denúncias dos funcionários.
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Em 84% delas, as denúncias são encaminhadas à alta direção e, em 83%, há um comitê específico para tratar dos casos. Além disso, em 73% das Melhores existem ações formais de prevenção específicas para assédio sexual, número que cai para 29% entre as que não se classificam para a lista.
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Seja por zelo à reputação, seja por lucro, fato é que as companhias que lutam contra o problema constroem ambientes de trabalho mais felizes — e, consequentemente, abertos para que possíveis vítimas se sintam acolhidas para falar sobre o assunto.
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É apenas conversando abertamente sobre os limites que precisam ser estabelecidos que vamos combater um problema grave que pode destruir a saúde e a carreira de muitos profissionais.
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Nenhuma empresa — ou chefe, ou colega — pode assistir a isso calada. Só assim é que a realidade será transformada.
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