Saiu no site CANAL CIÊNCIAS CRIMINAIS
Veja publicação original: Importunação sexual: retrocesso e simbolismo (Lei 13.718/2018)
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O assédio de cunho sexual faz parte da rotina da maioria das mulheres brasileiras. No transporte público, na fila do mercado, caminhando no parque. Não há hora e nem lugar. Não há classe social, nem grau de instrução. Basta ser mulher.
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Até mesmo acompanhada de filhos(as), mulheres são importunadas com assobios e palavras (que os muitos homens consideram ser elogio, mas não são!) degradantes sobre seu corpo e aparência (extremamente machistas, por ex: “gostosa”). Isso quando a situação não é mais grave como os atos de “encoxar”, mão no peito, mão na bunda, nas pernas, masturbação e (pior!) ejaculação.
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Uma pesquisa realizada pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva divulgou que 97% das mulheres entrevistadas já foram assediadas no transporte público e 71% conhecem alguma mulher que já sofreu assédio em público.
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Buscando atender ao clamor social diante dos incontáveis casos de assédio, ocorridos no espaço público, enquadrados como contravenção (LCP. Art. 61. Atualmente revogado) foi editada a Lei 13.718/2018.
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Esta Lei (publicada em 25 de setembro de 2018) alterou o Código Penal brasileiro inserindo o artigo 215-A que estabelece o crime de importunação sexual.
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Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Pena reclusão de 1 a 5 anos, se não constituir crime mais grave.
Antes da Lei 13.718/2019 não havia um tipo de crime para enquadrar as situações de assédio no espaço público sugerindo ao aplicador do direito a escolha entre duas opções extremas: aplicar a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (com pena de multa) ou o crime de estupro (pena de reclusão de 6 a 10 anos)? A importunação sexual foi criada para exercer a função de uma sanção intermediária entre estas duas opções.
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Pois bem, apesar de muitos posicionamentos a favor desta previsão legal, entendo que a criação do crime de importunação sexual foi um enorme retrocesso na proteção da dignidade sexual da mulher pelos motivos a seguir expostos.
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Em primeiro lugar, porque entendo que a importunação é sim uma forma de estupro. Não podemos ignorar os danos irreparáveis que a conduta do agressor causa à mulher assediada.
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Temos que nos desprender da ideia de que a violência ou grave ameaça prevista no artigo 213 do Código Penal abrange apenas a violência física (um homem não precisa encostar-se a uma mulher para ela se sentir ameaçada). Violência é violência! Seja física ou psicológica.
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Experiências como, dormir durante o trajeto no transporte público e acordar com alguém ejaculando em você, estar caminhando na rua e ter um homem te tratando como um brinquedo sexual (coisificação da mulher), estar na fila de um supermercado e um homem vir sussurrar no seu ouvido, encostar, passar a mão, […] são experiências, com certeza, inesquecíveis e muitas vezes insuperáveis.
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Esse tipo de atitude (infelizmente ensinada a grande parte dos homens, reforçando uma cultura machista que se prolonga no tempo) deveria ser tratado com maior rigor e não abrandado com uma pena intermediária de 1 a 5 anos.
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Em segundo lugar, a criação da importunação sexual não exerceu o que entendo ser sua maior motivação, a proteção da vítima quanto ao seu direito de escolher quando, como e com quem praticar atos de cunho sexual.
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Se o acusado é preso para logo ser solto (que é o que acontece na maior parte dos casos, salvo quando este possui outros processos criminais) qual é a função deste tipo penal? Ao meu ver, exerce apenas uma função simbólica, ou seja, ao invés de determinar normas que realmente protejam os bens jurídicos considerados essenciais para a vida em sociedade, o legislador preocupa-se tão somente em criar uma falsa atmosfera de tranquilidade, gerando a sensação de que agora as vítimas estarão protegidas. Não, elas não estão.
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Tudo continua igual. Enquanto continuarmos tratando esta forma de violência como algo normal, pouco grave, costume masculino ou qualquer coisa do tipo e, mantermos essa cultura de que a mulher tem que aguentar certos comportamentos, nada vai mudar.
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Nenhuma mulher merece ser tratada como objeto sexual de ninguém.
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A Lei 13.718/2018 pode até ser um avanço quando olhamos da perspectiva em que o caminho buscado era o da contravenção. Mas é um grande retrocesso por não tratar de forma mais séria e grave esta forma de violência. Para quem passa por essa experiência, não existe diferença entre a violência física ou psicológica. Esta é tão grave quanto o estupro em si.
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