O longo itinerário histórico percorrido pelo movimento feminista, seja em nosso País, seja no âmbito da comunidade internacional, revela trajetória impregnada de notáveis avanços, cuja significação teve o elevado propósito de repudiar práticas sociais que injustamente subjugavam a mulher, suprimindo-lhe direitos e impedindolhe o pleno exercício dos múltiplos papéis que a moderna sociedade, hoje, lhe atribui, por legítimo direito de conquista. O movimento feminista – que fez instaurar um processo de inegável transformação de nossas instituições sociais – buscou, na pers‑ pectiva concreta de seus grandes objetivos, estabelecer um novo paradigma cultural, caracterizado pelo reconhecimento e pela afirmação, em favor das mulheres, da posse de direitos básicos fundados na essencial igualdade entre os gêneros. Todos sabemos, (…) sem desconhecer o relevantíssimo papel pioneiro desempenhado, entre nós, no passado, por grandes vultos brasileiros que se notabilizaram no pro‑ cesso de afirmação da condição feminina, que, notadamente a partir da década de 1960, verificou-se um significativo avanço na discussão de temas intimamente ligados à situação da mulher, registrando-se, no contexto desse processo histórico, uma sensível evolução na abordagem das questões de gênero, de que resultou, em função de um incessante movimento de caráter dialético, a superação de velhos preconcei‑ tos culturais e sociais que impunham, arbitrariamente, à mulher, mediante incom‑ preensível resistência de natureza ideológica, um inaceitável tratamento discrimina‑ tório e excludente, que lhe negava a possibilidade de protagonizar, como ator relevante, e fora do espaço doméstico, os papéis que, até então, lhe haviam sido recusados. Dentro desse contexto histórico, a mística feminina, enquanto sinal visí‑ vel de um processo de radical transformação de nossos costumes, teve a virtude, altamente positiva, consideradas as adversidades enfrentadas pela mulher, de sig‑ nificar uma decisiva resposta contemporânea aos gestos de profunda hostilidade, que, alimentados por uma irracional sucessão de fundamentalismos – quer os de caráter teológico, quer os de índole política, quer, ainda, os de natureza cultural –, todos eles impregnados da marca da intolerância e que culminaram, em determina‑ da etapa de nosso processo social, por subjugar, injustamente, a mulher, ofenden‑ do-a em sua inalienável dignidade e marginalizando-a em sua posição de pessoa investida de plenos direitos, em condições de igualdade com qualquer representan‑ te de gênero distinto. Cabe ter presente, bem por isso, neste ponto, ante a sua extre‑ ma importância, a Declaração e Programa de Ação de Viena, adotada pela Conferên‑ cia Mundial sobre Direitos Humanos promovida pela Organização das Nações Unidas 10 (1993), na passagem em que esse instrumento, ao reconhecer que os direitos das mulheres, além de inalienáveis, “constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais” (Capítulo I, item n. 18), deu expressão prioritária à “plena par‑ ticipação das mulheres, em condições de igualdade, na vida política, civil, econômi‑ ca, social e cultural nos níveis nacional, regional e internacional (…)” (Capítulo I, item n. 18). Foi com tal propósito que a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos instou, de modo particularmente expressivo, que “as mulheres tenham pleno e igual acesso aos direitos humanos e que esta seja uma prioridade para os governos e as Nações Unidas”, enfatizando, ainda, “a importância da integração e plena participação das mulheres como agentes e beneficiárias do processo de desenvolvimento”, tudo isso com a finalidade de pôr em relevo a necessidade “de se trabalhar no sentido de eliminar todas as formas de violência contra as mulheres na vida pública e privada, de eliminar todas as formas de assédio sexual, exploração e tráfico de mulheres, de eliminar preconceitos sexuais na administração da justiça e de erradicar quaisquer conflitos que possam surgir entre os direitos da mulher e as consequências nocivas de determinadas práticas tradicionais ou costumeiras, do preconceito cultural e do extremismo religioso” (Capítulo II, B, n. 3, itens n. 36 e 38). Esse mesmo compromis‑ so veio a ser reiterado na Declaração de Pequim, adotada na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada na capital da República Popular da China (1995), quando, uma vez mais, proclamou-se que práticas e atos como o assédio sexual “são incom‑ patíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser combatidos e eliminados”, conclamando-se os governos para a urgente adoção de medidas desti‑ nadas a combater e a eliminar todas as formas de violência e de constrangimento “contra a mulher na vida privada e pública, quer perpetradas ou toleradas pelo Es‑ tado ou pessoas privadas” (Plataforma de Ação, Cap. IV, I, item n. 224), especialmen‑ te quando tais atos traduzirem abuso de poder, tal como expressamente reconheci‑ do nessa Conferência Internacional sobre a Mulher. O eminente embaixador José Augusto Lindgren Alves, em lapidar reflexão crítica sobre o tema pertinente à con‑ dição feminina (Relações internacionais e temas sociais – a década das conferências, p. 240/241, item n. 7.6, 2001, Fundação Alexandre de Gusmão, Brasília), expendeu considerações extremamente relevantes sobre o processo de afirmação, expansão e consolidação dos direitos da mulher no século 20, analisando-os em função das diversas conferências internacionais promovidas sob a égide da Organização das Nações Unidas: “seja pelo desenvolvimento de sua situação em grande parte do 11 mundo, seja nos documentos oriundos de cada uma das quatro grandes conferências da ONU a ela dedicadas nas três últimas décadas, o caminho percorrido pela mulher no século 20, mais do que um processo bem-sucedido de autoilustração no sentido kantiano – da qual a mulher efetivamente equiparada ao homem prescindiria e a mulher biológica per se não necessitaria –, evidencia uma capacidade de autoafir‑ mação, luta e conquista de posições inigualáveis na história. O fato é tão evidente que sua reiteração soa lugar-comum.
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