Estava devendo esse post sobre o trabalho que desenvolvi como Promotora de Justiça em Taboão da Serra (SP), que ficará guardado para sempre no meu coração.
Desde pequena fui muito questionadora e muito próxima da minha avó Marilia, minha referência e uma mulher que sempre esteve à frente do seu tempo. Um dia, ao perguntar para ela o que deveria ser quando crescer, ela disse: “você tem que ser promotora de justiça”. Naquele momento eu não entendi bem o que ela quis dizer, eu deveria ter uns 12 anos, mas de uma certeza eu tinha: minha missão era lutar e defender os direitos das mulheres. Tive exemplo de mulheres que fizeram isso. A minha trajetória não poderia ter sido diferente.
Passados os anos, estudei, entrei na Faculdade de Direito, me formei e depois de 4 anos estudando diuturnamente, me tornei Promotora de Justiça.
A primeira Comarca que atuei como promotora titular foi em Embu Guaçu (SP), onde existiam os maiores índices de violência contra mulher e onde vi muitos crimes bárbaros. Mas com trabalho e dedicação, lutei por Justiça e vi muitas mulheres renascerem para a vida, o que trouxe enorme satisfação e me fez enxergar uma nova forma de atuação, muito mais voltada para servir a sociedade. Foi a partir de minha atuação em Embu Guaçu que que percebi que a mulher em situação de violência precisa muito mais que uma proteção do Estado: elas precisam de apoio, de resgate da identidade e da autoestima.
Depois de um tempo exercendo meu trabalho em Embu Guaçu, fui promovida para Taboão da Serra em 2012. Vi lá uma grande oportunidade de desenvolver, desde o início, um trabalho de promoção de acesso à justiça às mulheres em situação de violência, tendo em vista o alto índice de violência e a boa estrutura da rede protetiva dos direitos das mulheres que encontrei por la, somando à minha experiência já adquirida em Embu-Guaçu, às minhas raízes e à minha vontade quase que indomável de mudar o mundo, me joguei de corpo e alma. Fui além: fui pra ruas, pra escolas, pra faculdades, pros órgãos públicos, me aproximei de ONGs, associações, movimentos sociais, comunidades e desenvolvi alguns projetos. O resultado veio: em 4 anos, considero que houve um aumento significativo das denúncias de casos de violência contra a mulher: chegamos a ter 6600 processos judiciais em andamento (quando cheguei tínhamos no máximo 1000).
Porém, percebi que não estava conseguindo diminuir o índice de violência contra a mulher e pensei: “preciso mudar a estratégia, preciso desenvolver novas formas de prevenção e tentar transformar essa cultura de violência contra a mulher”. Depois de algumas pesquisas, inclusive internacionais, analisei trabalhos que apresentavam um bom resultado e vi que muitos deles eram voltados à ressocialização do agressor.
E foi a partir dai, em Taboão da Serra, que conseguimos desenvolver um dos primeiros projetos-modelo voltados para a ressocialização do autor de violência contra a mulher: o projeto Tempo de Despertar. Por meio dele, o agressor processado por crime de violência contra a mulher é obrigado a comparecer em um curso de conscientização e responsabilização do crime, em tese praticado, com duração de 4 meses e com envolvimento de várias instituições e órgãos públicos: Ministério Público, Poder Judiciário, OAB, Prefeitura e Secretarias Municipais. O resultado do primeiro projeto foi surpreendente: diminuímos a a reincidência de 65 para 2%.
Diante desse resultado animador, apresentamos um projeto de lei na Câmara dos Vereadores de Taboão da Serra. Atualmente temos uma lei, a Lei Municipal n. 2229/2015, que leva o nome Tempo de Despertar. Hoje já estamos indo para a 3ª edição do projeto.
Tudo isso foi possível pelo engajamento de pessoas que trabalharam comigo em Taboão da Serra:
1)Ministério Público: com um equipe maravilhosa, comprometida e que acreditou no meu trabalho;
2)Poder Judiciário, com um dos melhores juízes com quem já trabalhei e com quem aprendi muito, alem dos serventuários da Justiça, que estavam sempre à disposição;
3)Poder Legislativo, vereadoras que apresentaram o projeto de Lei na Câmara dos Vereadores)
4)Poder Executivo, por meio da Coordenadoria dos Direitos da Mulher, que trabalharam dia e noite em parceria, alem de Toda as Secretarias municipais que apoiaram do inicio ao fim e não mediram esforços para fazer o projeto acontecer.
(não irei nominar ninguém com medo de ser injusta)
Juntas, lutamos pelo mesmo objetivo: diminuir a violência contra mulher em Taboão da Serra. E conseguimos, sai de lá com diminuição do número de processos em curso, de aproximadamente 10% (dez por cento).
Eu sempre falo que Taboão da Serra abriu as portas do mundo para mim: foi a partir da minha atuação la que ganhei reconhecimento, prêmios, convites, inclusive internacionais. Mas isso de nada vale se eu não sentir, no fundo do meu coração, que realmente fiz a diferença na vida das pessoas.
E sabem como eu tenho essa certeza: elas sempre me ligam, perguntam como seu estou, dizem que sentem saudades, pedem orientação e ao final sempre perguntam: Quando a doutora vai voltar? A doutora não voltará, mas a Gabi estará sempre com vocês.
Obrigada Taboão da Serra!
Minha primeira palestra em Taboão da Serra…
Após 4 anos, minha última palestra em Taboão da Serra.