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Veja publicação original: A determinação de Carol Settanni, a 1ª Tenente do Corpo de Bombeiros de São Paulo
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“Eu nunca me permiti ser olhada de uma maneira inferiorizada, ser vista como sexo frágil.”
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Tomou a decisão de que era preciso entrar no rio Pinheiros. Uma senhora havia pulado da Ponte do Jaguaré no momento em que encostava sua viatura no local e fazer o retorno para ter acesso às águas pela margem levaria muito tempo. Traçou a estratégia. Ela, como Tenente e no comando da operação, poderia orientar alguém de sua equipe a descer, mas julgou que o caso era outro. Ela mesma ia entrar. Montaram a corda de rapel na roda da viatura e ela desceu. Entrou no rio até o pescoço, abraçou a vítima e foi retirada, com ajuda dos demais bombeiros, para a margem. Todos saíram bem. Carolina Aoki Settanni, 33 anos, faz isso. Primeira tenente PM do Comando de Bombeiros Metropolitano – Seção de Operações, orgulha-se da vocação que tem. “Eu sempre tinha essa coisa de ajudar as pessoas, salvar as pessoas, era sempre aquela que ia ajudar, socorrer”.
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E esse foi apenas um dos episódios marcantes de sua carreira. E para ela está bem claro o que precisa fazer. “O bombeiro é uma vocação. Então tudo que eu sempre gostei de fazer é o que o bombeiro faz. Você tem que ser muito altruísta, amar muito o próximo, ter condições físicas para ajudar alguém que está em uma situação de perigo, ter muito controle emocional, algo que estamos sempre aprendendo porque não existe ocorrência igual à outra”. Ao longo de cerca de 10 anos no Corpo de Bombeiros, foram muitas as situações de emergências. Diversos de incêndios em prédios, em indústrias e em comunidades, muitos casos de afogamento – um no lago do Parque do Ibirapuera em que ela também entrou junto com um auxiliar, à noite, para salvar a vítima –, tentativas de suicídio, acidentes de trânsito.
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O bombeiro é uma vocação. Você tem que ser muito altruísta, amar muito o próximo, ter condições físicas para ajudar alguém que está em uma situação de perigo, ter muito controle emocional.
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Fala com naturalidade e firmeza sobre os casos e o trabalho que executa. Não porque não se afete, mas porque sabe que precisa estar focada e concentrada para fazer o que faz. “A não ser que tenha um capitão, o que é raro de acontecer, o tenente é que tem que pensar em tudo, prever os riscos, ver o isolamento, se está bem feito, se tem risco de explosão, atropelamento, se tem vítima, se precisa de apoio, equipamentos, tudo. Tem que conseguir raciocinar, montar estratégia de atuação, coordenar as equipes. Não é ter sangue frio, é ter uma maturidade emocional”.
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Por isso fala com tranquilidade sobre qualquer situação pela qual já passou. Não tem contato com as vítimas que socorre e muitas vezes não tem informações sobre o estado de saúde depois do resgate. Isso porque seu foco é no momento da ocorrência e sempre acredita que pode ajudar aquela pessoa. Depois, não é mais com ela. Faz parte.
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Mas, claro, às vezes as coisas fogem um pouco da regra. “Tem pessoas que voltam no quartel para procurar quem ajudou, dar um presente. Não esperamos isso, não é por isso que fazemos nosso trabalho, mas é legal, a gente se emociona também. Nossa profissão é de alto risco, a gente só vai para situações de emergência e quando estamos lá sempre tem chance de novos acidentes. Pode ter explosão, ter gente atropelado, é complicado. Por isso treinamos e nos preparamos muito”.
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Nossa profissão é de alto risco, a gente só vai para situações de emergência e quando estamos lá sempre tem chance de novos acidentes.
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Formada pela Academia de Polícia do Barro Branco, Carol prestou a concorrida prova do vestibular em 2005. Lembra que na época concorreu a uma das 15 vagas destinadas para mulheres. Passou e começou a atuar em 2006. Em 2009 realizou a migração para o Corpo de Bombeiros após um concurso interno e conseguiu uma das 18 vagas. Com o tempo, foi se especializando, fazendo cursos e treinando muito. Algo, aliás, que Carol faz questão de enfatizar. E não deixa que ninguém a considere menos capaz. Porque não é.
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E a sua resposta para qualquer comentário ou comportamento preconceituoso que possa receber no dia a dia – ela calcula que haja pouco mais de 10% de mulheres na corporação – é justamente essa. Mostrar seu trabalho e sua dedicação. “Eu nunca me permiti ser olhada de uma maneira inferiorizada, ser vista como sexo frágil. Eu não me deixo intimidar, não é uma coisa que me afeta. Acho que o preconceito está na cabeça das pessoas e na minha não tem isso porque eu sei que a pessoa trabalhar bem ou não, não tem a ver com o sexo. Um desafio é mostrar para as pessoas ao longo da carreira que o preconceito está só na cabeça de cada um e é lá que deve ficar”.
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Eu não me deixo intimidar. Um desafio é mostrar para as pessoas ao longo da carreira que o preconceito está só na cabeça de cada um e é lá que deve ficar.
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Segundo ela, há duas situações típicas de preconceito que ela percebe. Há os casos em que julgam que algo foi feito apenas para mostrar que ela era capaz de fazer – “E não é isso. Você faz porque é o seu natural, porque você consegue, é o que tem que ser feito” – e o contrário, quando não faz algo e pensam que isso ocorreu porque ela não conseguiria fazer por ser mulher. “Mas tenho a consciência de que dei meu máximo e fiz o melhor em todas as situações e o que vier com isso, se vai vir gente machista e preconceituosa, o problema é delas, não é meu. Eu quero dar à população de São Paulo o que tem de melhor”.
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E para Carol, se colocar de forma firme é algo natural. Talvez mais um dos motivos que a levou a essa posição. Mas antes disso, treinou bastante também com sua atuação no esporte. Atleta desde pequena – chegou a fazer parte da seleção brasileira de badminton – joga futsal e sempre jogou com homens e ouviu muita piadinha e comentários preconceituosos. Quando entrou para os Bombeiros, não foi diferente.
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“Jogo futebol também desde pequena e sempre falam que não é pra mulher e sempre joguei com homem e no Bombeiro isso era normal pra mim, assim como para várias mulheres. No começo eles nem chegavam perto e depois, com tempo, acostumam, viram que sabemos e nos tratam normal no jogo”.
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Jogo futebol também desde pequena e sempre falam que não é pra mulher e sempre joguei com homem e no Bombeiro isso era normal pra mim.
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Tanto sabem que recentemente conquistaram o prêmio inédito no World Police Indoor Soocer Tournarment, ocorrido na Holanda, campeonato mundial em que policiais do mundo todo se enfrentam. Capitã do time, formado por funcionárias que atuam na área de segurança do estado, comemora a vitória após 6 anos de participação. Isso, aliás, foi mais uma coisa que a corporação proporcionou para Carol. Ela pode unir sua vocação profissional com o seu gosto por esporte.
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Às vezes é um pouco difícil, é verdade. Após esse campeonato, Carol precisou fazer uma cirurgia e se afastou por uns meses das atividades pela primeira vez. Difícil para ela ficar assim, de repouso. Mas a parte pior já passou. Agora já está bem e se prepara para voltar às ruas. Fazer o que sabe.“Meu objetivo é dar meu melhor sempre, ajudar quem eu puder da forma que eu puder. Somar, fazer alguma coisa que faça a diferença na vida de alguém. Me sinto realizada”.
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Mal pode esperar por um dia de trabalho.
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Ficha Técnica #TodoDiaDelas
Texto: Ana Ignacio
Imagem: Caroline Lima
Edição: Andréa Martinelli
Figurino: C&A
Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC
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