Saiu no site UNIVERSA
Veja publicação original: Mulheres contam os maiores absurdos que ouviram em entrevistas de emprego
.
Por Heloísa Noronha
.
Cantadas, discriminação, preconceito, assédio, perguntas invasivas –inclusive por recrutadoras mulheres. Estas cinco histórias ilustram bem o que muitas profissionais precisam enfrentar diariamente ao buscar novas oportunidades na carreira.
.
.
“O entrevistador pegou no meu seio”
.
“Era uma entrevista para um estágio realizada pelo próprio dono da empresa, um português de uns 50 anos de idade. Em um certo momento, porém, ele começou a conduzir a conversa para vestimentas. Eu usava uma blusa com três botões e o primeiro dele estava desabotoado. Ele comentou que três botões abertos seria um sinal de ‘empoderamento’, mas que se todos estivessem fechados poderia passar a imagem de uma pessoa fechada e introvertida que não combinaria com a vaga em questão. Eu só ouvia, calada. Então, ele contou a história de um cliente problemático e de como pediu para que uma funcionária ‘resolvesse’ a questão indo até o escritório dele com um decote. Continuei a escutar, calada. Só queria sair dali o mais rápido possível. Quando a entrevista acabou, ele me levou até o hall do elevador. Antes, sussurrou que talvez não desse certo a gente trabalhar juntos, pois iríamos ‘fazer muita besteira’. Antes que eu entrasse no elevador, ele me deu um abraço e passou a mão no meu seio. Liguei para a empresa de estágios que havia marcado para a entrevista e o denunciei. Adivinha: já não era a primeira vez que esse tipo de assédio acontecia”. Adriana Tavares, 21 anos, estudante.
.
.
“Caso um deles fique doente, o que você faria?”, perguntou a entrevistadora a MarilaineImagem: Arquivo Pessoal
.
.
“Sofri preconceito por ser mãe”
.
“Fui mãe pela primeira vez na adolescência, com 15 anos. Desde então, sempre escuto absurdos e preconceitos. O último episódio marcante ocorreu no ano passado, quando eu concorria a uma vaga como assistente administrativo financeiro para uma franquia de uma marca de cosméticos. De cara, a recrutadora perguntou se eu tinha filhos. Respondi, já prevendo onde ela queria chegar: ‘Sim, dois. Um de 11 anos e outro de 1 ano e ambos têm com quem ficar na minha ausência’. Aí ela rebateu: ‘E caso um deles fique doente, o que você faria?!’. Minha resposta: ‘Se for algo de menor gravidade, como viroses ou resfriados, a pessoa responsável por olhá-los tomará conta deles.’ Ela novamente rebate: ‘Então por algo grave você faltaria ao trabalho?’. Bom, a pergunta me chocou pela falta de sensibilidade e empatia naquele momento. Senti uma profunda tristeza, pois percebi, na hora, que a vaga não seria minha. Nós, mães, ainda mais de filhos pequenos, sempre somos alvo de preconceito imediato, não importa a experiência e a competência. As referências profissionais de quem já trabalhou com essa mãe e mulher poderiam ajudar muito. Imprevistos acontecem, criança fica doente, mas isso não quer dizer que não levamos nosso trabalho a sério. Muito pelo contrário! É por nossos filhos que enfrentamos todas essas batalhas diárias, inclusive o preconceito”. Marilaine da Silva Elias, 27 anos, assistente financeiro.
.
.
“Menti que não queria filhos”
.
Luciana foi questionada se pretendia ter filhos durante a entrevistaImagem: Arquivo Pessoal
.
“A primeira vez que me senti invadida foi quando procurei emprego em um grande escritório de advocacia. Na época, usava aliança na mão esquerda e uma das primeiras perguntas foi há quanto tempo eu era casada. Quando respondi que há 2 anos, perguntaram se eu tinha filhos. Quando disse que não, imediatamente veio a pergunta: ‘Mas pretende ter?’. Foi tão invasivo que eu, desnorteada, e querendo o emprego, percebi que teria que mentir e disse: ‘Não está nos meus planos’. Sim, consegui a vaga, mas fiquei lá pouco tempo –me assustei com o número de mulheres que choravam no banheiro, dentre outras coisas. Depois de alguns anos, já mãe de dois meninos, o mais novo com 4 meses, resolvi procurar uma vaga no departamento jurídico de uma grande empresa nacional. Na primeira entrevista, ainda com o RH, ouvi de cara que o meu filho era muito novo para eu tentar a vaga numa empresa como aquela. Também fui questionada pela psicóloga sobre com quem eu deixaria os meus filhos quando precisasse trabalhar de madrugada, quem costumava levá-los ao pediatra, se eu tinha parentes que moravam perto. Nesse caso, decidida a não trabalhar lá, consegui responder na hora: ‘Como administro minha casa e como cuido da minha família não lhe diz respeito'”. Luciana Gerbovic, 43 anos, advogada e empresária na área cultural.
.
.
Juliana diz que se sentiu constrangida quando a entrevistadora fez perguntas íntimas sobre seu relacionamentoImagem: Arquivo Pessoal
.
“Era uma entrevista para a vaga de redatora. Primeiro, a recrutadora perguntou se eu namorava. Disse que sim e então ela quis saber a profissão dele, há quanto tempo estávamos juntos e se eu pretendia me casar. Achei estranho, mas respondi. Ao final da conversa, ela perguntou se eu faria tudo pelo sucesso. Fiquei bem incomodada pela forma com que ela perguntou e com a pergunta em si, também, e acabei respondendo com um tom agressivo: ‘depende, tenho meus princípios’. Nesse momento percebi ela fazendo um ‘X’ no meu currículo que estava na mesa. Não tenho certeza ainda do que aconteceu. Não foi algo tão explícito, mas depois de sair de lá fiquei revendo o episódio na minha mente e pensando ‘cara, isso está errado!”, Isso nada mais é que do que o machismo enraizado. Acredito que as perguntas referentes ao meu parceiro surgiram porque ainda colocam a mulher em posição de cuidar do lar. Então, se eu tenho uma relação estável, a tendência é que isso evolua. Portanto, tendo uma família, eu não seria capaz de dar conta de um trabalho fora, entende? Mudar isso é tarefa diária de conversa e militância. As pessoas precisam entender que se uma mulher tem família não necessariamente terá que cuidar de tudo sozinha. E, mesmo que cuide, isso não limita as capacidades profissionais. Acrescento que esse episódio mostra que o machismo não está apenas nos homens”. Juliana Vasconcelos Gonzaga, 27 anos, fotógrafa e jornalista.
.
.
“Ele queria saber se eu tinha um relacionamento aberto”
.
“Era repórter e trabalhava em uma emissora pequena em São Paulo. Estava casada havia pouco tempo e fazia matérias de esporte. Fui indicada por um amigo para um cargo numa emissora maior e liguei para marcar a entrevista com o nome indicado por ele, muito conceituado. No dia combinado, após as perguntas profissionais de praxe, ele solta, com a maior cara séria: ‘Seu casamento é aberto ou fechado?’. Achei que era brincadeira e dei uma risadinha, mas ele repetiu a pergunta e eu fiquei sem graça. Como estava começando em televisão e o cara era muito conhecido, fiquei com medo de que aquela pergunta pudesse me prejudicar e tentei sair pela tangente sem me comprometer. Mas ele não desistiu, daí decidi ser direta e falei: ‘É super fechado’. E saí da sala dele morrendo de medo. Não deu em nada, felizmente. Mais tarde, soube por um amigo que esse sujeito havia perguntado se ele me ‘comia’ porque éramos muito próximos. Fiquei indignada, achei de um machismo absurdo. Mas, enfim, relevei. Era muito jovem e isso aconteceu há mais de dez anos, até mudei de profissão. Só que, ainda hoje, quando me lembro disso, fico indignada ao ver como a mulher costuma ser tratada quando apenas deseja oportunidades melhores de crescimento pessoal e profissional”. Nina Carvalho, 36 anos, estilista.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.