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Flávia Verginelli: superdiretora do Google sofre de síndrome da impostora. É isso mesmo, produção?

Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE

 

Veja publicação original:  Flávia Verginelli: superdiretora do Google sofre de síndrome da impostora. É isso mesmo, produção?

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É isso. E muito mais, na verdade. Poucas vezes me deparei com uma top executiva tão segura a ponto de revelar tantas inseguranças. A seguir, ela discorre sobre sentir-se farsa, a tensão das reuniões gringas com colegas todos “formados em Harvard” e o desafio de escutar em vez de atropelar

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Por Mônica Salgado

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Você só precisa de 30 segundos diante de Flávia Verginelli, de 42 anos, para ter a certeza de que está diante de um furacão. A diretora de soluções de publicidade do Google para América Latina é fortaleza. É? Está? Imprime? Se sente? Engana? É reconhecida como? Bem, a matéria abaixo oferece respostas diferentes a cada uma das perguntas, para você tirar suas conclusões. “Me convencer do meu papel e importância, saber lidar com essa verdadeira fábrica de ansiedade que é nossa vida, lidar com colegas todos ‘formados em Harvard e Stanford’ sem dominar o inglês como eles, ouvir mais que agir… se você não souber quem é e aonde quer ir, você pira…”

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Para não pirar, Flávia acorda todos os dias às 5h30 para fazer natação, hip hop, ginástica e meditação. Entra no Google às 9h e por volta de 19h30 vai para casa. Em torno de 21h já está na cama! Grande parte da rotina ela cumpre na companhia do marido, Alberto Menonihead de Broadcast, Mídia, Entretenimento e Telecomunicações do Google Brasil. “Tenho claro e deixo claro que, hoje, minha prioridade é a vida pessoal”, resume ela, que está há 21 anos casada, não tem filhos – “nunca quis ter” -, mas soma quatro enteados. “Tive um casamento anterior que terminou em grande parte porque priorizávamos o trabalho. Quando vimos, estávamos desconectados. Aprendizado importante. Eu e Beto não nos cobramos datas nem compromissos. Vamos vivendo… e como é bom ir vivendo!”

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Com mais de 20 anos de carreira, formada em economia pela FAAP e com especialização em marketing pela IESE Business School de Barcelona, a executiva já passou por Terra, Microsft e Pepsico. “Toda hora paro e me pergunto: por que mesmo eu quero ganhar mais? Por que mesmo eu quero um cargo maior? Responder com sinceridade para a gente mesma é a chave…” E falando em sinceridade, apenas leia o depoimento a seguir.

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“Vivo a síndrome da impostora diariamente”

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Confesso que me pergunto todos os dias: por que mesmo estou nesta cadeira? Muitas pessoas que reportam para mim têm muito mais conhecimento técnico que eu. Se o conhecimento deles é tão profundo, por que precisam de intermediário? Mas claro que são todos monstros que a gente cria na cabeça. E tudo relacionado a sentimentos, entende? Não temos um embasamento técnico para concluir estas coisas sobre nós mesmas. É pura sensação.

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E digo mais: muitos funcionários do Google também passam por isso. Pensa: a gente vive no dia a dia presente o que as pessoas ainda vão viver no futuro. Aqui, geramos informações e criamos coisas novas o tempo todo. É um volume difícil de processar, isso aqui é uma fábrica de criação do amanhã. Nossa ferramenta de trabalho é o desconhecido. E isso pode ser bastante confuso e angustiante.

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Já senti muito desconforto, por exemplo, em perguntar o que não sabia. Para um subordinado, por exemplo. Achei que seria visto como sinal de fraqueza. Hoje não mais. Aprendi, com o tempo, que o valor que eu trago é fazer conexões. É orquestrar essas pessoas. É modular a ansiedade. É fazer com que estejamos sempre no mesmo pace. Projetar futuro, alinhar visão, trazer calmaria em meio ao caos. Repito isso para mim mesma sempre.

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“Também sou íntima da síndrome tupiniquim – ou de como fiquei amedrontada nos meus primeiros dias de empresa”

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O mantra “não posso, não consigo, não sou ninguém” me pegou de jeito quando me chamaram para trabalhar no Google. Eu entraria já como diretora e me reportaria ao ex-presidente global da Time Warner. Detalhe: não falava inglês direito. Coloquei uma distância enorme entre mim e ele, como se fôssemos de planetas diferentes. Resultado: disse não para o Google. Por medo e insegurança – porque as qualificações eu tinha todas -, disse não para o Google.

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Depois de três meses, eles voltaram a me procurar. Daí topei. Nos primeiros dias de trabalho, chegava em casa com aquela cara. Meu marido me perguntava o que tinha havido. E eu: “Nem me pergunta senão começo a chorar e não paro nunca mais”. Abria meu computador e tinham dezenas de pedidos de reunião no sistema e eu não tinha ideia nem de como mexer naquilo. Tudo parecia chinês. Sou muito crítica, e aquela sensação de fracasso até então não existia para mim. Confesso que passou pela minha cabeça me demitir para não ser demitida. Ainda bem que não fiz…

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Aqui no Brasil era tudo mais suave para mim. Mas quando ia para a sede ou fazia reuniões fora, era complicado. Meus colegas todos estudaram em Stanford, em Harvard… Nossa, parece que eles sabem tudo! Ficava sempre muito tensa – e ainda fico. Quantas vezes não me perguntei se não estava entendendo a língua ou o produto em pauta?

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O ponto positivo é que aqui todo mundo vai te ajudar. Porque todo mundo que trabalha no Google já passou (ou passa) por isso! E, com o tempo, tudo melhora. Quando encontrei meu espaço e tive a clareza do impacto que meu trabalho causava na companhia, as coisas melhoraram bem.

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“O Google me deu medo. Mas nenhuma empresa me desafiou tanto a buscar autoconhecimento”

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A sensação constante é: a empresa é uma faculdade que nunca acaba. Me sinto a Flavia estagiária e acho isso muito bom. O nível profissional aqui é altíssimo. Nunca uma companhia me deu tanto medo. Para entrar, para liderar, no dia a dia, nas reuniões que acontecem lá fora. Existe uma complexidade de estruturas e um volume de informação que, se você não estiver bem (eu medito e me exercito diariamente), você pira.

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O mais bacana do Google é que ele nos estimula, via cursos, debates e coachs, a desenvolver nosso autoconhecimento. E isso, claro, nos ajuda a entender os feedbacks que recebemos. “Como liderar na complexidade” é um tema sempre discutido aqui e que me faz refletir e melhorar. Também temos diversos comitês – estou no de “Equilíbrio de Gênero”. Nos reunimos para discutir as questões com o intuito de propor medidas que tornem o Google mais justo e diverso. As descobertas que fazemos são incríveis, e as ações que decorrem daí são reais.

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“Sempre tive muita dificuldade de ouvir em reuniões e isso já me trouxe muitos problemas. A tentação de interromper com uma solução para encurtar a questão é imensa. Praticar o listen to learn (escutar para aprender) é um dos meus maiores desafios”

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Nosso tempo é curto, precismos ser produtivas. Viramos as loucas do check list, já percebeu? Então somos programadas a escutar para reagir, para responder. É muito tentador querer resolver tudo logo. Só que isso significa interromper as pessoas, os raciocínios e, em última análise, desperdiçar seus talentos. Tem também uma autocobrança de marcar presença. A gente acha que tem que saber tudo e dar opinião sobre tudo. Praticar o listen to learn (escutar para aprender) é um desafio diário. Um dos mais difíceis.

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Com a ajuda da minha coach, criei gatilhos para me obrigar a lembrar de escutar. São os triggers, como chamam os coachs, que uso em “momentos de risco”. Tenho dois: sento sobre minhas duas mãos em reuniões, para praticar o “listen to learn”. E tenho o trigger de sair da mesa de reunião e me recostar na parede, para ouvir tudo de fora. A dinâmica de ansiedade das pessoas é imensa. E não posso ser engolida por essa nuvem. Meu lugar é outro.

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Também tenho duas selfs em mim, a Maria e a Crazy. A Crazy é a executora, a Flavia que fui programada para ser. E a Maria é a quem tenho que chamar para acalmar as coisas, é quem aciono para ouvir, absorver. Parece bobo, mas isso ajuda a organizar as coisas na minha cabeça.

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“Dar feedback é algo que me deixa sem dormir…”

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A questão é que quero fazer com que as pessoas cheguem rápido onde eu cheguei, mas sem passar pelos percalços pelos quais passei. É uma ansiedade de não fazê-los sofrer… A vontade é meter o pé no peito e dizer: “Fiz isso errado, não faça também!”. Penso que, se tivesse recebido esses feedbacks no passado, teria sido poupada de muito sofrimento. Mas nem todo mundo quer chegar até aqui. Na verdade, o “aqui” de cada um é diferente. Então feedback para mim é complexo, tenho que lutar contra meus próprios monstros internos. Começar o papo sempre destacando os pontos positivos em vez de ir direto à ferida… Curiosamente – olha a síndrome de impostora aí! – sou conhecida na empresa por desenvolver pessoas e dar bons feedbacks.

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Tenho um time bem diverso de 30 pessoas se reportando a mim. São elas, no fundo, que me fazem ficar aqui. Todos de uma generosidade ímpar. Tanto que, se eu quiser três meses de férias ou algo assim, qualquer um pode sentar na minha cadeira. E tenho o maior orgulho disso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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