Saiu no site HUFFPOST
Veja publicação original: Cyberflashing: Por que homens continuam enviando fotos do pênis para as mulheres?
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Eles não abaixariam as calças no meio da rua – por que fazem isso pelo celular?
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Por Sophie Gallagher
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Quando John* tinha 20 e poucos anos, ele costumava ficar sozinho no quarto, mandando fotos do seu pênis para mulheres pela internet – sem que elas tivessem pedido. “Não sei se tenho uma boa explicação”, diz ele, refletindo sobre as vezes que enviou as imagens. “Acho que ficava tão excitado que algo tomava conta de mim. Eu não pensava, simplesmente fazia.”
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Trocar imagens de cunho sexual pela internet não é algo novo, mas existem evidências de um aumento nos casos de “cyberflashing” – o envio de fotos de pênis não-solicitadas pelo AirDrop, do iPhone, ou pelas redes sociais — no Reino Unido. Estatísticas sugerem que até 41% das mulheres receberam imagens sexuais sem que tenham pedido no país: 46% delas eram menores de idade na primeira ocorrência.
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Laura Thompson, pesquisadora do tema na City University, de Londres, descreve o “cyberflashing” como o equivalente digital de um homem parado numa esquina vestindo apenas um sobretudo. Mas os homens que enviam esse tipo de foto não parecem entender que o crime é semelhante ao de atentado ao pudor ou ao de assédio sexual.
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Richard*, por exemplo, calcula que somente uma em cada 3 fotos que ele enviou para mulheres foi solicitada. Ele se compara a um animal, incapaz de controlar seus atos. “Um gato leva um rato morto para a casa dos donos como ‘presente'”, diz ele. “O gato acha que está fazendo algo legal, mas às vezes os donos não gostam.”
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Alguns atribuem esse tipo de pensamento à ambiguidade jurídica relacionada à prática. Apesar de 2 leis britânica permitirem que os acusados sejam processados – uma delas diz respeito a vítimas com menos de 18 anos –, a legislação está desatualizada. Como resultado, parlamentares vêm pedindo a criação de uma nova lei que lide especificamente com este tipo de caso.
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Como a legislação funciona para estes casos no Brasil
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Atualmente, quem produz ou compartilha imagens ofensivas à intimidade da mulher já está sujeito às punições previstas no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) para os crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90).
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Conhecida como a “Lei Maria da Penha virtual”, o Projeto de Lei 5555/13, que cria mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra as mulheres na internet ou em outros meios de comunicação, foi aprovado em 2017.
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A versão aprovada prevê medidas como a inclusão, na Lei Maria da Penha, de dispositivo que considera a violação da intimidade da mulher como forma de violência doméstica e familiar.
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Neste caso, o agressor poderá ser punido com até 3 anos de prisão sem direito à fiança. Se o crime for cometido por cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou alguém que manteve relacionamento amoroso com a vítima, a pena será aumentada em um terço. Se a vítima for menor de 18 anos ou deficiente físico, o aumento será de 50%. Ao juiz,cabe ordenar a remoção do conteúdo da internet, que deve ser feita em até 24 horas.
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Mas as coisas não precisam ser ilegais para que as pessoas entendam que não são moralmente aceitáveis. Já escrevi bastante sobre que tipo de sentimento essas fotos despertam nas mulheres e o que elas são obrigadas a fazer para se proteger. Se quiser ter uma ideia do que estamos falando, basta buscar no Twitter: “AirDrop dick pics”.
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Segundo uma pesquisa realizada este ano pelo instituto YouGov, uma grande parte dos homens que enviam esse tipo de foto não entende que as mulheres não as desejam; 46% dos homens que admitiram ter mandado foto do seu pênis afirmaram achar que as mulheres as consideram perturbadoras, e 44%, que as mulheres as consideram ameaçadoras. Ainda assim, as fotos continuam chegando.
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Peter Saddington, da Relate, uma ONG que oferece serviços de aconselhamento para relacionamentos, afirma: “De certo modo, há algumas semelhanças com os casais em que há abuso doméstico. A sociedade, e as próprias mulheres estão dizendo que isso não é aceitável, mas os homens continuam fazendo.”
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Sean* culpa sua frustração sexual. Ele acabara de sair de seu primeiro relacionamento sério e queria ser mais sexualmente ativo, então baixou aplicativos de relacionamento. Quando as mulheres encerravam a conversa “prematuramente” – ou seja, cedo demais, na opinião dele –, Sean ficava nervoso.
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“Ficava impaciente e às vezes mandava uma foto do meu pênis se não recebesse resposta [depois de um papo rápido]”, afirma ele. “Minha lógica era: se elas já não estão mais interessadas, o que tenho a perder?”
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Como a maioria das mulheres não gosta, o objetivo é um ‘então que se foda’ explícito. A ideia é ofender…
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Michelle Zelli, coach de relacionamentos baseada em Londres que trabalha com casais e homens solteiros, diz ter observado que muitos clientes que mandam esse tipo de foto são incapazes de sentir empatia. São pessoas cujas necessidades sexuais tomam precedência em relação aos sentimentos das destinatárias das imagens.
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Um relatório recente do governo recomendou a adoção de novas leis para lidar com esse tipo de abuso, reconhecendo que essa modalidade de assédio vem da ideia do poder masculino e da sensação de “direito adquirido” – e alguns homem aceitam isso. Alguns com quem conversei para esta reportagem admitiram que os homens sabem que essas fotos são inaceitáveis – mas não estão nem aí.
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“Os homens sabem que as mulheres não gostam desse tipo de foto”, diz Charlie*. “Eles não ligam. A mentalidade é: ‘Se ela curtir, ótimo. Se não, que se foda’. Como a maioria das mulheres não gosta, o objetivo é um ‘então que se foda’ explícito. A ideia é ofender.”
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John, que passou seus 20 e poucos anos mandando fotos, diz que, para alguns caras, qualquer tipo de resposta (mesmo que seja negativa) é melhor que ser completamente ignorado. “É como ignorar uma criança rabiscando a parede ou um cachorro comendo coisas que não deveria”, diz ele.
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Simon, um dos homens que conversaram com o HuffPost UK – recebemos mais de 100 respostas por email e por mensagens diretas em redes sociais –, foi um dos poucos a admitir que o tabu envolvendo o envio dessas fotos dá prazer. “Tem uma ansiedade e uma adrenalina, porque é uma ideia meio tabu – mas também o risco é pequeno. Algumas pessoas gostam de causar esse desconforto.”
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Thompson diz que isso vai ao encontro do que observa em seus estudos: a intimidação é uma das principais razões para o envio das fotos, mesmo que os homens não se deem conta disso.
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“Uma mulher estava tendo uma conversa desagradável com um cara quando ele mandou a foto do seu pênis ereto ao lado de uma faca. Foi uma ameaça sexualizada. A imagem mostrava o pênis como uma arma, algo que machuca”, diz.
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Apesar de afirmar que esse exemplo é extremo, Thompson argumenta que ele mostra a lógica dos cyberflashers – o “direito” de se sobrepor às mulheres; o fato de ser uma ameaça é algo secundário.
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Alguns homens com quem conversamos afirmam que a ideia não é intimidar – eles alegam ignorância; que a sociedade faz do sexo e dos relacionamentos um tema difícil de navegar. Alex* diz que não tem certeza do que constitui flerte e que muitos homens não sabem discernir o que é aceitável.
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“Na melhor das hipóteses, [é tudo] muito confuso, na pior, é tudo contraditório”, diz ele. “Seja confiante e direto. Não puxe conversa no ônibus. Seja claro sobre suas intenções desde o começo. Consentimento é sempre necessário. Pedir para dar um beijo é broxante. Vá atrás da menina que no fim das contas dá certo. Tentar algo grandioso é coisa de quem está desesperado. Demonstrações de afeto são adoráveis. E assim por diante.”
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Leis melhores podem ajudar a dar mais clareza para esse tipo de dúvida. No mês passado, um relatório sobre assédio divulgado por uma comissão da Câmara pediu novas leis. Mas Maria Miller, presidente da comissão, também afirmou que é preciso haver uma mudança cultural. “Temos de enfrentar algumas verdades inconvenientes sobre nossa sociedade e sobre as atitudes de certos homens. As leis, sozinhas, não vão resolver a aceitabilidade cultural do assédio”, afirmou.
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“O governo precisa ser mais proativo no que diz respeito ao uso da tecnologia como meio de assédio sexual, em vez sempre ficar correndo atrás do prejuízo.”
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*Os nomes foram mudados para garantir o anonimato dos entrevistados.
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*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost UK e traduzido do inglês.
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