Saiu no site ESPN
Veja publicação original: Socióloga diz que falta de competitividade em mulheres “é estereótipo antigo”
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Por Daniela Rigon
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Mulheres só gostam de jogos de celular. Mulheres não são tão competitivas quanto os homens. Os homens são melhores que mulheres em videogame por questões biológicas. Estas e outras frases não são novas no cenário de videogames e, infelizmente, ainda precisam ser refutadas em pleno 2018.
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Isso por que, mesmo com o avanço do feminismo pelo mundo, ainda há pessoas que acreditam que o universo dos games e esports é domínio dos homens. E alguns destes homens, inclusive, se sentem ameaçados com a presença de mulheres. Perder para uma menina? Que absurdo!
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Por conta disso, ainda vemos casos como o da jogadora sul-coreana Se-yeon “Geguri” Kim, a única mulher em toda a Overwatch League, que precisou provar que não usava hacks, apenas jogava muito bem. Ou o caso da jogadora brasileira de Rainbow Six, Danielle “Cherna” Andrade, que foi indicada na categoria de melhor jogadora da modalidade em uma premiação de esports e atacada por isso. “É cota”, disseram.
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E enquanto todos esses problemas persistem e as discussões continuam, a norte-americana T.L. Taylor decidiu estudar esse fenômeno. Socióloga com Ph.D. desde 2000 com uma tese sobre “viver digitalmente”, Taylor fundou o Centro de Pesquisa de Jogos de Computador na Universidade de TI de Copenhagem, onde lecionou de 2003 a 2012, e atualmente é professora de Estudos Comparativos de Mídia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
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Para completar, ela possui livros três livros publicados sobre suas pesquisas e também é diretora de pesquisas da AnyKey, uma organização que tem como objetivo “ajudar a criar espaços justos e inclusivos nos esports para membros marginalizados da comunidade de games”.
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Se-yeon “Geguri” Kim é a única mulher em toda a Overwatch League. Robert Paul/Blizzard Entertainment
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Aproveitando a oportunidade de conhecê-la durante o IEM Chicago, onde participou de um painel sobre diversidade e inclusão nos games e esports, não pude perder a chance de conversar com Taylor para saber mais sobre seus estudos e como ela encara a falta de representatividade no cenário.
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Na entrevista, a socióloga contou que se interessou por esports ainda em 2003, quando começou a “ouvir sobre uns jogadores de videogames que estavam jogando em nível competitivo por dinheiro”. “Creio que comecei a estudar a ‘segunda onda’ dos esports, antes de transmissões ao vivo. Então, lancei um novo livro em 2012 no qual transmissões ao vivo compõem um capítulo, pois elas meio que mudaram tudo”, explica.
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Quando perguntei sobre o motivo da decisão de estudar os problemas de diversidade e inclusão nos esports, Taylor me deu diferentes motivos. “Acredito que estou fazendo pesquisas sobre esports há cerca de 15 anos, e os motivos são aparentes. Um deles é o pequeno número de mulheres que chegam ao nível profissional mais alto do esport sendo que há tantas jogando e querendo competir”.
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Outro motivo, segundo ela, é que existem diversas mulheres trabalhando “por trás da cena” nos esports, mas que raramente são vistas ou percebidas. “Então, para mim, essa área de pesquisa é importante para entendermos essa lacuna entre o que as pessoas querem e o que está, de fato, acontecendo”, afirma.
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Comentei com a socióloga que uma vez vi uma pesquisa que indicava que o baixo número de mulheres jogando games mais “hardcores” e competindo era uma consequência de problemas estruturais da sociedade. Enquanto famílias esperam que as filhas ajudem a lavar a louça ou brinquem com bonecas, os filhos são liberados para ir jogar bola ou videogame.
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“Sim, essa questão é muito importante”, concordou Taylor. “É importante pensar em como outros aspectos da nossa vida afetam nossas oportunidades de lazer. Existem diversas pesquisas que mostram que mesmo em casas nas quais o homem e a mulher trabalham em tempo integral, a mulher ainda carrega o peso de ter que cuidar da casa e dos filhos. Isso, com toda certeza, tira tempo do lazer delas, então existem fatos estruturais que impedem as mulheres de jogarem, mesmo que elas queiram jogar”.
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Serena Willians é um exemplo de mulher competitiva nos esportes tradicionais. Getty Images
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Sobre a ideia de que mulheres não são competitivas o suficiente, a socióloga é categórica: “isso é um estereótipo antigo”. De acordo com ela, se isso fosse verdade, não existiram competições de mulheres em esportes tradicionais como futebol, basquete, tênis e muitos outros.
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“As mulheres gostam de competir tanto quanto os homens, mas às vezes não têm a mesma oportunidade de tentar essa competição e ver se gostam e querem viver disso”, garante. “É um estereótipo antigo, e espero que o deixemos para trás, porque há muitas mulheres que amam jogar, amam conseguir pontuações altas e amam ser a melhor e ajudar seu time.”
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Entrando no assunto de competições, comentei sobre como torneios exclusivamente femininas são consideradas espaços seguros para mulheres jogarem e sentirem o gostinho de competir. Entretanto, muitos questionam essa ideia e se perguntam até quando tais torneios deveriam existir.
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Para Taylor, o assunto é bastante complexo. “Não conheço ninguém que está trabalhando nesta área que quer um futuro no qual as mulheres sejam segregadas dos homens. No entanto, é o meio que encontramos de dar às mulheres uma oportunidade de jogar em um nível alto sem o assédio e a toxicidade”, explica.
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A socióloga confessa que não sabe quando os torneios exclusivamente poderão deixar de existir, mas espera que não demore. “Eu diria que só conseguiremos, de fato, deixar de realizar esses torneios quando resolvermos problemas sistemáticos mais profundos. Neste momento, essas competições existem para ajudar mulheres, então precisamos primeiro resolver as barreiras de entrada, os problemas de assédio e a toxicidade”.
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A equipe Dignitas venceu o Intel Challenge 2018, um dos mais famosos torneios femininos de Counter-Strike: Global Offensive. Viola Schuldner/ESL
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Ao ouvir as palavras “problemas sistemáticos mais profundos”, não pude evitar lembrar do recente caso envolvendo a Riot Games. Desenvolvedora e publisher de League of Legends, a empresa foi acusada em uma extensa reportagem de ter uma “cultura de brother” que criava um ambiente hostil para as funcionárias. Os executivos da Riot prometeram mudanças estruturais para que a empresa acabe com as situações de sexismo e melhore nas questões de diversidade e inclusão, mas está enfrentando um processo por não ter prestado atenção nisso antes.
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Mas, além da Riot, que é criadora de um dos jogos com cenário competitivo mais rentável, também pensei nas organizações de esporte eletrônico que não parecem se esforçar para incluir mulheres em suas equipes. Taylor concordou e até comentou sobre algumas desculpas que já ouviu por aí.
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“Acho que alguns times são melhores que outros. Se não me engano, no ano passado teve um time que pensou em contratar uma jogadora, mas hesitou porque ela teria que morar na mesma casa que os outros jogadores e ‘isso seria estranho’”, recordou. A socióloga acredita que esse é um tipo de problema estrutural e de preconceito que organizações terão que superar – e algumas até já o fizeram sem problema algum, como o mencionado caso de Geguri, que joga e mora com os companheiros da Shanghai Dragons da Overwatch League.
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“Creio que as organizações que vão dar certo no futuro – e, com isso, quero dizer tanto na questão competitiva quanto na financeira – são as que vão perceber que existem muitas mulheres e integrantes de outros grupos de minoria que querem se envolver nos esports, e se você não oferece oportunidade a essas pessoas, é você que será deixado para trás”.
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Enquanto essas barreiras de problemas sistemáticos e estruturais demoram a cair, continuamos incentivando as mulheres que conseguem quebrar o “teto de vidro” do competitivo, apoiando torneios exclusivos como espaços seguros e condenando casos de assédio e toxicidade. Também continuamos a fazer o mesmo tipo de matéria quase que semestralmente na esperança que esses muros desmoronem mais rápido.
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Para saber mais sobre T.L. Taylor e suas pesquisas, acesse o site oficial da socióloga.
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