Saiu no site SAPO – PORTUGAL
Veja publicação original: PILAR DEL RÍO: “AS MULHERES SÃO MENOS CÚMPLICES DO PODER”
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Pilar del Río assume-se como feminista radical. E acredita que com mais mulheres no poder haveria menos guerras, o mundo seria mais justo e a economia mais produtiva, logo, mais redistributiva. Por vezes, ouvi-la é como ouvir José Saramago. Que, se fosse vivo, faria hoje 96 anos.
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Por Isabel tavares
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Não queria dar esta entrevista — coisas de jornalista; afinal, normalmente é ela que faz as perguntas e não que dá as respostas. Além do mais, também não gosta de fotografias e os fotógrafos, queixa-se, conseguem sempre acertar nas poses em que se sente menos confortável. Prefere ouvir, mas também gosta de contar histórias, como fazia no programa de rádio que manteve durante anos: “Blimunda Não se Rende”. Aí contava como uma jovem pobre e sozinha (personagem de “Memorial do Convento”, de José Saramago), foi descobrindo o mundo.
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Hoje as histórias que conta são outras. Pilar del Río, a mais velha de 15 irmãos, nasceu em Sevilha, no seio de uma família conservadora. No pai, frade dominicano, primeiro, vendedor de seguros, depois, teve desde sempre uma figura prepotente. Na mãe, uma mulher “extraordinária”, mas também uma “vítima”. Não foi freira quase por acaso — chegou a fazer votos privados — casou pela igreja aos 26 anos e baptizou o filho único. Só mais tarde que se incompatibilizou com Deus.
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Depois de ler “O Ano da Morte de Ricardo Reis” e outros livros quis vir a Lisboa conhecer o autor, e quando regressou a casa terminou a relação que mantinha porque soube que alguma coisa ia acontecer. Aconteceu. Casou com José Saramago, 30 anos mais velho, aos 36 anos. Agora, aos 68, está à frente da Fundação que, “mais do que uma herança literária, é um legado de intervenção cívica”, que em 2017 valeu a Pilar o Prémio Luso-Espanhol de Cultura.
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É no seu gabinete na Casa dos Bicos, onde está uma exposição permanente e outra temporária, que recebe o SAPO24 para falar de si, de Espanha, de Portugal, de refugiados, de touradas e de política.
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Nasceu em Sevilha, no seio de uma família conservadora, um pai rígido, é a mais velha de 15 irmãos. Em que medida é que isso a influenciou?
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Numa família numerosa a cooperação é naturalmente maior do que quando existe apenas um filho único. Regra geral age-se de forma singular em cada um dos casos: as famílias numerosas são vistas como uma comunidade, têm mais capacidade para, de alguma maneira, coexistir. Mas o mais importante, venhamos de onde viermos, sejamos filhos únicos ou tenhamos muitos irmãos, é o que fazemos connosco. Isso é o que me parece importante. Há uma origem, claro que sim, de idioma, de país, de família, mas é o que fazemos com isso que importa. Mas é certo, tudo o que vivemos nos forma ou nos deforma; a religião e as ditaduras, em Portugal e em Espanha, contribuíram para nos deformar. A religião, o patriarcado e a ditadura. Em todo o caso, a minha família não foi fundamental para eu entender que os seres humanos são idênticos em direitos e em deveres. Desde pequena me perguntava: onde estão os livros das escritoras, os quadros das pintoras, as partituras das compositoras, os nomes de ruas de mulheres? E porque têm as mulheres de ser mães e comportadas? Onde estão as criadoras? E porque não presidentas?
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Quem é Pilar, feminista, percebe-se?
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Sou absolutamente feminista, radicalmente feminista.
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O que é ser feminista?
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É querer a igualdade e ter a necessidade absoluta e fundamental de acabar com a escravatura e com a humilhação que significou conviver com seres humanos a quem se dava a condição de segunda classe. Igualdade absoluta e total. Sou total e radicalmente contra o patriarcado.
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Porque não presidenta, perguntou. É presidenta da Fundação José Saramago?
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Sou presidenta porque sou mulher. E insisto: todas as pessoas que dizem “a presidente” estão a cometer um erro gramatical, além de uma enormidade e de uma injustiça. Estão a ser cúmplices com uma sociedade patriarcal que condenou metade da humanidade, que condena metade da humanidade.
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Mas também dizemos “o homem” para nos referirmos ao ser humano…
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Não. É o género humano, a humanidade. E não tem a ver com acabar em “o” ou em “a”, isso só os muito, muito estúpidos ou os muito, muito ignorantes acreditam que o “a” ou o “o” é decisivo. “A” ou “o” não é decisivo, o que é decisivo é que a presidência possa ser desempenhada por um homem ou por uma mulher. A verdade é que em Portugal não houve até hoje nenhuma mulher na Presidência da República, nenhuma presidenta. Alguém se questione porquê e se interrogue sobre o que se passa com as mulheres deste país. Tivemos uma primeira-ministra [Maria de Lourdes Pintasilgo], que me disse um dia que nunca conseguiu que lhe chamassem ministra, chamavam-lhe primeira-ministro.
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Já tivemos uma primeira-ministra, e num governo da iniciativa de um presidente.
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Bem, tivemos uma primeira-ministra, que me disse um dia que nunca conseguiu que lhe chamassem ministra, chamavam-lhe primeira-ministro. Foi ela que me disse.
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Conheceu-a bem?
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Sim, Maria de Lourdes Pintasilgo, maravilhosa. Estive em casa dela em várias ocasiões, era uma mulher fantástica. Mas nunca conseguiu que a tratassem por primeira-ministra e não era nenhuma diminuída. Como outras mulheres portuguesas, mas nem mães nem avós nem santas parecem ter tido capacidade para governar ou para exercer cargos de liderança. Então a sociedade pergunta-se: como é isto possível, nem uma entre todas as mulheres, nem uma entre todas as filhas, mães ou avós dos portugueses? Podiam governar, dirigir, estar nos lugares chave? Não sabiam, eram inúteis? Ah, estavam sim, estavam a cuidar da família, essa nobre tarefa. Tão nobre, tão nobre que estava vedada aos homens. Cuidem da família, cuidem dos bebés, limpem os rabos e cuidem dos velhos. Esta nobre tarefa quero-a para os bispos, para os presidentes, para os homens.
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MAS NEM MÃES NEM AVÓS NEM SANTAS PARECEM TER TIDO CAPACIDADE PARA GOVERNAR OU PARA EXERCER CARGOS DE LIDERANÇA. ENTÃO A SOCIEDADE PERGUNTA-SE: COMO É ISTO POSSÍVEL, ERAM INÚTEIS?
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Mas não deixa de ser irónico, porque os homens, esses homens, os presidentes, os bispos, os ministros, foram, são educados por mulheres.
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Não, não são. As mulheres não tinham inicialmente direito de voto, não tinham representação. Depois, não estavam a educar, estavam a reproduzir, a re-pro-du-zir um programa feito por homens. Porque a sociedade patriarcal elimina as mulheres. Não há mulheres a presidir a igreja católica. Quantas mulheres bispo há? Quantas cardeais, quantas mulheres Papa? As mulheres não educavam, eram apenas fiéis reprodutoras. E no dia em que a mulher deixava de cumprir com aquilo que lhe estava destinado, ou era bruxa ou era puta. Não se esqueça de que até há pouco tempo uma mulher não podia sequer tirar o passaporte sem a assinatura do marido.
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Mas isso passou. Ficou o medo?
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Porque a sociedade patriarcal está tão enraizada que há mulheres que inclusivamente se assustam com a ideia de que o poder possa ter nome feminino. Porque esse patriarcado fez muito bem o seu trabalho ao longo do milénio, inoculou que a mulher cuida, que a mulher é a casa, a mulher não propõe, a mulher não faz os programas de educação.
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O governo espanhol tem agora 11 ministras num governo com 17 ministérios. Que leitura faz?
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Isso é acidental. O problema é que é preciso transformar a mentalidade dos seres humanos. Claro que é importante que haja muitas mulheres a ocupar cargos visíveis, é assim que se avança contra a escravatura. Acredito que com mais mulheres a governar iriam existir menos guerras, mais justiça e seria possível evitar a situação a que chegou a economia, que não é uma economia produtiva, é uma economia financeira, que está a condenar milhões e milhões de pessoas à precariedade, ao desemprego, à fome. Acredito que se o mundo fosse governado por mulheres elas tomariam outras opções, e quando afastam as mulheres do poder é porque as mulheres são menos cúmplices do poder, porque estamos habituadas a sofrer. Somos mestras em sofrer todo o tipo de humilhações, todas as decepções. Mas eu fico muito orgulhosa, porque estamos a mudar uma civilização. Esta sociedade está caduca e já sabemos onde nos leva.
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É a favor do sistema de quotas para mulheres [paridade de género]?
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O sistema de quotas é um instrumento. Eu não queria que existissem quotas, queria que existissem 100 por cento de mulheres em diversos lugares, ponto. Mas, claro, isso não é possível para já. Também gostaria que todos tomassem o pequeno-almoço e almoço e demais refeições. Mas vamos tendo os instrumentos essenciais para sobreviver.
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Vota em Portugal?
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Sim, e voto na esquerda.
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SOU ABSOLUTAMENTE PARTIDÁRIA DO GOVERNO ACTUAL E APOIO ESTE GOVERNO
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Que esquerda?
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Depende. Não sou filiada em nenhum partido, voto em função dos programas e das pessoas que definem os programas, por isso posso votar A, B ou C. E voto em qualquer dos três com muita satisfação e com muita pena de não poder votar em cada um deles. Sou absolutamente partidária do governo actual e apoio este governo.
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E para o Parlamento Europeu, em quem vota?
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Voto na Marisa Matias, claro.
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Em que se considera de esquerda?
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Não participo em nada que tenha a ver com uma sociedade conservadora, que é autoritária e mantém o conceito de escravatura. Em nome de Deus cometeram-se as maiores enormidades. Quando se põem a falar na pureza da mulher e nisto e naquilo fico logo nervosa. A igreja tem um lado muito pernicioso, como as igrejas do Brasil, que outro dia celebraram o facto de Deus finalmente lhes ter concedido um presidente — e como o celebravam; Deus estava com eles e Bolsonaro. Deus e Bolsonaro. Parece que também estava com Trump.
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A propósito, como vê a exumação de Franco e as cerimónias fúnebres com honras de Estado?
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Há coisas que me deixam louca. Franco foi um ditador, isso não se apaga. É como a corrupção: corrupção é corrupção. Não se pode ser um bocadinho virgem, da mesma maneira que não se pode ser um bocadinho digno. Ou é ou não é.
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Como olha para esta questão da Catalunha, que não está resolvida, divide Espanha e, de tempos a tempos, reaparece?
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Não é uma coisa nova, mas também não é divisionista. Espanha não esteve nunca, jamais na vida unida em torno deste tema. É um assunto que a direita gosta de trazer à baila para entreter as pessoas para deixar tudo à beira do precipício, mas o Estado espanhol sempre teve cinco idiomas oficiais, várias nacionalidades, cada comunidade autónoma tem a sua própria bandeira, o seu próprio parlamento. Temos um Estado federal, que não se chama federal porque com uma monarquia seria difícil, mas é o que somos, não reconhecido enquanto tal, mas que o será logo que mude a Constituição. Somos um país unitário, mas a Catalunha é uma nação, Cantábria é uma nação, a Galiza é uma nação. E legalmente também a Andaluzia e por aí fora.
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E o que acontece se um dia uma dessas comunidades conseguir mesmo separar-se, tornar-se uma pequena pátria?
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O que lhe digo é que será muito difícil que a Catalunha ou que a Andaluzia ou outra comunidade autónoma vá navegando como uma jangada de pedra. Isso será muito difícil. Vão continuar no mesmo território, a levantar-se à mesma hora, a vestir-se da mesma forma. Qual é o problema? Qual é o problema? A mim não me marcam a agenda com problemas fictícios. Se querem ser independentes, façam como a Escócia. Haverá um referendo e logo se vê. A política está cá para resolver os problemas, embora haja quem, por interesse, esteja para gerar problemas. A política que cria problemas é a má política.
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Diz-se que de Espanha nem bom vento nem bom casamento…
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… Não, não, não. Quem gosta de dizer essas frases feitas e engraçadinhas são as pessoas que têm um pensamento conservador e tacanho. Lembro-me que me dizerem muitas vezes para ter cuidado com a utilização da palavra estúpido, mais comum para os espanhóis, mas que para os portugueses tem um significado mais forte, mais ofensivo…
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Penso que é o mesmo: imbecil, idiota.
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Em Espanha, estúpido, é uma palavra que uma mãe facilmente utiliza com um filho. O provérbio que mencionou é uma frase feita absurda e, insisto, patriarcal. No fundo estavam a colocar fronteiras: “Não me interessas”. Isso é destrutivo.
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O QUE EXISTE SÃO SERES HUMANOS E TODOS OS SERES HUMANOS QUEREM A MESMA COISA: SER FELIZES. E TODOS TÊM O MESMO DESTINO: A MORTE.
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Ortega y Gasset definia assim os dois povos: enquanto os espanhóis matam os touros na arena, os portugueses matam os touros no curro. O que lhe parece?
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Os dois povos matam muito nos seus matadouros. Matam para que as pessoas possam ter bifes na mesa, digo eu, uma vegetariana militante. Coitadinhos dos vitelinhos. A verdade é que tenho grandes amigos toureiros, alguns que frequentam a minha casa. Não vou aos touros, mas isso enfim… Posso entender tudo. Creio que “os espanhóis” não é nada, “os portugueses” não é nada. O que existe são seres humanos e todos os seres humanos querem a mesma coisa: ser felizes. E todos têm o mesmo destino: a morte. A pátria é-me indiferente. Tenho de ter um passaporte? Tenho um passaporte. Tenho de ter um bilhete de identidade? Tenho um bilhete de identidade. Mas não me distingo em nada de um catalão, de um basco, de um alemão ou de um sueco. Há pessoas boas e pessoas más.
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Hoje é mais o une Espanha e Portugal ou é mais o que separa os dois países?
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A mentalidade do poder inoculado na ditadura, separa. Aquilo que une é tudo o resto: une a terra, unem os rios, as pontes, o sol e a lua. O que separa? O pensamento desprezível, da direita conservadora.
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Porque optou pela nacionalidade portuguesa?
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Para pagar os impostos em Portugal.
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Porquê?
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Porque me apetece. Ponto.
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[Rio-me e ri-se também]
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Não, na verdade é porque o que estou a pagar corresponde a direitos de autor de José Saramago e ele tomou a decisão, e manteve-a, de pagar os impostos em Portugal, mesmo pagando mais do que em Espanha. E eu mantive essa escolha: agora que sou portuguesa, pago os impostos em Portugal, seguindo um critério de responsabilidade social.
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Porque foram morar para Lanzarote?
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Porque quem chefiava o governo nessa altura era um senhor chamado Cavaco Silva, que à época estava a tirar-lhe dignidade e Saramago não quis participar nisso. Então decidimos ir viver para Lanzarote e foi o que fizemos. Mas isso não significou que Saramago não escrevesse mais livros, vivesse noutra cultura e deixasse de vir a Portugal: vinha cá todos os meses. Sentiu que perante uma decisão totalitária era preciso tomar uma atitude de responsabilidade.
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Li numa entrevista que criou a Fundação José Saramago um pouco como uma atitude de rebeldia. Foi assim?
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Penso que não. Criei a Fundação depois de uma série de conversas, primeiro em Lanzarote, com portugueses e com espanhóis, porque havia a responsabilidade de manter um legado. Não um legado de obra, uma herança literária, mas um legado de intervenção cívica que não queríamos perder. E aí, depois de muitas conversas, Saramago aceitou. Fez-se a Fundação e ele colocou-a sobre a minha cabeça, tenho essa responsabilidade. Podia ter escolhido outro, mas quis que fosse eu e aqui estou.
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Como tem desenvolvido o trabalho da Fundação?
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Até aqui temos vivido apenas dos direitos de autor; um homem que quis deixar para a Fundação todas as receitas das vendas, que não vão para a família, vão para a empresa, é para aí que ele decidiu canalizar uma parte do que tinha, dos seus recursos, como uma parte dos direitos de autor, que é o que sustenta a Casa dos Bicos, mais nada. Poderíamos, e seria legítimo, contar com algum subsídio do Estado, porque estamos a prestar um serviço público, mas não o fizemos até agora.
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É uma mulher empreendedora. Afinal tem em si alguma coisa de liberal ou não?
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Liberal, eu? Não conheço um único liberal que tenha feito alguma coisa. Conhece algum liberal que tenha partilhado a sua fortuna? Na esquerda tem José Saramago. Há muitos que se reclamam democratas, muito democratas, e que todos os dias fazem levantamentos contra a terrível ditadura nas escolas, mas depois não pagam à empregada que lhes cuida da casa, que toma conta das crianças. Em política não há ideais, há interesses.
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OS POLÍTICOS REPRESENTAM-NOS, MAS QUANDO LHES DAMOS O NOSSO VOTO NÃO NOS DEVÍAMOS EXIMIR, SENÃO ISTO TORNA-SE UMA MÁFIA
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Qual é para si o grande problema de Espanha, de Portugal?
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Não falo de um grande problema de Espanha e nem de um grande problema de Portugal. Falo dos problemas dos portugueses que não conseguem pagar as rendas de casa. Mas isso não é um problema de Portugal, é um problema dos portugueses, dos espanhóis, dos europeus, dos cidadãos. Por isso digo que devemos deixar de lado a porcaria das fronteiras. O problema é das pessoas que têm de pagar a renda, o problema é dos jovens que nunca na vida vão ter um posto de trabalho. Nunca. Vão viver toda a vida como precários e em casas arrendadas para que os bancos não lhes fiquem com elas. E estes problemas não têm bandeiras. Os políticos não querem saber de nós. Partimos de bases diferentes: a Fundação faz o seu trabalho, um exemplo disso é a “Proposta da Declaração Universal dos Deveres Humanos”, que tem a ver com a nossa obrigação de retribuir à sociedade. Os políticos representam-nos, mas quando lhes damos o nosso voto, de alguma forma, desobrigamo-nos. E não nos devíamos eximir, delegámos neles uma parte, mas devíamos continuar a ser responsáveis, senão isto torna-se numa máfia. No entanto, pelo amor de Deus, veja os níveis de abstenção nas últimas eleições. Ora, se nem sequer nos damos ao trabalho de votar de quatro em quatro anos…
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Mesmo agora falou nos jovens, que serão precários toda a vida. São eles os mais afastados da política, é aí que a abstenção é mais elevada. Como conquistá-los?
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Não sei se estão desinteressados da política ou se não estão dispostos a entrar nestes jogos. Disse-lhe que confio muito nas mulheres e nos jovens.
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Sei que traz muitas vezes amigos a Lisboa. Onde costuma levá-los a passear ou a almoçar e jantar?
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Já todos os meus amigos passaram por aqui diversas vezes. Normalmente fazemos os percursos literários, como os de Ricardo Reis [“O Ano da Morte de Ricardo Reis”], ou vamos a Belém, à Fundação Berardo, ao Museu de Arte Antiga, à Fundação Calouste Gulbenkian e, se é possível assistir a um concerto para conhecer o São Carlos por dentro, melhor. Cultura, somos seres de pensamento e de cultura, ainda que em alguns casos haja vítimas da cultura.
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Conhece a nova ministra portuguesa da Cultura?
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Não. Cruzei-me com ela quando estava na Câmara Municipal de Lisboa, mas não a conheço. E o ministro anterior era um amigo.
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Gostava dele?
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Como amigo? Claro.
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Como ministro.
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Entrou numa fase muito difícil. Estava mais de acordo com umas coisas do que com outras, mas era e é um bom amigo.
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Que livro está a ler?
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Agora? [Pensa] Tenho cataratas e até que me operem tenho de ler livros com letras grandes… Estou a ler um policial de uma norte-americana, não me recordo o nome, comecei ontem. Quando estou muito cansada gosto de ler policiais.
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É feliz?
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Sim, sou feliz. E quando há tanta gente a viver na mais absoluta miséria, quem sou eu, que cheguei ontem da Andaluzia, no mesmo dia em que 17 pessoas – foram encontrados 17 cadáveres, não sabemos quantos mais haverá – morreram no mar a tentar chegar à costa, para cometer a infâmia de dizer que estou triste, que sou infeliz? Tristes são os que tentaram vir à tona e se afundaram, tentaram vir à tona e se afundaram. Eram 17, ontem. Mas não fizeram as primeiras páginas dos jornais.
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A VIDA INTEIRA CELEBRÁMOS O FACTO DE SER CONQUISTADORES. AGORA QUE CHEGAM OUTROS À EUROPA ARROGAMO-NOS O DIREITO DE LHES CHAMAR REFUGIADOS? ISTO INDIGNA-ME
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Tem para si uma ideia do que devia ser feito no caso dos refugiados, os países devem ou não acolhê-los e que estratégia deve existir por trás disto?
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Primeiro, acabar com o conceito de refugiado. Chegam pessoas que têm nome, que vêm de outros povos, de outros lugares. A vida inteira celebrámos o facto de termos sido viajantes e conquistadores, de termos chegado à América, de haver portugueses espalhados pelos cinco continentes. Agora que chegam outros à Europa arrogamo-nos o direito de lhes chamar refugiados porque vêm de fora? Isto indigna-me imenso. Há muitos anos houve um prémio Nobel de Economia norte-americano [James Tobin] que propôs a taxa Tobin, um imposto sobre as transacções financeiras internacionais. Com esta taxa teria sido possível evitar a pobreza extrema em alguns países, mas o sistema não o permitiu, nunca se aplicou esta comissão Tobin. O que eu quero é que venham todos os seres humanos que precisam de nós ou então, e esse seria o meu maior sonho, que amanhã não haja um único imigrante na Europa, que todos tenham voltado para as suas terras. E depois vamos ver quem vai matar e arranjar a carne que tantos gostam de comer, quem vai limpar as ruas, quem vai tratar dos velhos, quem vai limpar as casas, quem vai sustentar a Segurança Social. Quero que todos os imigrantes voltem para os seus países. E os europeus? Vão lá contestar os refugiados e o resto, pelo amor de Deus. Isto é crime. Não tenho todas as respostas, sou jornalista, e como jornalista faço perguntas.
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Qual a pergunta que se impõe?
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Se amanhã não houver imigrantes na Europa, vão fazer o quê?
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