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Veja publicação original: Wiñaypacha: o comovente longa protagonizado por uma senhora que nunca tinha visto um filme
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Por Lucía Blasco
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No meio dos Andes peruanos, Willka e Phaxsi são a vida que resiste ao frio e à solidão do Altiplano. São vestígios de uma cultura e de uma língua milenares que estão em perigo de extinção.
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Vicente Catacora e Rosa Nina dão vida, no longa-metragem Wiñaypacha, a estes dois octogenários que formam um casal inseparável.
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Aos pés da majestosa montanha Allincapac, mais de 5 mil metros acima do nível do mar, os protagonistas desse filme – o primeiro gravado na íntegra em língua aimará – sobrevivem às inclemências do tempo e da miséria, esperando um vento que lhes traga de volta seu filho que emigrou.
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Sol e Lua, seus nomes na língua ancestral, sofrem, choram, riem e vivem ligados à Pachamama, a Mãe Terra.
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O jovem cineasta peruano Óscar Catacora, de 31 anos, nos conta a história deles. Não fazem falta música, movimentos de câmera e nem efeitos especiais: 96 planos fixos bastam para compor uma narrativa que comove e estremece.
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Com seu primeiro filme, ele ganhou no Festival de Cinema de Guadalajara (México) os prêmios de Melhor Jovem Diretor, Melhor Obra e Melhor Fotografia e será o indicado peruano aos prêmios Oscar e Goya na categoria de melhor filme estrangeiro e ibero-americano de 2019.
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A BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, conversou com ele no festival Hay Arequipa, que aconteceu entre 8 e 11 de novembro.
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BBC News Mundo – “Wiñaypacha” é uma ficção, mas também é autobiográfica. O protagonista, Vicente Catacora, é seu avô materno. Que outros componentes da sua vida pessoal há no filme?
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Óscar Catacora – Vivi parte da minha infância com meus avós paternos nas partes altas de Puno, a uns 4,5 mil metros de altitude. Eles não falavam castelhano, por isso eu falo perfeitamente aimará. O filme se baseia nesse passado com meus avós e na nostalgia que eles sentiam pela ausência do meu pai e de seus outros filhos.
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Meu pai me enviou para viver com meus avós quando eu era bem pequeno, tinha 6, 7 anos. E fez o mesmo com meu irmão. Passávamos três ou quatro meses lá durante as férias. Há esse costume entre os que vivem na zona alta do Peru. É uma tradição necessária e que hoje está se perdendo.
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Meus avôs paternos morreram há vários anos. Para a produção do filme, buscávamos atores que pudesse interpretá-los e, finalmente, decidimos apostar no meu avô materno, que também é aimará. Ele apoiou muito o projeto por uma questão familiar.
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BBC News Mundo – Rosa Nina, a mulher que interpreta Phaxsi, não é sua avó, mas também não é atriz. Como foi trabalhar com ela?
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Catacora – Rosa nos foi indicada por um amigo por suas qualidades artísticas e sua personalidade sociável. Fomos à casa dela e ela aceitou imediatamente nosso convite.
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A senhora nunca tinha visto um filme e nunca tinha ido a uma sala de cinema. Lembro bem quando me disse: “Não sei muito bem o que me estão propondo, mas vou apoiá-los”. Para nós foi incrível receber essa resposta. E falar em aimará com ela foi chave.
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Tivemos seis meses de trabalho intenso de preparação de atuação. Ao princípio, eles erravam muito nos diálogos, improvisavam, não dominavam as pausas, o ritmo… Não foi fácil. Era algo novo para eles.
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BBC News Mundo – O que te inspirou a fazer este filme?
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Catacora – Durante minhas aulas de comunicação para desenvolvimento visitei vários povoados andinos, onde vi de perto o abandono das pessoas de terceira idade.
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Seus filhos tinham emigrado para as cidades e voltavam muito poucas vezes por ano para vê-los. Eles, de certa maneira, sofriam de abandono.
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BBC News Mundo – Poderíamos então dizer que o abandono é o tema central?
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Catacora – Sim, o filme aborda vários temas, mas o central é o abandono da terceira idade. Willka e Phaxi estão distantes da sociedade. Precisam de outras pessoas, de outros que possam acompanhá-los e apoiá-los.
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Tenho muito respeito por personagens mais velhos. Graças aos meus pais aprendi que os mais velhos têm de ser respeitados, que têm sabedoria.
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Mas no Peru e em outras partes do mundo há muitas pessoas que nunca visitam seus pais e avós. É uma realidade que existe. Muita gente está perdendo o respeito pelos mais velhos. Ignoram e os maltratam.
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Na cidade e nas montanhas, um adulto velho é um estorvo. Mas na cultura andina não existe isso: quanto mais velhas, mais veneradas as pessoas são.
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O filme também fala sobre a perda de identidade do povo andino. A cultura e a língua andinas são pouco valorizadas pela sociedade. Recentemente têm ganhado um pouco mais de importância.
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E fala sobre um efeito da globalização: quando um filho emigra para outro espaço social em busca de melhores oportunidades. É uma denúncia, uma crítica a quem abandona suas raízes ancestrais.
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BBC News Mundo – Numa cena, Phaxsi conta a Willka que teve um sonho: seu filho voltaria. A busca pelo filho é um tema recorrente. Quem este filho representa? É o próprio espectador?
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Catacora – Sim. Alguns me dizem que, mais que uma indireta, é uma direta aos espectadores que abandonam seus pais.
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Mas também representa nossa sociedade, os filhos que nunca vão poder dar sequência ao legado cultural. Esse filho que foi embora para um lugar longe e que nunca vai poder transmitir os conhecimentos de sua cultura a futuras gerações.
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É como um filho que nunca nasceu, é uma metáfora, na verdade.
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BBC News Mundo – Quais outras metáforas tem o filme?
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Catacora – São muitas. Uma delas é a do fósforo, que é um produto da globalização. Os povos originais se converteram em dependentes do sistema globalizado. Por isso acontecem várias tragédias no filme.
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Outra metáfora é a cena final, que aborda a cosmovisão andina. Por isso se fala muito da Pachamama, a Mãe Terra. Na cultura andina, morros têm sexo. Há um morro macho e uma fêmea e há um casal de morros.
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A avó sobe essa montanha para se tornar deusa, um ser sagrado. Passamos um bom tempo buscando esse cenário natural para concluir o filme. Não foi fácil encontrar a geografia adequada.
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BBC News Mundo – A montanha é outra protagonista do filme. Como foi rodar a mais de 5 mil metros de altitude?
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Catacora – Foi um grande desafio. Apesar de em Puno vivermos a 3,8 mil metros acima do nível do mar, subir mais mil metros é complicado, porque você sente a diferença climática. Trabalhamos a zero grau em alguns casos, às vezes menos.
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Mas não diríamos que foi sofrido. Não nos queixamos do trabalho. Na cultura aimará o trabalho não é nenhum castigo de Deus.
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E, sim, a montanha é importante. A cordilheira dos Andes é considerada uma beleza paisagística para tirar boas fotos. No entanto, as pessoas não se dão conta do que está por trás desse desafio.
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Pode ter uma família como a do filme esperando seu filho. Pode haver uma cultura que vem sendo maltratada pela incursão das empresas mineiras ou de outras instituições. O filme de certa forma expõe essa realidade.
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BBC News Mundo – Há, sem dúvida, uma forte intenção de crítica política no filme.
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Catacora – Sim, é uma crítica ao Estado que abandona os povos originais. É um olhar político para que o Estado se preocupe com essas populações.
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O Peru é multicultural, tem cerca de 49 línguas nativas. Algumas estão desaparecendo pouco a pouco. O Estado agora está promovendo a recuperação e preservação de algumas.
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Os povos indígenas recebem algum apoio. Mas temo que seja mal utilizado com o pretexto de preservar, e que muitos se aproveitem disso. Acho que é um tema delicado.
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Deveria haver mais políticas de proteção e apoio, mas com um tratamento cuidadoso. A ideia não é que o Estado converta esses povos em dependentes. Deveria haver um fortalecimento para eles, dar-lhes apoio para que aprendam a se sustentar depois.
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O Estado deveria evitar que o povo aimará dependa dele.
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BBC News Mundo – Que mensagem quer transmitir a quem vê seu filme?
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Catacora – Que entendam que a unidade familiar é o mais importante da vida. Que aprendam a valorizar seus costumes e tradições. Que valorizem um pouco a importância da família. Que olhem para o passado, de onde vêm, isso vai ajudá-los a se projetar no futuro.
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Minha avó costumava dizer que a maneira como você trata seus pais é como seus filhos te tratarão quando for mais velho.
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BBC News Mundo – E que interpretação gostaria que fizessem?
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Catacora – Não gostaria que vissem o povo aimará como ignorante, nem como miserável. Um dos grandes valores desse povo é o orgulho. Somos um povo resistente e enfrentamos assim algumas culturas que quiseram nos aniquilar.
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BBC News Mundo – O filme ganhou vários prêmios. Esperava ter tanto sucesso com seu primeiro filme?
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Catacora – Na verdade, não. Queríamos fazer um bom filme, e não estar em festivais.
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É bom ouvir as notícias que correm, mas talvez eu não expresse muito.
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Tem a ver com minhas raízes, o homem aimará não se emociona facilmente. Não quero dizer insensível, mas não exteriorizo muito essa emotividade. Sinto e vivo isso internamente, e às vezes compartilho.
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