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BASTA A PALAVRA DA MULHER

Saiu no site UNIVERSA

 

Veja publicação original:  BASTA A PALAVRA DA MULHER

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Sabia que, após um estupro, a vítima tem direito de ser atendida em hospital público, sem BO nem documento?

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Por Elisa Duarte

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No Brasil, acontecem 1388 estupros por dia, quase um por minuto. Dos 49500 casos contabilizados em 2016, apenas 23 mil vítimas receberam o atendimento previsto na lei 12.845/13, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, em 2013.

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Batizada de Lei do Minuto Seguinte, ela assegura que as vítimas de violência sexual tenham atendimento emergencial, integral e multidisciplinar gratuito. Resumindo: após o crime, a mulher deve ser atendida em qualquer unidade da rede pública sem a necessidade de apresentar o Boletim de Ocorrência ou qualquer outro tipo de documento. É isso mesmo: a palavra da vítima deve ser o suficiente para que ela receba um tratamento humanizado, com diagnóstico, tratamento das lesões físicas, amparo médico, social e psicológico, profilaxia da gravidez, profilaxia para infecções sexualmente transmissíveis, coleta de material para realização do exame de HIV e orientações para dar continuidade ao tratamento e iniciar a terapia. A vítima também tem o direito de questionar sobre as medicações ministradas durante o atendimento — e receber explicações.

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Na prática não é bem assim…

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A disparidade entre os números da violência com os dados do atendimento médico acendeu o alerta vermelho do Ministério Público Federal de São Paulo. A realidade é que está longe de ser amplo e humanizado como prevê a constituição. “Um dos grandes problemas é a falta de informação para as vítimas e também para os profissionais do SUS”, afirma o procurador da república Pedro Antonio de Oliveira Machado, articulador da campanha que você pode ver no fim dessa matéria, que dá ênfase na divulgação de informações sobre a Lei do Minuto Seguinte.

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Em São Paulo, o Hospital Pérola Byington é a maior referência no assunto. Sua capacidade de atendimento 24 horas conta inclusive com uma unidade do IML com capacidade de fazer coleta de provas.  “Quando uma paciente chega, passa por uma médica legista que faz a coleta do material de DNA do agressor, o exame de corpo de delito e tira as fotografias. Isso fica diretamente com a polícia para investigações,” afirma André Malavasi, diretor de ginecologia do hospital.

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Segundo Sylmara  Berger  Del  Zotto, assistente do gabinete da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, lá eles têm trabalhado para ampliar o atendimento protocolar em suas redes públicas. São feitos treinamentos dos funcionários da rede do SUS por meio de videoconferências e protocolos por escrito. “Toda essa provocação faz com que o serviço se organize e o engajamento aumente”, afirma Sylmara.

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A violência depois da violência…

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O objetivo é evitar que a vítima passe por uma segunda violência ao ser desacreditada diante do machismo existente em delegacias não voltadas ao atendimento da mulher. Sheylli  Caleffi, coordenadora do grupo de apoio “As Incríveis Mulheres que vão Morrer Duas Vezes”, conta que o atendimento em delegacia é chamado por muitas vítimas de “Segundo Estupro”. Por isso, o Movimento Lei do Minuto Seguinte estimula que a vítima vá primeiro ao hospital. “Ela tem de pensar primeiro na própria saúde. Não vai perder as provas. Vai só colher o espermatozoide e o espermatozoide não morre com medicação nenhuma”, afirma Sylmara, que é médica ginecologista formada pela universidade São Francisco e Mestre em Saúde Pública pela USP. O objetivo é que o primeiro atendimento seja mais humanizado e que só depois ela seja encaminhada ao IML para colher as provas.

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“Tinha marcas de mordida no corpo todo, mas a médica dizia que não era nada”

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“Depois que consegui chegar até a policia, eles me colocaram no camburão para tentar encontrar o cara. Depois, fui encaminhada para um hospital no Embu das Artes. Lembro que resisti muito porque eu queria ir para o Pérola Byington. Eu tinha medo, sabia que era importante ter provas e não deixei que me limpassem, nem tirassem nada que pudesse ser vestígio. Eu não quis tomar nenhum calmante, nem nada desse tipo. Eram umas 10h30 da manhã.

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Depois, fiquei a tarde inteira numa delegacia, até umas 17h30, quando pegaram o cara e eu fiz o reconhecimento. Eu só pensava em ir embora daquele lugar. Aí me levaram ao hospital. Chegando lá, não foi muito burocrático, achei até rápido. Entrei no consultório da médica para fazer o corpo de delito. Era uma mulher, extremamente não empática. Ela ficava com aquela cara de dúvida sobre o que eu estava falando. Pediu para eu tirar a roupa, deitei naquela cama de ginecologista. Eu tinha marcas por todo o corpo, de mordidas, de golpes, de tudo. E ela dizia que não era nada. Fui fazer a parte ginecológica, para ver como estava a minha vagina e toda a região. O atendimento foi feito de forma grosseira e eu reclamei. Ela me olhava como quem perguntava: “está reclamando do quê?”

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Sai ainda mais triste de lá, na verdade. Me deram alguns medicamentos para começar o tratamento antiviral. A minha irmã foi comigo e também ficou impressionada negativamente com a consulta. Depois desse primeiro atendimento, me indicaram o hospital de atenção à mulher. Fui uma vez por semana por um tempo, e depois, por seis meses, uma vez por mês. Lá, a médica falava que superar o trauma era uma decisão minha, que eu tinha que passar por ele. Depois de três meses, ela dizia que estava demorando muito para eu superá-lo. Cheguei a ir a uma consulta particular, mas não foi legal e não voltei mais.

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Continuei tomando todo o coquetel antiviral e isso era terrível. Eu ficava em uma sala de espera com mais 100, 150 pessoas. No meio do salão, tinha uma porta com uma placa onde se lia “vítimas de violência sexual” ou algo assim. Ficava muito estigmatizado. Todas as pessoas viam quando você ia para lá. Essa coisa da vítima continuar tendo vergonha do que viveu é muito forte. Era desesperador ver crianças chegando, meninas, adolescentes. Lembro de uma menina de 17 anos que estava grávida, e durante o processo, contou que tinha feito sexo desprotegido com o namorado dois dias antes do estupro. Por isso, o Estado dizia que não era possível saber se ela estava grávida do namorado ou do estuprador, o que a impedia de fazer o aborto.”

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G.M., 57 anos, estuprada há 15 anos

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“Após ter sofrido essa violência, senti que tinha de me virar porque a informação não vem de mão beijada. Eu mesma fui para a delegacia da mulher prestar queixa. Cheguei lá, fui bem atendida, me fizeram algumas perguntas para deixar bem claro que tinha ocorrido um estupro. Eu estava com o marido da minha amiga e isso me deu uma força maior. Senti que o apoio só vem depois que eles têm certeza de que você não estava paquerando ninguém e de que o sexo foi forçado mesmo. Eles questionam isso o tempo inteiro, é muito ruim.

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O crime foi assim: eu estava na casa de uma amiga tomando sol. Os ladrões entraram para assaltar, mas não encontraram nada. Iam pegar uma menina de seis anos e eu gritei: ‘não façam isso’ e eles me agarraram. Mas, se na delegacia acharem que não foi estupro, o atendimento vai ficando ruim. E se fica claro que foi estupro, começam a defender. Eu queria colher provas e me encaminharam para o IML para fazer o corpo de delito. Me largaram num corredor de perna aberta. Fiquei um tempo esquecida lá, foi horrível. Eu precisei ter um chilique. O marido da minha amiga começou a gritar com o documento da delegacia e aí me deram atenção. Mais uma vez, eu tive que provar que tinha sido um assalto seguido de estupro. Que não tinha sido o meu namorado, que eu não estava decidindo se eu ia dar para ele ou não. É um machismo muito grande até no IML de perna aberta no meio do corredor.

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Lá, não recebi tratamento contraceptivo porque não tinha ginecologista de plantão e comecei a chorar porque eu estava com pressa para fazer as profilaxias para evitar doenças. Foi quando um enfermeiro desocupado me medicou. Eu acredito que o atendimento em um hospital especializado deva ser melhor. Queria muito prender o cara, por isso quis fazer a coleta e depois a profilaxia. Depois, a delegada me deu uma autorização médica para eu passar no posto de saúde onde tomei o contraceptivo. Eu gritei pelos meus direitos,mas existem mulheres menos favorecidas, que mal sabem que o está acontecendo. Entendi que pessoas com maior esclarecimento, que sabem ler, escrever ou tem uma posição econômica privilegiada serão atendidas. Mas quem não tem informação vai sofrer mais. Ele foi preso em 20 dias. Como não tinha nenhuma doença, não me contaminei.”

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C.B., 37 anos, estuprada há 14 anos

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Atendimento em 72h é essencial

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Um dos focos da parceria do MPF com a Abap (Associação brasileira de Agências de Publicidade) e Secretaria do Estado de São Paulo é conscientizar as pessoas de que o atendimento imediato é fundamental. “O atendimento em 72h é crucial. Existe um protocolo medicamentoso contra doenças e gravidez e ele deve estar disponível em todas as redes do SUS. Isso para evitar que a tragédia seja agravada no futuro com uma doença. Isso também dá apoio para a vítima que optar por um aborto legal, um direito garantido à gestante em caso de estupro, em caso de risco de vida e anencefalia fetal. Garantir o direito do atendimento imediato também gera um impacto orçamentário no SUS. É muito mais barato para o Estado e também muito menos traumático para a vítima”, afirma Pedro Machado.

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Do outro lado dos esforços para que o atendimento às vitimas de estupro seja uma realidade em todo território brasileiro, existem projetos de lei como a PL 6055/13, que tem como um dos autores o presidente eleito Jair Bolsonaro, e pede a revogação do atendimento obrigatório às vitimas de estupro. A PL argumenta que a Lei do Minuto Seguinte tem “como principal objetivo preparar o cenário político e jurídico para a completa legalização do aborto no Brasil”.

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Sobre essa questão, o procurador da república Pedro Antonio de Oliveira Machado acredita que esse direito constitucional será respeitado: “O presidente eleito disse que cumprirá a Constituição. Quando a sociedade mostra a sua preocupação e o seu desejo por esse atendimento às vitimas de estupro, há uma força com poder de garantir o cumprimento da lei”.

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E depois de tudo isso, como ajudar a vítima?

 

  • Dentro de casa

    A maioria das violências são cometidas pelos familiares. Neste caso, o agressor pode ser distanciado da vítima pela Lei Maria da Penha.

  • Terapia é fundamental

    “As vítimas podem recusar atendimento para não reviverem a cena”, diz Cassia Relva, psicóloga especializada em atendimento à vitimas de violência sexual.

  • A culpa não é da vítima

    Muitas mulheres se sentem culpadas por terem sofrido um abuso sexual porque a nossa sociedade julga que ela poderia ter se protegido melhor e evitado. Isso é muito grave: ela não tem culpa.

  • Apoie, não ataque

    O apoio familiar é importante. Os parentes devem evitar acusar a vítima pelo o que ocorreu. Evitar frases como “está vendo, falei pra você não sair assim” ou “devia ter chegado mais cedo”.

  • A importância do parceiro

    A sociedade é machista e o corpo feminino é ora desejado, ora vigiado. Quando esse corpo é violado por outro homem, o parceiro costuma se sentir em desvantagem. O parceiro precisa compreender que para ajudá-la, ele precisa entender a violência sofrida por ela e identificar o próprio machismo.

  • Rede de cuidados

    A rede de apoio dos familiares e amigos é uma cultura que precisa ser implantada depois do crime. Se ela vai chegar tarde no trabalho, vai ter alguém te esperando por ela no ponto do ônibus? Alguém para dar carona? A rede de amigos vai deixá-la mais segura.

     

     

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