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Veja publicação original: O que explica ‘testes de virgindade’ ainda serem comuns no Marrocos
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Organizações mundiais condenam a prática. Ao HuffPost, socióloga marroquina explica por que o teste ainda é realizado no país – e como mudar a situação.
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Por Ibtissam Ouazzani
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Soumaya Naamane Guessous, socióloga marroquina, adverte que “testes de virgindade” realizados em mulheres são perigosos e ineficazes, mas continuarão sendo realizados em seu país enquanto meninas forem vistas como “guardiãs” da honra de uma família. O alerta foi feito em entrevista ao HuffPost.
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“O valor do menino está ligado à sua experiência sexual antes do casamento, enquanto o da menina está associado à virgindade”, afirma Guessous, que estuda sexualidade no Marrocos, em resposta a uma campanha global lançada em outubro para acabar com os testes abusivos.
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A OMS (Organização Mundial da Saúde), o Conselho das Nações Unidas para Direitos Humanos e a ONU Mulheres divulgaram um comunicado no início de outubro alertando que nenhum teste – até mesmo os que envolvem exame do hímen – podem comprovar se a mulher já manteve relações sexuais, condenando e pedindo a proibição desta prática. “Não é possível diferenciar o hímen ‘virgem’ e o hímen ‘não-virgem'”, afirma o comunicado.
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As três organizações pedem que os governos intervenham em países nos quais os “testes de virgindade” foram documentados, como Marrocos, Egito, Índia, Brasil, Afeganistão, Líbia, Turquia e Jamaica. As entidades também afirmam que a prática tornou-se mais comum em comunidades de imigrantes que vivem em países onde não havia registros de sua realização, como Bélgica, Holanda, Espanha, Canadá e Suíça.
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Um ginecologista pode assinar dez certificados de virgindade por dia, especialmente durante a temporada de casamentos, entre junho e agosto. Esse documento é uma invasão da privacidade da mulher.Soumaya Naamane Guessous
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O teste, também conhecido como “teste dos dois dedos”, não tem respaldo científico ou clínico, afirmam as organizações. Ele também constitui uma violação dos direitos humanos da mulher e podem afetar seu bem estar físico, psicológico e social, tanto no curto como no longo prazo.
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As organizações afirmam que o teste pode ser “doloroso, humilhante e traumático” e provocar sangramento genital, transmitir infecções e doenças sexualmente transmissíveis. Guessous afirmou que também pode haver complicações de outros tipos porque os testes nem sempre são feitos por médicos; muitas vezes ele é realizado por um parente ou uma parteira.
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O cenário brasileiro
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Em 2014, o regulamento de um concurso para a Secretaria de Educação de São Paulo, as candidatas tinham que comprovar, com atestado médico, que não tinham o hímen quebrado. Na época, ativistas disseram que a medida era como algumas práticas “na idade média”.
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Em 2016, um dos exames exigidos no concurso da Brigada de Incêndio em Brasília (DF) pediu às mulheres que apresentassem o papanicolau ou provassem que não tinham o hímen rompido – ou seja, que ainda eram virgens. “O candidato que possui um hímen intacto está isento de submeter o exame solicitado”, informava o regulamento do concurso à época.
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Em ambos os casos, a organização disse que tal medida não era discriminatória, mas sim, preventiva porque visava garantir “a condição física e ocupacional dos candidatos”. Para os candidatos homens não houve exigências do tipo.
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As mulheres também podem praticar o chamado “sexo de risco” para “preservar” a virgindade, o que em certas culturas é definido como abster-se de sexo vaginal, afirmam a OMS e os grupos da ONU. Em alguns casos extremos, ser “reprovada” no teste pode ser fatal: mulheres podem ser assassinadas pelas famílias ou se suicidar caso não obtenham o certificado de virgindade.
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Mas os testes de virgindade ainda são muito comuns em todas as classes sociais do Marrocos, diz Guessous, que critica a prática há muitos anos.
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As marroquinas não costumam ser submetidas ao exame por vontade própria, afirma a socióloga. O teste é particularmente comum antes do casamento. Ele geralmente é realizado a pedido dos pais da noiva, ou então dos futuros sogros. A mãe da noiva também pode pedir o certificado como garantia caso o futuro marido lance acusações contra a mulher.
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“Os ginecologias marroquinos assinam um número enorme de certificados de virgindade”, diz Guessous. “Um ginecologista pode assinar dez certificados de virgindade por dia, especialmente durante a temporada de casamentos, entre junho e agosto. Esse documento é uma invasão da privacidade da mulher.”
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A virgindade é associada à honra para as mulheres – e os testes continuarão sendo realizados enquanto não mudar essa situação. O teste tem raízes em normas sociais que controlam o corpo e a sexualidade de mulheres e meninas.
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