Saiu no site INSTITUTO GELEDÉS:
Veja publicação original: O Aborto Masculino
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Por Camila Brandalise
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A comparação entre aborto e abandono paterno ganhou uma frase que pipoca nas redes sociais sempre que um dos dois temas aparece: “o aborto masculino já é legalizado”.
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Diz respeito, na verdade, ao grande número de homens que abandonam filhos e mães e deixam a obrigação de criar a criança sob responsabilidade apenas da mulher. No Brasil, 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na identidade.
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Quem usa o termo afirma que é uma provocação: enquanto o tema aborto desperta paixões e discussões acaloradas, o abandono paterno não tem a mesma atenção.
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“Há uma quantidade muito grande de mães criando filhos sozinhas. E sobre isso nada é falado. Já sobre a escolha da mulher grávida abortar ou não o debate ganha até contornos de fanatismo”, afirma a antropóloga e pesquisadora da Anis (Instituto de Bioética), Debora Diniz, ativista pró-legalização do aborto.
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“Se estão mesmo preocupados com a vida e o futuro das crianças, por que não começar com essa pauta e intimar outros homens a cumprirem seu papel?”, pergunta Debora, que complementa: “Se o termo deve ser usado é outra questão. Particularmente, acredito que há outras palavras mais fortes para mostrar o silêncio dos homens e essa incoerência argumentativa, como desamparo e abandono parental.”
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“Abandonar é pior do que abortar”
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O questionamento sobre o uso do termo passa por algumas diferenças fundamentais, a começar pela legislação. “Apesar de a interrupção de gravidez fazer parte do código penal, em relação ao embrião não há nenhuma exigência legal. Já sobre a criança nascida viva, há responsabilidades que pai e mãe devem cumprir”, explica a defensora pública federal Charlene Borges, coordenadora do grupo de trabalho Mulheres da Defensoria Pública da União.
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Interromper a gravidez, portanto, é crime, mas há também uma condenação moral, ética e religiosa. Já o abandono paterno não tem o mesmo espaço para discussão, tampouco políticas públicas para evitar que pais abandonem crianças. Atualmente, 11 milhões de brasileiras são responsáveis, sozinhas, pela criação dos filhos.
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Para Charlene, há um equívoco técnico no uso do termo “aborto masculino”. O correto, no direito de família, é abandono parental. Stella Avallone, do coletivo Mães Solo Feministas, concorda que o uso da expressão é perigoso, porque o abandono paterno é uma situação pior do que a da interrupção de gravidez. No coletivo, ela e outras ativistas têm entre suas pautas a descriminalização do aborto.
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“Ouço sempre essa comparação, pessoas dizendo que há pais que abortam. Mas não dá para comparar. Abandonar é muito pior do que abortar. No abandono, a criança está viva, pensando, sendo negligenciada e sofrendo a rejeição.”
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Stella tem a experiência desse trauma dentro de casa. A filha, Beatriz, de sete anos, é reconhecida e recebe pensão. Mas não significa que há divisão de tarefas na criação, segundo ela. O pai se afastou depois que Stella pediu o divórcio, ela conta. “Ele cumpre apenas com suas obrigações legais. Já aconteceu de ela chorar compulsivamente falando dele, sem entender porque o pai não ficava perto”, diz Stella. “Quando o questionei, ele disse que não era presente porque não tinha estômago para ficar perto de mim.”
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Origem da expressão
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O termo aborto masculino surgiu primeiro nos Estados Unidos, mas em outro contexto. Lá, onde a interrupção da gravidez é legalizada, grupos que se dizem ativistas pelos direitos dos homens se reuniram para exigir que o mesmo amparo legal fosse concedido a eles, o de abrirem mão da paternidade. Mas a reivindicação não recebeu suporte da legislação.
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No Brasil, o termo foi adaptado à nossa realidade. Como o aborto ainda é crime por aqui, tanto para quem pratica e quanto para quem dá qualquer suporte à prática, a intenção é mostrar a contradição no peso que se dá à obrigação de uma mãe em comparação à do pai. “No segundo caso, não há reprovação moral”, conclui Charlene.
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