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Primeira nikkei a destacar-se na Globo, Cristina Sano conta como superou crise

Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE:

 

Veja publicação original: Primeira nikkei a destacar-se na Globo, Cristina Sano conta como superou crise

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Uma das primeiras nikkeis a ganhar destaque na TV Globo, a atriz Cristina Sano, 53, participou de novelas quando os asiáticos mal apareciam em comerciais: “Bebê a Bordo”, “Pé na Jaca”, “Morde & Assopra”. Aqui, ela conta como um aborto espontâneo e as cobranças a levaram a ter uma síndrome do pânico

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A atriz Cristina Sano, 53, foi uma das primeiras nikkeis a ganhar destaque na TV brasileira. Participou de novelas quando os asiáticos mal apareciam em comerciais: Bebê a BordoPé na JacaMorde & Assopra. Romper essa barreira não a impediu de sentir ondas fortíssimas de medo. O trauma começou após sofrer um aborto espontâneo. Quando finalmente teve Pedro, viu-se sozinha, pois o marido, também ator, viajava com uma peça. A recuperação só veio anos depois, após retornar aos palcos e decidir brigar por papéis mais diversos na dramaturgia. Leia seu depoimento:

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“Nasci em uma família de imigrantes, em São Paulo, há 53 anos. Meu pai é filho de japoneses; minha mãe, da ilha de Kyushu, no Japão. Única mulher entre seis irmãos, dona Teresa foi criada em um ambiente extremamente machista e nunca se encaixou no estereótipo local. Longe de ser submissa, tinha oscilações de humor constantes e a língua afiada de quem não se dobrava a ninguém. Sempre tivemos uma relação complicada. Minhas lembranças mais remotas são dela jogando objetos no chão, em meio a gritarias homéricas. Aquele era o sinal. Minha irmã e eu sabíamos que iríamos apanhar, com ou sem motivo. Quando pequena, me encolhia apavorada. Depois dos 6 anos, passei a enfrentá-la.

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Apesar dessas questões com minha mãe, sempre sonhei em ter filhos, uma família. Estava casada havia dois anos com o também ator Carlos Mani quando fui escalada para a novela Brasileiros e Brasileiras, no SBT, em 1990. Me formei na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo em 1986. No mesmo ano, fui chamada para a novela Roda de Fogo, da Globo. Dois anos depois, fiz Bebê a Bordo, também da Globo. Mas sabia que o novo trabalho seria diferente, pois exigia muita força física. Minha personagem tinha cenas de luta livre. Me entreguei à pesada rotina de trabalho e creditei a isso o fato de o meu fluxo menstrual diminuir. Meu dia a dia era uma loucura, não havia tempo nem motivo para me preocupar. Até que, um dia, senti meus seios muito duros e sensíveis e, por via das dúvidas, decidi fazer o teste de gravidez. Felicíssimos, meu marido e eu comemoramos o resultado positivo com juras de amor eterno. Numa consulta médica, descobri que aquilo que julguei ser uma menstruação fraquinha havia sido um sangramento. Precisaria de repouso e medicação, se quisesse segurar o neném. Não tive dúvida. Pedi demissão da novela.

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Tudo correu bem até o terceiro mês, quando o ultrassom detectou que o bebê estava sem batimentos cardíacos. O médico disse que eu havia sofrido um aborto retido e que meu corpo expeliria naturalmente o feto. Meu mundo caiu, me sentia um túmulo. Só não entrei em depressão porque transformei meu sofrimento em trabalho e escrevi uma peça sobre meu luto. Nunca a encenei, mas o exercício serviu para amenizar minha dor. O vazio de perder um filho me acompanha até hoje.

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Aos poucos, as coisas foram melhorando. Três anos depois, meu casamento estava ótimo e, o melhor, consegui engravidar novamente. Pedro Yugo nasceu de parto normal, em 1993, após a melhor gravidez do mundo. Mas, apesar de estar extremamente feliz com sua chegada, o trabalho mais uma vez nos atropelou. A demanda de um recém-nascido é enorme, e Carlos foi contratado para participar de uma turnê de teatro pelo Brasil. Durante um ano e meio, ele viajava todas as terças, me deixando sozinha em casa com o Pedro até a noite de domingo. Me sentia solitária. Foi muito difícil entender que, mesmo com um bebê sadio e após realizar o sonho de ser mãe, estava infeliz. Me ocupei dos afazeres e, mais uma vez, resisti à depressão.

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“Minha maior preocupação era não conseguir dar conta do meu filho”
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Cristina Sano: as atriz em foto na época em que fez a novela "Pé na Jaca" (Foto: TV Globo/Divulgação)

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No ano seguinte, estava na casa dos meus pais com meu filho, tomando um missoshiro, sopa típica da culinária japonesa, quando senti uma onda de medo subir pelo meu corpo. A visão ficou turva, o coração acelerou, não conseguia respirar. Tive uma sensação de morte iminente. Fiquei pálida, um fantasma. Consegui me acalmar respirando fundo e pausadamente, em silêncio. Aquela noite, o sono foi perturbador. Não sabia o que estava acontecendo, mas tinha medo até de fechar os olhos para dormir. As tais depressões que até então tinha conseguido evitar chegariam de forma brutal. No dia seguinte, um psiquiatra diagnosticou: síndrome do pânico. Comecei a tomar antidepressivo e ansiolítico, mas as coisas só pioravam.

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Em pouco tempo, parei de dormir e comer. Um dia, em 1994, passei por um parque e vi uma criança de cinco anos carregando um bebê. Estavam sujos e moravam na rua. Fui tomada por uma angústia desesperadora… Toda a beleza do mundo parecia escoar. A dor do outro era a minha também. Na hora, lembrei do Pedro. Minha maior preocupação era não conseguir dar conta do meu filho. Eu, que adorava dar banho, amamentar, não sentia mais prazer em nada. Nunca deixei de cuidar do meu bebê, mas perdi a vontade. Sinto que até hoje o Pedro carrega esse sentimento de abandono dos primeiros anos. Numa das vezes em que estava trocando sua fralda, senti o coração acelerar, as mãos tremerem e um suor frio escorrer pelo rosto. Tinha certeza que, a qualquer momento, iria enfartar e morrer. Quando o pânico surgia, eu simplesmente parava tudo, respirava fundo e esperava a sensação de morte desaparecer. Esses momentos aconteciam todos os dias, em questão de segundos.

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“Toda a beleza do mundo parecia escoar. A dor do outro era
a minha também”

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Cheguei ao ponto de não comer nada sólido, não descia. Para não ficar totalmente desnutrida, batia legumes no liquidificador. Vivia de papinhas. Dos 50 quilos, passei para 39. A imagem que tenho do transtorno de ansiedade é de cavalos furiosos se arremessando contra um rochedo. Após quatro meses com a síndrome do pânico, meu marido pediu demissão do teatro para cuidar de mim. Ele se tornou o pai e a mãe do Pedro até eu melhorar. Os seis meses que se seguiram foram de muita terapia e medicamentos. Aos poucos, fui entendendo que minha exigência em relação a mim mesma estava me paralisando. Por medo de me expor e não ter o mesmo sucesso que alcancei em minha primeira novela, recusei inúmeras oportunidades. Mas a verdade é que, extremamente crítica, sempre me cobrei excelência no que faço. Acredito que esse seja um traço japonês que herdei dos meus pais. Está nos genes, no sangue. Ou foi absorvido na convivência, não sei. Mas sei que, na ânsia de chegar a algum lugar que até hoje não descobri qual seria, estava em constante estado de frustração.

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Foi um longo período de luta contra a doença. Muitos anos em que aprendi que traumas precisam ser vividos e não podem ser curados sem tratamento médico. Passei por um trabalho minucioso de autoconhecimento. Resgatei minha criança interior. Acredito que, por trás da raiva e da dor, sempre há uma criança triste, que, de alguma forma, se sentiu abandonada e não entende o que se passa. É preciso ser o adulto e trabalhar para que ela compreenda o que aconteceu.

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Em 1996, achei que era hora de me arriscar de novo. Recebi um convite para atuar na peça infantil Doreciclar, sobre reciclagem de materiais. Falei para mim mesma: agora consigo. Logo na primeira vez que subi ao palco, me senti viva, recuperada. Consegui. Quase beijei o chão do teatro. A atuação e a arte sempre fizeram parte de mim — e foram um dos principais alicerces para a cura da síndrome de pânico. No ano seguinte, fiz a novela Zazá, na Globo. Foi uma honra trabalhar com o ator japonês Ken Kaneko e com a Fernanda Montenegro. Era a pedra que faltava para superar a crise. Após a síndrome do pânico, fiz mais seis novelas, vinte peças e dois filmes. Percebo que a doença fortaleceu a qualidade do meu trabalho. Vejo uma substancialidade que não tinha antes. Isso porque me conheço mais e sei das minhas potências.

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Há dois anos, com outros descendentes de japoneses, me engajei no coletivo Oriente-se. Nos juntamos após a escolha do elenco da novela Sol Nascente, da Globo. Na trama, havia uma família de japoneses interpretada por atores excelentes, mas sem nenhum traço asiático. Um casting totalmente equivocado. Protestamos contra a discriminação dos atores de ascendência asiática e percebemos o quanto nossa união era importante. Fiz o roteiro de um vídeo para denunciar a situação. Ele apresenta os atores falando em diversas línguas: “Eu sou brasileiro”. E bate na tecla de que somos atores e não caricaturas. As imagens viralizaram, e só nos três primeiros dias foram 400 mil visualizações no YouTube. No coletivo, somos oito atores e roteiristas, e já produzimos 27 filmes de gêneros diversos, como drama, comédia, suspense e documentário.

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Tive muita sorte, pois o fato de ser descendente de japoneses nunca me impediu de exercer a profissão. Mas sei que sou uma das poucas com esse privilégio. Ser artista é o que me mantém saudável. Após o hiato da doença, a atuação me resgatou. Olho para trás e percebo quantas coisas realizei.

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Uma das mais importantes foi fazer as pazes com minha mãe. Entendi que ela me ama muito e agiu da melhor maneira que pode. Hoje, aos 88 anos, ainda tem suas crises de humor. Nosso relacionamento nunca vai ser perfeito. Mas resgatei sua história e compreendi um pouco o porquê de sua personalidade forte. Seus irmãos, todos homens, tinham o costume de jogar seus brinquedos no chão, bater nela e nunca foram coibidos pelos pais. E esses são apenas os episódios que ela conta. Fora as outras mágoas que carrega e guarda dentro dela. Demorei para reconhecer que é uma mulher forte e empoderada. Quando você assimila isso, vem o perdão. Aprendi a honrá-la e respeitá-la.

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Tinha muito medo de me tornar uma mulher destemperada, como minha mãe aos meus olhos de criança. Herdei dela o nervosismo e a ansiedade. Mas tenho orgulho de ter me tornado uma mãe amorosa. Meu filho, hoje com 25 anos, está muito bem. É músico e faz mestrado na Universidade de São Paulo. Só nos afastamos no período da doença. Mas não era uma distância física. Mesmo com as minhas limitações, sempre cuidei dele. Carlos continua ao meu lado para o que der e vier e consegui fazer meu nome nessa profissão que tanto amo. Tenho orgulho da minha família, da carreira que construí, de defender meu lugar no mundo. E agora, quando sinto que a insegurança está prestes a me sabotar, me dispo dos meus medos e encaro de frente os desafios da vida, confiante de que não estou só – e de que sempre haverá a dramaturgia para me salvar.”

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Cristina Sano: atriz superou crises de pânico e se tornou ativista por maior participação de asiáticos na TV (Foto: Arquivo pessoal)
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