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Veja publicação original: Reprimidas por paquerar, as russas vão à luta
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Por Luisa Purchio
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No país onde a opressão à mulher é histórica, ultranacionalistas criticam as que se envolvem com estrangeiros. Até mesmo vítimas de assédio são tratadas como vilãs em redes sociais. Elas reagem
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Mais um episódio que atenta à liberdade das mulheres entrou para a história na Copa. As paqueras entre solteiros, algo corriqueiro em ambientes propícios a festas e confraternizações como são os mundiais de futebol, viraram motivo de repreensão às cidadãs locais. Para muitos de seus conterrâneos, elas não deveriam se relacionar com estrangeiros. E não são apenas os homens que chiam. A deputada Tamara Pletnyova, presidente da Comissão Parlamentar para a Família, Mulheres e Crianças, recomendou que as russas evitem relações sexuais com homens “de outras raças” — como se fossem inferiores. “Não sou nacionalista, apenas sei que as crianças sofrem”, disse ela, citando os “bebês das Olimpíadas”, expressão usada para descrever os filhos concebidos durante os Jogos Olímpicos em Moscou, em 1980. O parlamentar Alexander Sherin colocou um alerta na saúde: para eles, os estrangeiros podem “infectar os russos” e “trazer vírus ao país”.
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O primeiro e mais vergonhoso episódio de assédio na Copa na Rússia ocorreu no dia 6 de junho, antes mesmo de o mundial começar, e foi protagonizado por um grupo de brasileiros. Eles gravaram um vídeo em que fazem uma roda em volta de uma russa enquanto cantam versos pornográficos, se referindo ao órgão sexual dela. Sem entender o que eles estavam falando, a moça sorria repetindo as palavras. O fato ganhou repercussão na mídia mundial. Semanas depois, a jurista Alena Popova criou uma petição online para punir judicialmente os brasileiros, afirmando que eles não humilharam apenas uma, mas “todas as mulheres da Rússia”. O que por si só foi um atentado à dignidade feminina ganhou contornos ainda piores dentro de grupos de cunho machista. Transformada em culpada, a vítima foi criticada e ameaçada em suas redes sociais em comentários como “vergonha para o país”. Diversos grupos foram criados na rede social russa VK, semelhante ao Facebook, em que são postadas imagens de russas se relacionando com estrangeiros, seja paquerando, beijando ou abraçando os homens, seguidos por comentários ultranacionalistas e ameaças, com divulgação do nome completo, endereço e telefone das mulheres.
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Xenofobia
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“A Rússia é um país muito contraditório. Possui um tradicionalismo e ao mesmo tempo um secularismo da época da União Soviética, quando havia liberdade sexual para as mulheres e os cidadãos tinham aulas de ateísmo científico”, diz Angelo Segrillo, professor de história da USP e autor dos livros “Os Russos” e “Karl Marx: uma biografia dialética”. “Dentro desse caldo, surgiram nos anos 1990 grupos racistas que não toleram estrangeiros e pessoas de pele escura. Eles são pequenos, mas ganham projeção com a internet e a disseminação de fake news, como no Brasil”, diz ele. Para Rosana Schwartz, historiadora e socióloga especialista em gênero, etnia e movimentos sociais, esse preconceito é consequência da cultura que se estabeleceu entre 1917, quando ocorreu a Revolução Russa, e 1989, ano da queda do Muro de Berlim. “As mulheres possuíam dentro do trabalho produtivo funções iguais aos homens. Infelizmente, isso não foi fruto de uma transição natural, mas algo imposto pela revolução”, diz ela. Nesse contexto, as russas continuaram tendo duplas e triplas jornadas de trabalho, pois continuaram sendo responsáveis pelas tarefas domésticas e pelo cuidado com os filhos. “Quando a abertura política surgiu, esse tipo de olhar não se alterou”, diz Rosana.
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Outra herança do passado é a xenofobia, que carrega características do eslavismo, quando esses povos, protegidos pela Rússia czarista, sonharam em dominar a Europa oriental. “É um desejo de pureza racial, mas sabemos que isso é impossível em qualquer parte do mundo, pois a humanidade surgiu de povos nômades e todos somos uma grande mistura”, complementa a historiadora. Apesar das dificuldades, Rosana acredita que a discussão atual representa uma evolução dos direitos da mulher russa. “Elas estão conquistando a liberdade de viver como bem entendem, e isso é um avanço”.
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MISOGINIA RUSSA
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1917 a 1991
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Depois da Revolução Russa, o regime opressor socialista impunha pela força hábitos culturais e de consumo. Mesmo com fim da União Soviética, valores permaneceram arraigados, entre eles a repressão à mulher
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6 de junho de 2018
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No início da Copa do Mundo, brasileiros assediam uma russa e gravam um vídeo cantando uma música em português se referindo ao órgão genital dela. Em outro vídeo, um brasileiro pedia a russas que repetissem palavras de conteúdo sexual. Ele foi demitido.
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20 de junho de 2018
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A jurista russa Alena Popova cria uma petição online para punir judicialmente os brasileiros que ofenderam a russa em vídeo e afirma que eles não só humilharam ela, mas também “todas as mulheres da Rússia”
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julho de 2018
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Grupos começam a fazer publicações na rede social russa VK, semelhante ao Facebook. São fotos e vídeos em que russas interagem com estrangeiros e são criticadas em comentários machistas, racistas e xenofóbicos
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