Saiu no site ÉPOCA NEGÓCIOS:
Veja publicação original: A misteriosa história da condessa brasileira que tem dois túmulos
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Corpo de viúva chegou ao Brasil três anos depois de sua morte, mas caixão continha apenas ossos e serragens
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Cento e trinta anos depois, no entanto, a pesquisadora e genealogista Cinara Jorge descobriu que o caixão que veio para o Brasil provavelmente não continha os restos mortais da condessa Mariana Claudina Pereira de Carvalho, a Condessa do Rio Novo.
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Nas catacumbas de um cemitério na capital britânica há outro caixão, onde repousam seus verdadeiros ossos.
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Tudo começou quando Cinara, membro do Colégio Brasileiro de Genealogia, decidiu mergulhar nos registros biográficos de Mariana Claudina – com o objetivo de escrever o livro, Pioneiros dos Três Rios – A Condessa do Rio Novo e Sua Gente, publicado em 2012.
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“Começaram a aparecer documentos incríveis. Papéis do arquivo do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) que nunca tinham sido estudados”, disse à BBC News Brasil.
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Os documentos antigos revelavam como foram os últimos dias da condessa em Londres, onde tratava um câncer.
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Câncer no século 19
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Tudo começou quando Cinara, membro do Colégio Brasileiro de Genealogia, decidiu mergulhar nos registros biográficos de Mariana Claudina – com o objetivo de escrever o livro, Pioneiros dos Três Rios – A Condessa do Rio Novo e Sua Gente, publicado em 2012.
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“Começaram a aparecer documentos incríveis. Papéis do arquivo do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) que nunca tinham sido estudados”, disse à BBC News Brasil.
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Os documentos antigos revelavam como foram os últimos dias da condessa em Londres, onde tratava um câncer.
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Mariana já era uma viúva de mais de 60 anos quando descobriu que tinha um tumor no ovário. Proprietária de diversas fazendas de café – que ela administrava pessoalmente, já que não tinha filhos – decidiu se tratar com o que havia de melhor à época.
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Em 3 de junho de 1882, ela chegou a Londres. Ali seria atendida pelo médico Thomas Spencer Wells (1818-1897), obstetra, pioneiro em cirurgias abdominais e reputado a ponto de ter sido o cirurgião da rainha Vitória.
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O procedimento foi marcado para o dia 5. Ao que tudo indica, pois era assim que Wells costumava fazer, a operação ocorreu na própria casa onde a condessa ficou hospedada – o médico preferia levar a mesa cirúrgica para a residência de seus pacientes.
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Cartas arquivadas no Itamaraty contam que a condessa morreu às 18h do mesmo dia, por exaustão, ao não conseguir se recuperar da cirurgia, conforme atestou o então cônsul-geral do Brasil em Londres, José Luiz Cardoso de Salles.
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Mariana, seu médico particular – o brasileiro Rodolpho Augusto de Oliveira Penna – e Camila, sua escrava de confiança, ficaram em um imóvel alugado na George Street, no bairro de Marylebone.
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De acordo com uma carta do proprietário da casa, Albert Tatford, para o cônsul brasileiro, o acordo estipulava que o imóvel ficaria alugado por um mês, “a sete guinéus por semana”. O contrato, no entanto, não chegou a ser cumprido.
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“A cirurgia foi feita no dia 5, às 14h. Ela faleceu às 18h do mesmo dia. Foi sepultada na quarta-feira, dia 7, às 9h. Dr. Penna e a criada negra deixaram minha casa na quinta-feira, dia 8, às 7h30”, diz Tatford.
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“Dr. Penna ameaçou, se eu lhe cobrasse o aluguel completo, que ele iria encher os quartos com mulheres de caráter imoral. Portanto, eu só lhe cobrei a tarifa de uma quinzena. Dr. Penna se recusou a pagar até isso.”
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Na época,a dama de companhia europeia da condessa, Izabel Constance Morant, afirmou que “ela inalou pouco clorofórmio, mas foi sedada imediatamente – a cirurgia foi feita com perícia, e a enfermeira era capaz, mas ela (Mariana) não teve forças para se reanimar. Eu acredito que por sua idade, pois sua condição era boa para a cirurgia”.
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Quando voltou ao Brasil, o médico Oliveira Penna deu a notícia da morte da condessa e declarou que havia mandado embalsamar o corpo.
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“Três anos depois, a imprensa divulgou que o caixão com os restos mortais dela estava no cais do Rio de Janeiro, endereçado ao médico. E que ninguém o havia buscado”, conta Cinara Jorge.
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Aborrecido com o aparente descaso, Antonio Barroso Pereira, Barão e Visconde de Entre Rios, foi retirar o caixão no porto. Ele mandou construir um túmulo em mármore de Carrara e realizou o sepultamento da condessa na cidade, em anexo à Capela Nossa Senhora da Piedade, em Cantagalo – justamente a propriedade que foi originalmente da condessa.
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Só no dia 6 de junho de 1887, cinco anos depois da viagem de Mariana a Londres, a cerimônia fúnebre foi realizada, com todas as honras e homenagens.
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Suspeita
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Durante sua pesquisa, Cinara começou a se deparar com jornais da época que traziam alguns relatos estranhos. “O que me espantou foi que havia textos que falavam que, em vez do corpo da finada, quando o caixão foi aberto antes do sepultamento, havia ossos envolvidos em serragem”, afirma.
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A partir daí, ela decidiu buscar registros do sepultamento da condessa – e da possível exumação do seu corpo para ser transportado ao Brasil – em cemitérios de Londres.
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Para tanto, ela teve a ajuda do oficial de chancelaria do Ministério das Relações Exteriores Haríolo dos Santos Araújo, então adido na embaixada londrina.
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“O cemitério católico mais próximo de onde a condessa estava é o Saint James, que fica a dois minutos a pé da casa que ela alugou”, disse Araújo à BBC News Brasil. Mas não era ali que estava o registro.
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“Eu havia identificado, na internet, o cemitério de Saint Mary, que também não era muito distante de onde a condessa morava. Pensei nele como o mais provável, porque é um cemitério identificado como católico, e não anglicano, como o outro”, diz Araújo.
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“Visitei o cemitério em 29 de agosto de 2015, percorrendo as alas e lendo as lápides que ainda existiam, mas não encontrei menção à condessa.”
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Dias depois, Araújo enviou um email para a secretaria do cemitério. “Pensei na possibilidade da cova não ser identificada ou do corpo ter sido exumado e a eventual lápide ter sido retirada”, conta.
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No dia seguinte veio a resposta, positiva. A condessa estava enterrada lá, mas dentro da catacumba da capela.
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“Mostraram-me o registro do enterro da condessa na cripta da capela. Havia realmente um caixão no nicho 199, o número indicado no registro citado. Não havia registro de pedido de exumação do corpo depositado naquele mesmo nicho”, diz.
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As fotos do nicho e da cripta ilustram esta reportagem.
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No Brasil, Cinara ainda pediu que o cemitério lhe enviasse algum documento informando se a condessa havia sido exumada alguma vez.
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Em email datado de 4 de setembro de 2015, Anna Humphrey, superintendente do cemitério, é categórica: “Posso confirmar que a falecida mencionada descansa em nossas catacumbas inferiores e, de acordo com nossos registros, não foi exumada.”
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Esclarecimentos
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A condessa deixou, por testamento, suas terras para sobrinhos e parentes. Mas a fazenda principal, a Cantagalo, acabou ficando para seus escravos – que se viram alforriados. A administração da propriedade acabaria entregue à Casa de Caridade Nossa Senhora da Piedade, uma instituição beneficente fundada por ela.
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O túmulo onde estaria enterrada Mariana Claudina Pereira de Carvalho fica em terreno administrado pela Casa de Caridade.
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Mas Cinara gostaria que os restos mortais ali fossem exumados e que exames de DNA esclarecessem de uma vez por todas que a condessa nunca esteve sepultada em Três Rios. “Após o deslinde desse engano centenário, gostaria que houvesse o traslado dos restos que estão em Londres para Três Rios”, afirma.
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De acordo com ela, a administração da Casa de Caridade se opõe ao processo. A reportagem da BBC News Brasil tentou contato com a provedoria da instituição por email três vezes desde a semana passada, mas não recebeu retorno.
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