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Veja publicação original: CASA TPM 2018 – SÁBADO: Veja tudo que rolou no primeiro dia de evento
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Começou a Casa Tpm 2018!
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Chegamos à sétima edição para chacoalhar certezas, debater fórmulas prontas e refletir: o que é o feminino, afinal?
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E para abrir os trabalhos neste primeiro dia, a percussão totalmente feminina do bloco Ilú Obá De Min ocupou com força e beleza o salão principal do Nacional Club, em São Paulo. Ao som de “Cordeiro de Nanã”, do grupo Os Tincoãs, as guerreiras-dançarinas, cantoras e percussionistas do grupo subiram no palco transbordando axé e saudando Xangô.
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Elas cantaram repertório próprio, pediram “resistência, coragem e amor” e abriram caminho para a programação do dia. Beth Beli, fundadora do Ilú, anunciou que o bloco volta a desfilar nas ruas de São Paulo no carnaval 2019. Pedindo a união feminina, elas deixaram o palco ovacionadas.
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O que é o feminino? Ele pode transformar o mundo?
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A jornalista Milly Lacombe deu as boas vindas à plateia e aos espíritos de luz que chegaram depois dos tambores do Ilú Obá de Min e se derreteu pelo grupo: “Foi a abertura mais bonita de Casa Tpm que eu já vi”, disse, para em seguida anunciar o tema do primeiro debate do dia: “O que é o feminino?”.
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“Faz sentido dividir o mundo entre homens e mulheres?”, provoca Milly, que também dedicou a mesa a três mulheres que nos deixaram este ano: a vereadora Marielle Franco, a sambista Dona Ivone Lara e a tenista Maria Esther Bueno.
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Hora de começar a conversa e receber as convidadas: a atriz Camila Pitanga, a terapeuta e estudiosa do feminino essencial Bebel Clark, e a especialista em empoderamento econômico feminino Alice Freitas. “Estamos aqui nos pensando enquanto humanidade. Algumas essencialidades aprisionam mulheres e homens. Para uma sociedade mais harmoniosa, esses papéis precisam ser questionados e desconstruídos. São ficções”, começou Camila, que arrematou: “A revolução é feminista”, arrancando aplausos.
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Bebel seguiu a prosa: “A gente precisa se conectar com nossa ancestralidade feminina. O mundo está pedindo nossas raízes”, explica. “O sistema patriarcal adora repetir que somos competitivas, mas isso não está na nossa essência. Nossa grande força é a união”, completou.
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Alice Freitas, que trabalha empoderando artesãs brasileiras de baixa renda, reforçou a importância de pensarmos sobre a potência do feminino. “O poder vem de fora para dentro, mas a potência vem de dentro pra fora. A força da mulher está na sua essência, na sua alma”, disse.
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Já no fim da conversa, que transcorreu com muitos momentos de seriedade e outros tantos de empatia e riso, Camila animou a galera com uma pergunta: “Vocês já viram a imagem 3D do grelo, do clitóris? Já fizeram esse exercício? Já viram o tamanho do bicho? Tem que olhar! Homens também, porque vocês podem aproveitar muito bem!”. Na onda, Bebel lançou: “Nossa vulva é tão maravilhosa que deveria se chamar showxota!”.
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As três se uniram para lembrar a importância de um ano como este, de eleição e crise. “Tem que votar em mulher, gente! A representatividade política não está só no presidente. Estamos escolhendo senadoras, governadoras, deputadas. Isso é responsabilidade nossa.”, disse Camila.
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O feminino no cinema
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Na segunda mesa do sábado, as cineastas Petra Costa e Marina Person seguiram o papo trazendo o cinema para a discussão. Petra escolheu quatro filmes que dialogam com questões femininas e editou uma seleção de cenas, que a dupla debateu no palco. A primeira sessão foi do autobiográfico As praias de Agnès, da diretora belga Agnès Varda, pioneira da Nouvelle Vague. “Eu tinha o desejo de falar na primeira pessoa e muito medo. Esse filme foi muito libertador para mim”, contou Petra, que se inspirou em Varda para dirigir seu primeiro trabalho, o também autobiográfico Elena. “O esquecimento de que o primeiro filme da Nouvelle Vague é de uma mulher, da Agnès Varda, é muito sintomático”, comentou Petra. “Na faculdade, metade são homens e metade, mulheres. No mercado de trabalho, você quase não as vê. Nunca conseguimos ultrapassar 17% de filmes feitos por mulheres. 0% de mulheres negras dirigiram filmes no Brasil. Agora, há duas, é uma tragédia. Quando você vê os números, sabe que não é mimimi”, completa Marina.
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A segunda escolha de Petra foi O piano, da neozelandesa Jane Campion. “O filme tem uma sensualidade dilatada, que passa pelo corpo, fica no corpo, contaminada pelo corpo. Isso eu identifico como um olhar feminino no cinema”, explicou Petra. Marina acrescentou que o longa tem uma cena masculina de nu frontal e chamou atenção para como isso é raro no cinema, ao contrário do que acontece com os nus femininos. “Em geral, são mulheres que se despem, o homem nunca mostra o corpo. A genitália masculina não é quase mostrada no cinema”, disse Marina.
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O terceiro filme a rodar nas telas da Casa Tpm foi um dos responsáveis pelo amor de Petra pelo ofício de cineasta: Bom trabalho, da francesa Claire Denis. “É interessante ver a potência do olhar feminino para um tema tão masculino quanto a guerra”, disse. O último filme da seleção de Petra foi o chinês Felizes juntos, de Wong Kar-Wai. “O filme do Kar-Wai aborda uma relação homossexual — e isso nunca é uma questão — , de forma natural”, reflete Marina.
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Precisamos falar com os homens
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Está confuso para os homens também. Por isso, Felipe Gil, diretor de conteúdo da editora Trip, recebeu o ator Jesuíta Barbosa, a promotora de justiça Gabriela Manssur e o fundador do Papo de Homem Guilherme Nascimento, para refletir sobre a participação masculina nas discussões de gênero.
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“A gente era machista sem achar que era”, confessou Guilherme, lembrando do início do Papo de Homem, há mais de dez anos. Ele dividiu com o plateia as reflexões que o levaram a questionar suas posições machistas e abrir o diálogo com as mulheres que antes o criticavam e, só assim, passou a compreender um pouco mais sobre seus próprios preconceitos. “O foco do meu trabalho hoje é pensar como a transformação dos homens acontece na prática. Vocês não tem ideia do que está acontecendo com os meninos. Cada vez mas homens querem se transformar, mas eles precisam de ajuda.” Para Guilherme, um dos principais gatilhos para a transformação masculina é o afeto.
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Jesuíta Barbosa refletiu no palco sobre a relação com o próprio pai para entender de que maneira o machismo esteve presente em sua criação. “Cresci em uma cidade muito machista e foi pela arte que consegui entender outras possibilidades que eu tinha na sociedade”, concluiu. “Minha relação com meu pai hoje é mais afetiva do que era antes”.
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Gabriela contou um pouco de suas experiências nos encontros de reeducação de homens agressores. “Tive a ousadia de intimar esses homens que estavam sendo processados. Achei que iam me matar, era um cara de ódio. No processo, conseguimos diminuir a reincidência. Precisamos ouvi-los. Eles querem falar sobre ciúme, sobre trabalho, sobre como lidam com as mulheres modernas”, disse. “Dá pra transformar, sempre é tempo”, completou, antes de a mesa se tornar uma conversa com a plateia.
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“Talvez uma masculinidade feminina seja interessante agora. O macho-fêmea, essa coisa de conseguir misturar. Tirar um síntese disso pode ser bom. O masculino possível é a gente continuar utilizando a linguagem e os espaços para discutir isso”, refletiu Jesuíta.
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O candomblé e o feminino
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Nivia Luz foi escolhida há três anos, no jogo de búzios, para ser a ialorixá do Ilê Axé Oya, em Salvador. Ela assumiu o terreiro que até então era liderado por sua avó, Mãe Santinha. “Estou vivendo um turbilhão de emoções”, revelou, para em seguida falar sobre a estrutura familiar dos terreiros e das profundas relações que trava com a comunidade que a cerca.
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A ialorixá convocou todas as deusas a participar de sua conversa sobre candomblé com a jornalista Adriana Couto. “Não é apenas Nivia que está falando, estou trazendo vozes de muitas mulheres que foram silenciadas durante séculos”, disse. Adriana falou sobre a responsabilidade e a importância de lutar para transformar e Nivia acrescentou que “quando você é uma mulher preta de periferia e tem sonhos, você sempre luta”.
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Formada em turismo, Nivia contou um pouco de suas pesquisas sobre a complexa relação entre candomblé e turismo “Muitas agências incluem em seus roteiros visitas ao terreiros sem nem se preocupar em entender o que estava acontecendo ali”, questiona.
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A íntima relação entre o feminino e o candomblé também foi assunto da ialorixá: “A terra tem uma energia feminina, tudo nela brota. A gente tem as energias femininas, as águas, oxum. Quando reverencio a terra, estou dizendo que essa essência é feminina, que o candomblé é feminino”.
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Ben & Jerry’s apresenta comunidade LGBT+ e democracia
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“Não adianta a gente deixar para sempre homens brancos héteros decidindo nossas vidas”, disse Milly Lacombe antes de anunciar a mesa sobre democracia e comunidade LGBT+, apresentada pela Ben & Jerry’s. Subiram no palco Iran Giusti, jornalista e fundador do Centro Casa 1, Daniela Andrade, programadora e diretora do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, e Ericah Azeviche, atriz.
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Iran abriu a conversa com um poderoso discurso chamando atenção para a discussão de classe. “Quem mais morre hoje de HIV são as mulheres negras”, afirmou. A pauta da saúde foi um dos pontos centrais da fala de Iran, que chamou atenção para a importância de falarmos sobre saúde mental. “As tentativas de homicídio entre pessoas LGBT+ são quatro vezes maiores do que entre pessoas cis”, alertou. “Os transexuais eram considerados doentes mentais até semana passada”, lembrou Daniela.
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A política chegou ao centro da discussão pela voz de Ericah Azeviche: “Precisamos de pessoas de dentro da comunidade LGBT+ que cheguem no sistema político, que surja uma organização que dialogue com essa estrutura de poder, que tem sua própria linguagem. A política desenha nossas vidas e a gente precisa entender o poder judiciário, legislativo e executivo para que a gente consiga ter esperança de ter uma educação que não mutile a diversidade dos corpos”, destacou.
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Daniela lembrou os chocantes dados que mostram o Brasil como o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. “A expectativa de vida é de 35 anos. Somos todos aqui presentes produtores e indutores do assassinato dos transexuais. A mídia tem papel importantíssimo na desumanização cotidiana dessa população em que 90% precisa se prostituir. Não é possível dizer que 90% faz isso porque quer. Não existe oportunidade.”
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Durante a mesa, Gui Mohallen e Felipe Oliva, representantes da Ben & Jerry’s e também integrantes do coletivo #VoteLGBT, subiram no palco para falar sobre a importância da representatividade política no processo de transformação dessa complicada realidade do universo LGBT. “Dos 504 congressistas, só um é gay, só 20% são negros e 10%, mulheres”, afirma Gui. “Muitos brasileiros acham que política é só na época da eleição. A gente deveria falar de política todos os dias”, afirma Daniela.
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O que o corpo revela sobre o feminino?
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A atriz Maeve Jinkings, a terapeuta tântrica Letícia Bhakti e a obstetriz Ana Cristina Duarte se juntaram a Milly Lacombe para um papo sobre o corpo feminino e seus mistérios. “A gente nem imagina a potência que esse corpo aguarda”, pensa a terapeuta, que falou sobre a importância das mulheres conhecerem o próprio corpo, o próprio prazer, e não depender de ninguém para suas descobertas físicas e sexuais.
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“O clitóris tem oito mil terminações nervosas. A maioria das mulheres é infeliz porque não tem prazer na vida. Isso começa na sexualidade. Orgasmo é potência, cria vida”, diz Letícia. Maeve usou sua experiência como atriz para refletir sobre a sexualidade feminina. “Sempre que faço uma cena de sexo, as pessoas ficam inquietas. Sexo é muito estigmatizado. No audiovisual, o corpo feminino é historicamente muito objetificado. O trabalho do ator é uma forma de antropologia do corpo”, analisa.
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Outro tema intimamente ligado ao corpo da mulher é a gravidez. “Ainda tem muito homem que não transa com mulher grávida, tem muito tabu. A gente está gerando crianças com o peso do pecado. A capacidade de parir está ligada a capacidade de lidar com as sensações do corpo”, disse Ana Cristina, que completou chamando atenção para a “mistificação da gravidez como um puro deleite, enquanto na verdade é um processo de muita labuta”.
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Maeve se abriu sobre a pressão que existe em torno do tema. “Eu não tive filhos e, em determinado momento da vida, isso foi uma crise gigante pra mim. Até o momento em que eu entendi, em um processo muito doloroso, que eu não preciso ser refém desse desejo”, contou.
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Milly lembrou da importância de falar sobre a legalização da interrupção da gravidez, especialmente considerando os extremos recortes de classe no Brasil. “Isso esbarra no direito básico de decidirmos sobre nosso corpo. Ainda estamos falando disso em 2018? Se é direito a mulher recusar uma gravidez? Esses caras que estão falando que não pode levam suas amantes em clínicas”, defendeu Ana Cristina. “As mulheres pobres continuam morrendo disso e deixando seus filhos órfãos, e a gente continua advogando sobre o corpo dessas mulheres”, completou. O papo terminou com um sonoro lamento da plateia, que queria mais.
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Uma ideia em cinco minutos: Bárbara Paz
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Fechando a programação de conversas do primeiro dia da Casa Tpm, a atriz Bárbara Paz recebeu o microfone para falar sobre liberdade. “Cresci querendo ser menino até descobrir que quem me domina é uma mulher. Faz pouco tempo que eu consegui aceitar a mulher em mim, mas eu amo ser mulher. A mulher não desiste fácil, ela ama em demasia, sente em demasia, ela pode tudo. Nos procriamos onde colocamos o cérebro. Eu amo ser mulher para poder cuidar do homem que mora em mim. Nós somos o equilíbrio”, disse. Em seguida, Bárbara convidou outras mulheres a dividirem suas experiências no palco. Vieram relatos de descoberta profissional, ativismo, negritude, sexualidade e poder. Enfim, liberdade feminina.
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Hora de cantar junto
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Queremos comer Caetano! O encerramento do primeiro dia da Casa Tpm 2018 ficou por conta do bloco Tarado Ni Você, que trouxe os sucessos do baiano para o salão do Nacional Club e todo mundo ficou odara. Até amanhã.
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