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Veja publicação original: Elas disseram ‘não’ à maternidade e abriram mão de relações estáveis
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Por Laís Rissato
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Se você é mulher, tem um relacionamento estável e está na faixa dos 30 anos, já ouviu pelo menos uma vez a pergunta: “E os filhos, quando chegam?”. A cobrança parece ser ainda mais forte e constante quando vem da família e dos pais do casal, na ânsia para ter um neto. Mas há mulheres convictas de não possuir qualquer instinto materno.
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O julgamento social é quase inevitável e, segundo a psicóloga e psicoterapeuta Angela Martinelli, de São Paulo, que atua há 35 anos na área da família, o fato de muitas mulheres não quererem ter filhos não é um fenômeno novo. “A diferença é que hoje você pode não seguir um padrão. Muitas têm filhos pelo destino ou por imposição do parceiro, e acabam não percebendo que têm o poder de escolha. Ter a responsabilidade de gerar e cuidar de uma vida, muitas vezes, pode soar como algo extremamente opressor e de perda da liberdade”, explica ela.
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Angela ainda diz que as mulheres são condicionadas, desde a infância, a aprender a cuidar de um bebê, seja nas brincadeiras de casinha ou nos cuidados com as bonecas. Outro fator importante, gerando a cobrança social excessiva, é que os filhos garantem a continuidade da espécie, o que acaba sendo uma “prova” da masculinidade do homem. “É muito complicado. Sempre vamos ter um vazio existencial porque, para termos uma coisa, vamos perder outras. E, no geral, não queremos perdas.”
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Conheça mulheres que desafiaram esse padrão social e, inclusive, abriram mão da vida com o parceiro, que sempre sonhou em ser pai.
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“Eu te amo, mas nunca vou te dar um filho”
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“Desde criança, nunca tive vontade de brincar de boneca ou de casinha. Como nasci no Rio, eu vivia na praia, além de me dedicar a outras atividades, como aulas de violão, canto, inglês e piano. Quando criança, fazia propagandas para marcas de roupa e cheguei até a fazer um teste para cantar no Trio da Alegria (banda fez muito sucesso com o público infantil nas décadas de 1980 e 1990).
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Sempre vi filho como um obstáculo, não quero ter que parar a minha vida para cuidar de alguém, saber que alguém poderia depender de mim me causa certa aflição. Sou fisioterapeuta e sempre foquei muito na carreira, quero ser sempre melhor no que faço. Tenho medo da gravidez, de ter que educar alguém. Talvez seja egoísmo da minha parte, mas sempre foi assim.
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Todos os meus relacionamentos foram curtos mas, este último, que acabou há cinco anos, foi o de maior duração, quatro anos e dez meses. Nos dois primeiros anos não falávamos disso, mas quando começou a ficar mais sério e pensamos em morar juntos, eu abri o jogo e disse: ‘Nunca esteve nos meus planos ter um filho’. Foi quando a relação balançou, mas ele sempre esperava que eu fosse mudar de ideia.
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Eu o amava, o nosso relacionamento era perfeito, mas eu não tinha o prazer e a vontade de ter uma família, e, então, as brigas começaram a ficar constantes e nossa relação desgastou. O meu ex-namorado precisava ser pai, era o sonho dele. Eu dizia ‘Eu te amo, mas nunca vou te dar um filho’.
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Então decidimos abrir mão de um sentimento bom. Ele entendeu isso como um tempo, mas eu sabia que era o fim. Ele percebeu que eu realmente não ia mudar de opinião, o tempo foi passando, ficamos distantes e acabou. Fui muito criticada por minhas amigas, que me chamavam de louca por causa disso, mas, felizmente, minha família me apoiou. Hoje somos amigos e ele é realmente feliz, porque se tornou pais de três crianças.
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Eu fiquei muito triste na época, mas não deixei de viver, porque estava no auge da minha carreira. Hoje, procuro um homem que já seja realizado nesse sentido. As mulheres precisam perder o medo de assumir que não querem ter filhos. Muitas têm por causa do marido e se perdem quando chega uma criança”. Michelle Gomes, 39 anos, fisioterapeuta
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“Quando engravidei, estava certa que minha vida tinha acabado”
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“Minha mãe foi mãe muito nova, aos 15 anos. Minha avó a apoiou, mas sei que ela sentiu o peso de ter uma filha tão cedo e eu não queria isso para mim. Comecei a namorar o meu ex quando tinha 16 anos. Nós praticamente crescemos juntos, mas não chegamos a casar ou dividir a mesma casa.
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Com o passar dos anos, percebi que ser pai era uma grande vontade dele, por ser filho único. Ele dizia que queria ter uma família grande e muitos filhos, e eu ficava olhando e pensando… ‘bom, então tá, mas eu não sei se quero isso.’. Aos 25, acabei engravidando. Nós usávamos métodos contraceptivos, mas, pelo tempo da relação, que durou 11 anos, teve um momento em que transamos sem camisinha.
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Na hora, eu fiquei desesperada, porque estava prestes a me formar na faculdade, no curso de Produção Cultural, e a carreira era meu foco. Quando contei, ele a princípio não ficou muito feliz, mas, logo em seguida, mudou de ideia e quis muito ter o filho.
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Eu passei algumas semanas pensando no que ia acontecer, e, no fundo, não queria aquela criança. Chorava sem parar, fiquei nervosa e tinha certeza que minha vida tinha acabado. Um dia, comecei a sangrar e descobri que havia sofrido um aborto espontâneo. Foi difícil e um alívio muito grande ao mesmo tempo, mas, a partir disso, eu tive ainda mais certeza de que não queria ser mãe e a nossa relação foi ficando pior com o passar dos anos.
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Ele começou a não confiar mais em mim e as brigas eram constantes. Quando falei que precisava de um tempo, para entender o que poderia acontecer com a nossa relação depois do aborto, ele terminou comigo e colocou a culpa de tudo em mim, como se eu não o tivesse respeitado.
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Apesar disso, ainda nos falamos e ele tem um lugar bastante especial na minha vida. Todo mundo fala o tempo todo que você tem que ser mãe, é uma pressão grande. E eu sempre tentei identificar o por quê não queria, inclusive na terapia. Apesar disso, acho que a mulher é quem deve decidir seu caminho.” Rayani Fernandes, 26 anos, produtora
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