Saiu no site COSMOPOLITAN:
Veja publicação original: O mito da feminista feia
.
Por Letícia González
.
Sem vaidade, que detesta os homens, não usa sutiã… De onde saiu essa imagem atribuída às mulheres que lutam por direitos iguais?
.
Bem antes da internet, o pessoal trocava ideia lendo jornal. Estou falando do século 19, antes da TV e do rádio. Imagine como demoravam a se armar os bate-bocas: um artigo defendia a queda do rei e só na edição seguinte vinha a resposta. As publicações também usavam o humor — sempre ele, tão potente — para espalhar ideias. Cartunistas como o francês Honoré Daumier se tornaram famosos assim, desenhando e alfinetando.
.
Foi por essa época que as mulheres se jogaram na vida pública. Queriam mais liberdade dentro do casamento, acabar com o trabalho infantil e ter o direito de votar. Não demorou para serem caricaturadas, mas os primeiros desenhos nada tinham a ver com essas reivindicações. Nas charges, as feministas apareciam tramando para agarrar solteiros à força, pisoteando homens honestos e abandonando bebês com fome. As poucas fisicamente atraentes só pensavam em sexo, e a maioria tinha nariz encurvado e pés de galinha.
.
Mulheres com uma causa sempre foram tachadas de feias ou indelicadas, mesmo que o rótulo tivesse pouco a ver com a realidade. As pétroleuses, participantes das comunas de Paris, entraram para a história como piromaníacas descabeladas e furiosas. Ateavam fogo em tudo e, assim, causaram a avalanche de vandalismo do movimento. A história mostrou que não foi nada disso.
.
Nos anos 60, quando o movimento feminista foi às ruas e reclamou, entre outras coisas, dos concursos de beleza, disseram: “É inveja”. Não era. Era sobre a beleza ser o único jeito de uma mulher entrar na TV. Afinal, nem todos os políticos, jornalistas e artistas homens eram belos. As câmeras apontavam para eles mesmo assim. Ainda hoje, os homens têm a sorte de serem vistos com neutralidade. São o que são, o que dizem, o que fazem. Conosco, você sabe que é diferente.
.
Primeiro somos um rostinho bonito. Só depois podemos dizer “Preste atenção em mim, sou mais do que isso”. O julgamento pela imagem nos persegue e tudo o que pensamos mora atrás dessa fachada. Boa sorte tentando atravessá-la. Ou se é bonita demais ou feia demais para ser ouvida. Passo longe das camisetas “feminina e feminista” justamente por isso.
.
Pode ser só minha leitura pessoal, mas vejo nelas uma confusão entre as ideias que defendemos e a imagem que ainda nos preocupamos em transmitir. Queremos menos violência, certo. E que importa, para isso, o jeito como falamos, a roupa que usamos, a cor com que pintamos as unhas e nos pintamos? Esses detalhes moram dentro da palavra “feminina”, e, por isso, ela me soa como pedir licença.
.
Tentar ser agradável aos olhos não é uma estratégia besta, pelo contrário. Ela tem uma lógica de adaptação muito grande. Mas a que exatamente estamos nos adaptando? Nossas roupas não são nossas ideias, e os direitos que merecemos nada têm a ver com o nosso rosto. Essa confusão foi criada lá trás, quando ridicularizar uma imagem era mais fácil que desmontar um argumento.
.
.
Letícia González
.
É jornalista e mestre em sociologia pela Sorbonne, em paris. Há oito anos escreve sobre desafios femininos, direitos humanos e mulheres sensacionais. No site Calma.vc, ela investiga nossa relação com a beleza.
.
.
.
.
.