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Veja publicação original: Aline Ferreira: A busca por quebrar o silêncio e os preconceitos em torno do HIV
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Jovem nasceu com o vírus e atua para disseminar informação e conhecimento sobre o assunto: “Viver com HIV é só mais um aspecto entre tantos outros que me compõem.”
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Aline é uma jovem de 28 anos. Estuda psicologia, atualmente em Natal – mas iniciou o curso em São Paulo, onde nasceu e foi criada. A relação com o curso é de amor e ódio. Muitos questionamentos. Curte cerveja e o mar. Está com os cabelos curtos e roxos. Brinca que fica mais difícil combinar com as roupas. Lamenta que esteja sem sutiã naquele dia, senão teria escolhido usar uma blusa transparente. Comeu um lanche com batata frita quando chegou a capital paulista para participar de um evento em um centro cultural da cidade. Foi convidada para falar sobre negritude e HIV.
Achou bom que o tema era esse e que nem estamos em dezembro, veja só – é quando há o Dia Mundial de Combate à Aids. “[Só se fala disso] no carnaval ou em dezembro e de forma pontual, sem discutir estrutura sendo que a Aids está relacionada à violências estruturais. Então se a gente não conseguir discutir do por quê ainda existe a discriminação em torno dela, vai continuar sem avançar. Acho que a gente ainda tem embargos morais dos tabus que envolvem a sexualidade que impedem que a gente fale de Aids. Seja para prevenir, ou mostrar a situação.”
Entendo que viver com HIV é só mais um aspecto entre tantos outros que me compõem. Sou a Aline, eu tenho HIV, mas eu também sou preta e estudo psicologia e tantas outras questões que me envolvem.
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Aline é soropositivo desde que nasceu. Contraiu o vírus por transmissão vertical. Quando tinha dois anos o pai morreu por complicações em decorrência da Aids. Pouco tempo depois o mesmo aconteceu com a mãe. Foi criada junto com seu irmão mais velho pelos tios. Hoje, assume uma luta que sabe que não é só dela e reconhece bem a importância de falar sobre o HIV e de tentar quebrar as inúmeras barreiras e preconceitos que existem em torno do tema. Encontrou sua voz para isso.
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E fala com propriedade. “A Aids é um grande problema de saúde pública porque ela atinge uma população, de forma mais proeminente, que é historicamente desassistida: os mais pobres, pretos, as bichas e é por isso que desde a década de 80 a gente chama a Aids de epidemia social e hoje a gente continua passando pelas discriminações. Ainda temos todo o estigma da Aids e de forma silenciada.” Mas ela faz sua parte para quebrar esse silêncio.
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Acho que a gente ainda tem embargos morais dos tabus que envolvem a sexualidade que impedem que a gente fale de Aids. Seja para prevenir, ou mostrar a situação.
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Hoje, está em um grupo de pesquisa no Rio Grande do Norte que estuda como aumentar a produção das células de defesa do corpo com alguns exercício físicos, faz parte da Rede Estadual de Jovens Vivendo com HIV de São Paulo e integra um coletivo, o Loka de Efavirenz. Todas as atuações são ligadas à produção e troca de conteúdo e informação sobre HIV. E foi com o envolvimento em grupos desse tipo e na militância que Aline encontrou uma forma de ressignificar muita coisa e de dar força à sua voz. O que foi essencial. “Acho que o principal foi entender o HIV como parte de quem eu sou e conseguir falar disso. Entendendo que viver com HIV é só mais um aspecto entre tantos outros que me compõem. Acho que esse foi o grande ganho e conseguir trazer isso para o meu ciclo [foi importante]. É isso… sou a Aline, eu tenho HIV, mas eu também sou preta e estudo psicologia e tantas outras questões que me envolvem.”
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Ainda se coloca o sigilo como uma obrigação que é muito dolorosa. E é importante entender que o sigilo é um direito, mas que se você quiser contar sobre isso, que não seja um problema, que tenha espaços seguros para isso.
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Ela lembra que até o tom de voz era outro quando ia contar para alguém que tinha HIV. Dá um sorriso leve e imita como fazia… cabeça pra baixo, quase como um lamento: “Ah, eu tenho HIV”. Agora não é mais assim. “Acho que consegui ressignificar esse lugar. E é um pouco isso o que a gente tenta levar para as outras pessoas que vivem com HIV porque ainda se coloca o sigilo como uma obrigação que é muito dolorosa. E é importante entender que o sigilo é um direito, mas que se você quiser contar sobre isso, que não seja um problema, que tenha espaços seguros para isso.”
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A Aids é um grande problema de saúde pública porque ela atinge uma população, de forma mais proeminente, que é historicamente desassistida: os mais pobres, pretos, as bichas.
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Aline encontrou seu espaço e quer ajudar a criar outros. E é por isso que valoriza as oportunidades para debater o assunto. “Acho necessário. E fico feliz de saber que conseguimos ocupar esses espaços, trazer a nossa voz. Porque essa é outra característica da Aids. A gente está há muito tempo escutando sobre ela a partir de quem não vive ela. Então que bom que a gente pode estar dentro desses espaços legitimados, a academia, as exposições, e pode falar deste corpo que vive com HIV.”
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Ela fala. Reconhece os avanços na parte técnica e nos tratamentos, mas pontua todos os desafios que ainda existem na área social. E espera realmente que as coisas possam mudar. “Pelo menos que a gente consiga entender a Aids como doença e não a partir do momento em que a gente fala disso já ter traçado um corpo: ‘ah é uma bicha, drogada, preto, favelado, promíscuo e sem deus no coração’. Acho que a gente tem que conseguir tirar a Aids desse lugar, que também é o lugar que mais nos adoece. E a gente morre. Talvez a gente possa inclusive nomear de assassinato. A gente morre de desassistência, desse lugar que a gente foi colocado. Acho que é isso que precisamos ressignificar.”
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Fico feliz de saber que conseguimos ocupar esses espaços, trazer a nossa voz. Porque essa é outra característica da Aids. A gente está há muito tempo escutando sobre ela a partir de quem não vive ela.
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É o que ela pensa. E diz. E se engana quem acha que Aline fala alto. O tom pode ter mudado ao longo do tempo, mas sua voz não precisa se alterar muito. Ela é capaz de ecoar naturalmente. Porque força ela tem de sobra.
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Entre muitas outras coisas, claro.
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Ficha Técnica #TodoDiaDelas
Texto: Ana Ignacio
Imagem: Caroline Lima
Edição: Andréa Martinelli
Figurino: C&A
Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC
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