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Veja publicação original: Erica Butow: A jovem que compartilha conhecimento para melhorar a educação
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Filha de empregada doméstica e judeu fugido da guerra fundou uma ONG para desenvolver lideranças no ensino. “A gente acredita no poder coletivo dessas pessoas e não no super herói ou super heroína”, conta.
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Logo de cara pode ter um clima sutil de sala de aula. A parede de lousa tem uma força grande. Sua imponência naquele tom de verde tão específico, que só uma lousa tem mesmo, está ali. Para completar, as frases em giz – colorido. Não são exatamente conteúdos de uma matéria ou exercícios para copiar. São algumas ideias para refletir. Ou objetivos para não esquecer. É ali que ela trabalha. Essa energia leve de sala de aula pairando no ambiente.
Erica Butow, 34 anos, fundadora da ONG Ensina Brasil, gosta disso. Desde muito cedo teve os melhores professores. Em casa mesmo. Talvez porque os pais trouxessem em si mesmos a história – e automaticamente os ensinamentos. O pai, alemão, judeu, chegou ao Brasil na década de 1930 fugido da guerra. Era juiz. Sempre estudou muito. Foi o único da família que conseguiu sair da Alemanha (seus pais foram para campo de concentração). A mãe nasceu no sertão de Pernambuco. Começou a trabalhar na roça aos cinco anos. Cresceu longe da sala de aula. Foi para São Paulo sozinha aos 15 anos, analfabeta, para trabalhar.
“Minha mãe foi empregada doméstica a vida inteira e trabalhou para o meu pai. De um lado eu vi todos os desafios da minha mãe por não ter tido educação. Ao mesmo tempo em que meu pai me deu uma educação muito diferenciada.”
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Foi com essas referências em casa que Erica se formou. “Minha mãe foi empregada doméstica a vida inteira e conheceu meu pai, já mais velho. Ele tinha 74 anos quando eu nasci. Minha mãe trabalhou para o meu pai, então nasci em uma família peculiar. De um lado eu vi todos os desafios da minha mãe por não ter tido educação. Ao mesmo tempo em que meu pai me deu uma educação muito diferenciada.”
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Assim, ela viu de perto o poder de transformação que a educação pode ter na vida das pessoas e focava nisso. Tinha prazer em ser a melhor aluna da escola, conseguia bolsas de estudo, se dedicava a aprender e descobrir tudo de novo que os estudos podiam lhe passar. “Eu queria ter a liberdade de escolher. Minha visão de educação é essa… poder escolher o que você quer fazer e saber como escolher, ter o conhecimento para isso e estar empoderado para escolher”. Foi o que ela fez. Em 2016, por escolha, criou a ONG Ensina Brasil para possibilitar que, no futuro, outras pessoas possam fazer o mesmo.
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“Eu queria ter a liberdade de escolher. Minha visão de educação é essa… poder escolher o que você quer fazer e saber como escolher, ter o conhecimento para isso e estar empoderado para escolher.”
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Formada em administração pela USP, trabalhou em grandes empresas, mas começou a se questionar sobre o que realmente queria fazer. Iniciou trabalhos voluntários, deu aula em comunidades de São Paulo e tudo foi ficando mais claro. Em casa, alfabetizou a mãe, deu aula para a tia. Percebeu que sua escolha já estava feita. “Decidi fazer essa mudança de carreira.” Mas não sem antes estudar mais. Conseguiu bolsa, foi para os EUA buscar mais conhecimento, trabalhou com educação por lá e aqui no Brasil, quando voltou, e há dois anos conseguiu concretizar seu grande projeto.
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“É uma ONG voltada para melhoria da educação. Nossa visão é que aquilo que está escrito na parede se concretize e que um dia todas as crianças tenham uma educação de qualidade. Então a gente tem um programa que atrai jovens talentos que poderiam estar fazendo qualquer coisa da vida, mas que decidem efetivamente trabalhar com a mão na massa e com um propósito melhorando a educação.” A organização seleciona profissionais já formados de diversas áreas que irão atuar como professores de escolas públicas por dois anos.
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“Nossa visão é que um dia todas as crianças tenham uma educação de qualidade. Então a gente tem um programa que atrai jovens talentos que decidem efetivamente trabalhar com a mão na massa e com um propósito melhorando a educação.”
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O objetivo é que ao fim desse processo eles continuem fazendo a diferença na área e que seja criada uma rede de futuras lideranças na educação. “Eles vão se tornar professores de escolas públicas vulneráveis. É o que vão fazer, é isso que escolhem fazer. Eles recebem uma formação, treinamento durante esses dois anos e a ideia é que consigam ter um impacto positivo na vida dos alunos que eles atingem e que se desenvolvam com essa experiência.”
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Atualmente, o projeto conta com 130 professores em sala de aula de sete cidades e impacta cerca de 30 mil alunos. A ideia é, no futuro, ampliar as parcerias com os governos e chegar a mais lugares. Erica sabe que o desafio é grande. Mas acredita que, aos poucos, essa rede pode crescer e muitas vidas podem realmente mudar com isso tudo. “[Com uma boa educação] você abre uma janela que o aluno não tinha visto antes. Muitos alunos são filhos de mães solteiras, sofrem abusos de diversos tipos e têm muita defasagem de aprendizado. A gente vê as histórias de evolução e é incrível.”
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“Você abre uma janela que o aluno não tinha visto antes. Muitos alunos são filhos de mães solteiras, sofrem abusos de diversos tipos e têm muita defasagem de aprendizado. A gente vê as histórias de evolução e é incrível.”
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Nesse processo, o contato dos alunos com esses professores e a troca desses jovens com os docentes que já estão na rede de ensino ganha potência. Dividir as experiências e os conhecimentos que cada um tem transforma. “[Queremos] uma rede expandida porque o problema é grande demais para fazer alguma coisa sozinho. A gente acredita no poder coletivo dessas pessoas e não no super herói ou super heroína.”
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“O problema é grande demais para fazer alguma coisa sozinho. A gente acredita no poder coletivo dessas pessoas e não no super herói ou super heroína.”
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Erica fala com muito ânimo e empolgação sobre a ONG e as possibilidades que ela acredita que todos os envolvidos com o trabalho podem ter. É uma energia de quem está acostumada a passar isso para frente. Aquela coisa de gente que sempre esteve em uma sala de aula ensinando alguma coisa. Mas não é só isso. Erica sabe que os grandes ensinamentos podem até passar ali pela lousa, mas muita coisa vem de outros lugares. E pode atingir muita gente, muito além da lousa. Desde que seja compartilhado.
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Ela aprendeu bem.
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Ficha Técnica #TodoDiaDelas
Texto: Ana Ignacio
Imagem: Caroline Lima
Edição: Andréa Martinelli
Figurino: C&A
Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC
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