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Veja publicação original: Maria Portela: A babá que driblou o destino e hoje é líder do ranking mundial de judô
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Se tem uma coisa que Portela fez, foi correr atrás do próprio sonho de se tornar uma atleta olímpica. “Eu só quis largar o judô uma vez, quando tinha 14 anos. Foi minha mãe quem não me deixou sair”.
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Maria Portela correu – e muito – atrás do sonho de ser uma atleta olímpica. Saiu de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, para Criciúma (SC), e de lá para a também catarinense Joinville, e então para Florianópolis, depois para São Paulo, até chegar a Porto Alegre, sete anos atrás, e conquistar espaço no time olímpico brasileiro. Hoje, é a número 1 no ranking mundial em sua categoria (peso médio, até 70kg). E esse caminho não foi nada fácil.
Terceira filha entre quatro irmãos, Maria de Lourdes Portela cresceu em Santa Maria, a 300 km de Porto Alegre. Perdeu o pai aos 6 anos de idade para uma infecção causada por uma bactéria existente silos de arroz onde trabalhava à época. Compelida a trabalhar como empregada doméstica, sua mãe, a viúva Sirlei, deixava a prole aos cuidados da filha mais velha, Aline, então com 12 anos.
“Eu só quis largar o judô uma vez, quando tinha 14 anos, por influência das colegas de escola. Foi minha mãe quem não me deixou sair.”
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Aos 9, a inquieta Maria foi apresentada ao Projeto Mãos Dadas, que oferecia aulas de judô na escola. “Eu não sabia nada sobre judô, mas era de graça, então me interessou”, relembra. Sirlei só permitiu que ela participasse com a condição de que levasse o irmão caçula junto. Lá, Maria treinou até os 17 anos. Só pensou em deixar o judô uma vez, aos 14, por “influência das colegas de escola”, e foi a mãe quem não a deixou sair.
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Nas competições, ganhava de todo mundo, inclusive nas categorias acima da sua, e, durante um campeonato, recebeu um convite para treinar em Santa Catarina. De novo, Sirlei foi decisiva, dizendo que estaria do lado da filha se ela quisesse partir. “Aquele foi o momento mais importante da minha vida, de largar tudo para ir treinar judô. Ali, eu pensei: é para a vida toda”, conta. Em Criciúma, dividia um apartamento com mais quatro meninas, custeado pela prefeitura, ia para a escola e treinava. “Foi horrível, eu estava sozinha e não conhecia ninguém”, lembra Portela.
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Seis meses depois, seu sensei (o treinador), deixou Criciúma, e Portela foi para Joinville. Sem o mesmo suporte da prefeitura, foi morar em uma casa de família, onde trabalhava como babá durante o dia, e treinava à noite, mas essa rotina acabou por prejudicar a preparação. De lá, mudou-se para Florianópolis, onde morou por um ano no mesmo esquema: cuidava da pequena Letícia, de 3 anos, o dia todo, e treinava à noite.
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“São Paulo foi a pior fase. Sem dinheiro, foi onde mais perrengue eu passei, mas aprendi muito. Não tenho do que reclamar.”
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Em 2007, aos 19 anos, Portela achou um caminho para seguir o sonho antigo de treinar em São Paulo, e entrou para a equipe de Henrique Guimarães, ex-atleta olímpico. Naquele ano, ganhou medalha de ouro no campeonato Panamericano. Em 2008, já na seleção brasileira de judô, passou a receber uma bolsa e trocou a casa da família de outro atleta, onde morava de favor, por uma república de esportistas. “Quando todo mundo recebia, a gente ia para o supermercado junto fazer a compra do mês. A geladeira estava sempre vazia, mas nesse dia, a gente se reunia, fazia um jantar, uma festa”, lembra.
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Mas São Paulo foi dura com ela. Além da pouca grana, tinha de se deslocar da Zona Sul para a Zona Norte todos os dias. No tatame, os resultados não apareciam. Com 1m58, Portela enfrentava adversárias 10 centímetros mais altas, mas com o mesmo peso. Com envergadura bem maior, ficava fácil deter a “Raçudinha” (apelido dado a ela pelo judoca João Derly).
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“Eu me cobrava muito, não curtia as competições e só pensava no resultado. Me comparava todo o tempo outras atletas e não valorizava o que eu já tinha conquistado. Agora isso mudou.”
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Em 2010, ela recebeu um ultimato da Confederação Brasileira de Judô: tinha de se adequar e descer para a categoria peso leve, de até 63kg. Perdeu sete quilos em dois meses e meio, e também todas as lutas. Não tinha a agilidade das atletas mais leves. “Fui de ganhar tudo para nada. Me senti um lixo.” Foi a chave de lata para fechar um ano frustrante. “Eu tinha muita dificuldade financeira em São Paulo, estava só sobrevivendo”.
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Então, Maria decidiu voltar para o peso médio, e compensar o problema da altura com treino. “Encarei de frente, parei de me questionar e achar que tinha de baixar para 63kg. Foquei em ficar na minha categoria e tudo clareou”. Em seguida, veio o convite para treinar na Sociedade GInástica Porto Alegre (Sogipa), e ela voltou para o Sul em 2011 graças à insistência de Antônio Carlos Pereira, o Kiko, seu sensei até hoje.
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“Eu nunca pensei em dar um passo para trás. É sempre daqui para a frente.”
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Pela primeira vez, Maria assinou um contrato de uso de imagem. O clube (que hoje concentra o maior número de atletas de seleção no Brasil: 14) pagava aluguel, oferecia refeição, estrutura de treinamento, fisioterapia, custeava as viagens. Em um ano e meio, Maria Portela foi de trigésima segunda a oitava no ranking mundial. “Pela primeira vez, eu estava em uma equipe onde não era a referência. Treinava com João Derly, Mayra Aguiar, Felipe Kitadai”.
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“Minha mãe se culpa muito por não ter nos educado como gostaria, não ter dado mais atenção, mas ela é uma guerreira, minha melhor amiga, meu maior exemplo e inspiração.”
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Mas, justamente quando tudo estava dando certo, veio o maior tropeço. Em 2012, sua primeira olimpíada, Portela foi eliminada na primeira luta para a colombiana Yuri Alvear, a quem havia vencido quatro meses antes em outra competição. “Me deu um branco. Até hoje não sei o que aconteceu, nunca assisti àquela luta de novo”. Levou um wazari e um ipponem três minutos, mas o pior golpe foi psicológico. “Pensei em desistir, enlouqueci, saía pra balada”.
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Portela demorou quatro meses para curar a “ressaca olímpica” e voltar a treinar. Em 2016, perdeu na segunda rodada, mas foi totalmente diferente. Depois de quatro anos de acompanhamento psicológico, estava com a cabeça tranquila. “Eu sabia que tinha dado meu melhor. Virei a página”.
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Mesmo sem pódio, os jogos do Rio foram especiais porque a família estava perto. Irmãos, sobrinhos, marido e sogra foram assisti-la, além da presença mais importante na arquibancada: Sirlei, que já não precisa mais trabalhar fora e mora em uma casa toda reformada pela filha. “Minha mãe se culpa muito por não ter nos educado como gostaria, mas ela é uma guerreira, minha melhor amiga, meu maior exemplo e inspiração”, diz Maria.
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“Tóquio vai ser a olimpíada em que terei o melhor preparo de todas. Não me vejo indo para Paris em 2024, com 36 anos. Não quero encerrar minha carreira por baixo, quero encerrar no melhor momento possível.”
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Agora, o foco total é em Tóquio. “A japonesa foi campeã no Rio, agora eu vou buscar a medalha lá na casa dela”. Vai ser a última chance de medalha olímpica para Portela. Ela terá então 32 anos e já decidiu que vai “encerrar o ciclo”, mas seguirá vinculada ao judô. “Seria um desperdício não passar adiante o que aprendi em toda uma vida dedicada à arte”, diz.
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Ficha Técnica #TodoDiaDelas
Texto: Isabel Marchezan
Imagem: Caroline Bicocchi
Edição: Andréa Martinelli
Figurino: C&A
Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC
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