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Veja publicação original: As discussões feministas sobre Meghan Markle que marcaram o Casamento Real
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Por Tayná Leite
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Temos dificuldade em compreender que análises estruturais não necessariamente representam (ou não deveriam representar) críticas às escolhas pessoais de alguém.
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A treta é a seguinte… De um lado feministas – vou me limitar às tretas feministas porque deus me free analisar treta de conservador de direita – alegam que o Casamento Real foi o evento mais “lacrador” e “feministão” dos últimos anos, já que uma mulher negra (ou birracial como ela mesma se declara), divorciada e auto declarada feminista rompeu um punhado de protocolos adentrando à família real mais popular do mundo ocidental.
De outro, feministas alegam que Meghan Markle não foi feminista coisa nenhuma, e sim apenas mais uma cúmplice do sistema de castas e privilégios que vitima mulheres, especialmente negras; que assassina crianças na África; que impõe padrões de submissão às mulheres e etc.
Eu li, inclusive, uma feminista branca dizer que as pessoas negras que estão celebrando a quantidade de negros no casamento real são “desesperadas por representatividade”. E li também alguém assumindo que a mãe de Meghan estaria decepcionada por ver a filha que tanto lutou para criar abrir mão de tudo que lhe foi ensinado, de sua carreira e do seu sucesso para “virar princesa”.
Aí você pensa: “uou” essa pessoa deve ser íntima da senhora Ragland, né? Mas não, a “análise” toda foi feita baseada em uma foto e em toda a falta de bom senso da pessoa. Também li que Meghan não é revolucionária por ser a primeira negra a se tornar membro de uma instituição que historicamente foi nociva às pessoas negras, que enriqueceu às custas de sua escravidão e de seu sangue.
Curiosamente todo mundo achou que o mundo iria mudar quando o primeiro homem negro se tornou Presidente dos Estados Unidos da América. Vai ver devo ter rasgado aqui as páginas dos livros de história em que rolou aquela reviravolta e descobrimos que o governo americano não era responsável por milhões de mortes em inúmeras guerras.
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E que tais guerras só existem para atender os interesses comerciais e territoriais dos EUA. Ou que o país não é mais aliado do governo israelense e que as crianças palestinas passam bem e felizes. E também que todo o escândalo da NSA no governo Obama foi um delírio jornalístico, mas que o Snowden é o verdadeiro vilão do rolê — tão clichê homem branco.
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Sempre temos dificuldade em compreender que análises estruturais não necessariamente representam (ou não deveriam representar) críticas às escolhas pessoais de alguém.
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Tem muita gente atacando as feministas que problematizaram alguns pontos importantíssimos do Casamento Real, como a colonização britânica e midiática; o fato de a Meghan ter que abrir mão da sua carreirapara assumir uma posição de submissão à Coroa; os atos anteriores problemáticos do príncipe Harry e o que eles poderiam representar. Os críticos alegam que as feministas são incoerentes e que o “feminismo é sobre fazer escolhas, inclusive a de casar e ser princesa”.
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É aí que retornam as ~auditoras~ de feminismo para ensinar que o feminismo não é sobre “ser o que quiser”, mas que o feminismo é uma luta política. Em busca de defender suas ideias, usam frases de Audre Lordepara fundamentar o textão e argumentam que se render ao sistema não é feminismo coisa nenhuma. Ao contrário, é um desserviço à luta.
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E assim acontece esse pingue-pongue de ataques desde sábado (19) quando aconteceu a cerimônia. Mas esse embate aconteceu também quando a Beyonce cantou no Superbowl, ou quando a Karol Konka “se vendeu pro sistema” ao fazer um comercial para uma grande marca e até quando a Anitta lançou um clipe.
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Longe de mim querer cassar carteirinha de feminista de qualquer mulher (aliás, até queria saber onde que pego a minha), mas já que estou aqui vamos dar um dedo de contribuição para o tema:
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1. O Feminismo não é sobre escolhas pessoais.
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Tanto quanto racismo não é sobre o indivíduo negro se sentir ofendido ou não. E por isso, também, que não existe racismo reverso.
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Feminismo é sobre estruturas de poder e sobre como o sistema olha para a mulher e a coloca sistemicamente em lugares de subalternidade, seja do ponto de vista formal (leis), seja do ponto de vista material (práticas aceitas ou até encorajadas socialmente).
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Então, não existe mesmo “lutar” para ser princesa ou dona de casa. Esse lugar está dado. É esperado que mulheres ocupem essas posições e esse discurso da escolha tem sido usado para banalizar e esvaziar um movimento que é político, social e jurídico.
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Mas ter que aturar julgamentos e pitacos não é uma violência estrutural, apenas faz parte da pentelhação humana mesmo.
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Um exemplo bem claro para essa diferenciação entre sistema e julgamento é o que envolve o parir e o amamentar. Eu já ouvi muitas mulheres dizendo que se sentem julgadas por escolherem fazer cesariana ou por não amamentarem seus bebês. Acontece que, embora individualmente possam haver julgamentos, o sistema favorece a cesariana e o desmame. A mulher que quiser fazer uma cesariana vai achar facinho um médico que faça a cirurgia e não será questionada em sua escolha por cerca de 80% dos profissionais.
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Não podemos dizer o mesmo da mulher que deseja um parto normal. Na maioria das vezes, a mulher é induzida a realizar uma cirurgia que ela não desejava. Da mesma forma acontece com o desmame. A brasileira média amamenta exclusivamente por apenas 54 dias, de acordo com as estatísticas.
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Pergunte (se conseguir encontrar) como se sente a mãe de um bebê de mais de 1 ano amamentado. Pergunte o que diz a sua família, os seus vizinhos e até mesmo o médico sobre o desejo de amamentar o filho por pelo menos dois anos como prega a OMS.
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Percebem como o sistema não julga essas mulheres. Então, não é por cesáreas que o feminismo vai lutar. A luta não é para o “direito” da mulher trabalhar em casa ou se tornar princesa.
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Quando estamos falando de luta política, estamos falando da luta por acesso, por direitos, por espaços, por políticas públicas e por reconhecimento. Não estamos falando de uma luta por não ser julgada pelazamiga ou pelo textão no Facebook. Gente mala que fica enchendo o saco sempre existiu e sempre irá existir. Fatos da vida. Mas isso não é pauta do feminismo.
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2. O feminismo não é sobre mulheres precisarem de tutela.
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Por outro lado, o que me parece estar gerando muita confusão é que muitas mulheres que se consideram feministas usam o discurso de que o feminismo “não é sobre isso ou aquilo” para julgar e atacar escolhas pessoais.
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O feminismo pode não ser sobre escolhas pessoais, mas isso não quer dizer que eu possa tratar todas as mulheres do mundo como indivíduos que precisem de tutela.
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Eu não posso julgar a mulher que decide ser princesa, ali estão envolvidas as suas afetividades e razões. Isso seria tão raso quanto o discurso de que o feminismo apenas serve às questões individuais.
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Já que se tornar princesa não é pauta da luta, também não deveria ser assunto para questionar o feminismo de ninguém.
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3. Nenhuma escolha invalida as suas lutas.
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Uma coisa é criticar a monarquia enquanto instituição, outra bem diferente é achar que a escolha da moça de fazer parte da monarquia invalida suas lutas e o seu feminismo.
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Uma coisa é questionar e problematizar o impacto (ou não) da entrada da primeira mulher negra e divorciada na família real britânica e outra bem diferente é achar “ok” questionar os porquês dela, da mãe dela, do pai dela e do papagaio dela.
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4. Não existe ~auditoria~ de feminismo.
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Me causa um certo incômodo o fato de que essas avalanches de críticas e auditoria de feminismos em geral estão sempre direcionadas às mulheres (e às vezes também homens) negras e periféricas, às putas e a todas as mulheres que são consideradas como sem “credenciais”.
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Isso geralmente ocorre quando essas mulheres ocupam espaços de poder que o feminismo branco entende como necessário de ser “desconstruído”. É algo que, no mínimo, acende o meu alerta a este tipo de textão lacrador que, normalmente, começa ou desenvolve um argumento como algo como “benzinha, senta aqui para a tia te explicar”.
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5. O feminismo precisa ser de todas.
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É importante compreendermos que estamos todas inseridas e somos permeadas pelo sistema machista, racista e classista no qual vivemos.
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Fazemos parte dele e é impossível se desvencilhar de todos os modelos mentais que ele construiu dentro de nós. É também de dentro desse sistema que teremos que mudá-lo, com todas as contradições que isso invariavelmente implicará.
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Não é “cassando as carteirinhas” seja da Meghan que, por sinal, tem uma história de vida muito bonita, seja da Frida que amou Diego, seja da sua companheira feminista que vive um relacionamento abusivo e uma maternidade sobrecarregada, seja da sua mãe que gosta de assistir novela e vive um papel submisso que avançaremos nas nossas pautas.
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No mais…
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Só queria dizer que a Meghan estava linda, que me emocionei com a homenagem à Diana, que estou ansiosa pela estreia da nova temporada de The Crown, que todos ali são pessoas e que o conto de fadas vai muito além das imposições da Disney. Assim como a militância vai muito além da problematização.
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Beijos de luz!
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