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“Garfada” da mãe no pai inspirou argentina a escrever sobre feminicídio

Saiu no site UNIVERSA: 

 

Veja publicação original: “Garfada” da mãe no pai inspirou argentina a escrever sobre feminicídio

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Por Marcela Paes

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Ser mulher é aprender a se defender desde cedo. Foi esse um dos pensamentos que a escritora argentina Selva Almada, 45, usou para escrever “Garotas Mortas”, livro lançado no Brasil neste mês pela Todavia. A obra disseca o assassinato de três adolescentes argentinas nos anos 1980. Neste papo, a autora fala de como o machismo está longe de acabar na América do Sul, de como uma garfada que sua mãe deu no braço do marido transformou sua vida e sobre a morte de Andrea Danne, um dos feminicídios investigados por ela no livro.

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Universa: Você aborda o feminicídio e o machismo num momento de discussão mundial do assunto, mas ainda é difícil ver obras que falem do tema. Por quê?

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Selva Almada: Pelo menos aqui na Argentina existem muitas obras importantes para rastrear o machismo. “Martin Fierro”, em que a mulher do protagonista nem tem nome próprio, passando por “A Intrusa”, de [Jorge Luis] Borges. Talvez não existam muitos livros que falem de maneira direta do feminicídio porque faz pouco tempo que isso se tornou um tema na sociedade. Não faz muitos anos que chamamos esses crimes de feminicídios e não de crimes passionais. Não faz muito tempo que desnaturalizamos essas mortes que antes passavam despercebidas, eram vistas como grandes dramas familiares e não como um problema social e cultural gravíssimo do qual todos somos parte e não somente a família que passou por isso.

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A morte da Andrea Danne, uma das adolescentes de “Garotas Mortas”, foi durante sua infância e te impactou. Por que esperou para contar a história? 

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O assassinato ocorreu quando eu tinha 13 anos e impactou toda uma geração. Anos depois, minhas amigas contavam que faziam uma busca no quarto antes de dormir, com medo de que alguém as matasse. O crime de Andrea veio para me dizer algo que contrariava o que tinham me ensinado: o perigo para as mulheres estava sempre fora, sempre tinha algo a ver com o desconhecido. Mas a mataram na sua cama, na sua casa e com os seus pais dormindo no quarto ao lado. É o mesmo que dizer que não havia lugar seguro para nós. Em 2009, comecei a pensar em um livro que investigasse o caso dela, apareceram outros casos da época e a ideia se formou. Coincidiu com o momento em que começamos a falar abertamente da violência de gênero.

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Toda a América do Sul é machista. Acha que estamos chegando a uma mudança de mentalidade?

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A cultura machista está muito encrustrada nas nossas sociedades. Creio que estamos muito longe de conseguir mudar, mas mais perto do que alguns anos atrás. Falar disso, sair às ruas e poder compartilhar com outras mulheres são bons sinais. Mas isso não se constrói da noite para o dia. Vai levar muitos anos de reflexão e trabalho

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Você é bem direta na maneira que fala sobre a violência sofrida pelas três garotas. Foi intencional? 

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Minha maneira de escrever, no geral, é muito direta. Acredito que “Garotas Mortas”, nesse sentido, é um livro muito amável. Poderia ser brutal e acho que não é. É duro, claro, estamos falando de três garotas assassinadas impunemente. Não existe muito lugar para metáforas. Queria que os leitores entendessem que essas meninas existiram, que estavam vivas e cheias de planos até que alguém decidiu por um fim em tudo isso. Eu não as conheci, mas passei tantos anos com suas histórias, suas fotos e as palavras das pessoas que as amaram que, quando terminei de escrever o livro, senti que estava me despedindo de mulheres que eram próximas.

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Você fala sobre um episódio de uma briga onde sua mãe cravou um garfo no braço do seu pai. Isso é verdade? Isso te influenciou na visão da relação homem/mulher?

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Meus pais se casaram adolescentes e numa discussão durante o almoço, meu pai ameaçou bater na minha mãe e ela cravou o garfo que usava para comer no seu braço. Era uma anedota que escutava desde pequena e achava engraçado. Com os anos, entendi que era uma grande lição. Que minha mãe estava dizendo que ninguém podia colocar a mão nela. Com 16 anos,  ela segurou uma faísca antes de virar um incêndio que a consumiria. Acho que isso me ensinou desde pequena a detectar os mínimos gestos de abuso e violência machista, a estar atenta e não permitir que isso acontecesse nas minhas próprias relações.

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Divulgação
Imagem: Divulgação

Garotas Mortas
Editora Todavia
Preço: R$ 44,90

 

 

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