Saiu no site ELLE:
Veja publicação original: Ninguém precisa ser Mulher Maravilha, já basta ser mulher
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Por Djamila Ribeiro
Djamila Ribeiro reflete sobre a romantização do sacrifício feminino cristalizada na figura da super-heroína.
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Temos que ter muito cuidado quando pensamos em Mulher Maravilha. Em especial quando a intenção é comparar a personagem geralmente retratada de peito estufado, confiante, heroína, para ser refletida na vida das mulheres em geral.
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Quando Simone de Beauvoir proferiu a frase “não se nasce mulher, torna-se”, tão monumental a ponto de gerar polêmica em um Enem mais de 60 anos depois, muita gente estranhou ou desqualificou o trecho como se a pensadora francesa estivesse pensando em termos biológicos. Contudo, o que disse não tem nada a ver com isso e é até fácil de explicar: imagine uma gravidez de uma menina. Ao nascer, pelo fato de ser do gênero feminino, a criança já é inserida num mundo projetado para ela enquanto mulher e isso independe de sua vontade.
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É esperado o rosa, o brincar de casinha, ter uma boneca e por aí vai. Há um mundo posto para o gênero feminino antes mesmo que a pessoa nasça. Por isso, não se nasce mulher, torna-se. Poderíamos pensar, inclusive, que não se nasce homem, torna-se homem, mas deixemos o assunto para outra coluna.
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Quem tem se dedicado a estudar o tema percebe quanto sacrifício de mulheres é exigido pelo patriarcado, se refletindo em postos desfavorecidos no trabalho e no bem-estar como um todo.
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Isso posto, a construção da expectativa do que representa ser mulher acompanha até a vida adulta. A uma mãe é perguntado, na promoção de emprego, se ela vai dar conta da demanda e da casa. Espera-se que cuide dos filhos, que cozinhe, arrume a casa, cuide das coisas mundanas, enquanto o homem é provedor. Para a mulher negra, o cenário é ainda mais profundo, uma vez que, não basta toda a carga da violência de gênero, soma- se ainda a violência de raça. Da mulher negra é esperada a força, a bravura, como se tivesse que dar conta do mundo. Essas imagens, contudo, acabam por naturalizar violências sofridas como parte da identidade supostamente fortalecida. Vale dizer que, se o grupo social das mulheres negras é composto de pessoas – logo, diversas entre si –, exigir uma força descomunal para suportar as estruturas é um tanto quanto violento.
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Precisamos dar fim à romantização do sacrifício.
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