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Indígena, Sônia Guajajara quer a copresidência: “Vice é mera composição”

Saiu no site UNIVERSA:

 

Veja publicação original: Indígena, Sônia Guajajara quer a copresidência: “Vice é mera composição”

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Por Natacha Cortêz

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Sônia Guajajara é a primeira mulher indígena na história do Brasil a se candidatar ao posto de vice-presidente da República. Ou, como ela acha melhor dizer, “copresidente”. “Vice é mera composição. A aliança com Guilherme Boulos [aspirante à presidência pelo PSOL] prima por uma gestão compartilhada”, explica Sônia, que nasceu na tribo Guajajara/Tentehar, no Maranhão, formou-se em Letras e Enfermagem, pós-graduou-se em Educação e chegou à coordenação executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

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A maranhense, de 43 anos, entrou na vida política filiando-se ao PT no final dos anos 1990 e saiu do partido quando se desencantou com a relação do grupo com a governadora maranhense Roseana Sarney. No PSOL, está há sete anos e, mesmo sem nunca ter tido um cargo eletivo antes, topou a candidatura à vice-presidência, segundo ela, por uma orquestração que envolveu, em particular, a empresária Paula Lavigne.

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A demarcação de terras indígenas é das pautas principais da chapa Boulos/Guajajara. Esse, aliás, é um assunto que Sônia domina. Por outro lado, nesta entrevista, ela é especialmente vaga no que diz respeito a políticas públicas para mulheres brasileiras e não apresenta um projeto concreto para o problema do aborto no país.

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O nome de Sônia pode ser novidade na política, mas não no movimento indígena. Nesse, é quase popstar. Em 2015, em Nova Iorque, representou a Apib no Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU). Um ano depois, carregou a Tocha Olímpica em Imperatriz (MA), cidade onde mais jovem fixou residência, ficou casada por 18 anos e teve três filhos, Luiz, Yaponã e Ywara. No Rock in Rio de 2017, subiu no palco do show de Alicia Keys para discursar em nome do seus.

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Ela tem cerca de 1,50m de altura e cabelos negros até a cintura. Nesta entrevista, usava sapatênis, vestido, bracelete nos dois pulsos, tornozeleira e colar de miçangas. Na hora de fazer a foto, prendeu o cabelo com uma corda feita de penas –“uma versão modesta para o cocar”– , retocou o batom vermelho e, com um lápis preto de maquiagem, desenhou linhas no queixo e ao lado dos olhos — “uma pintura típica dos Guajajaras para o dia a dia”.

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Universa: Em vez de vice-presidência, você pleiteia o que chama de copresidência. Por quê? 

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Sônia: O vice tende a ser uma mera composição. A aliança com Guilherme prima por uma gestão compartilhada.  A diferença é que tomaríamos as decisões juntos. A copresidência não é uma novidade no PSOL. No Rio de Janeiro, na candidatura [para o Governo do Estado] do Marcelo Freixo com a Luciana Boiteux já foi assim.

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Como surgiu a ideia de uma campanha presidencial?

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Na verdade, o que nós do movimento indígena estávamos pleiteando era uma candidatura para o Legislativo. Eu sairia como candidata à deputada federal pelo Rio de Janeiro. Só que então, surgiu a ideia do setor ecossocialista do PSOL de lançar a minha pré-candidatura à presidência. Para mim, inicialmente, foi bem surpreendente. Já tinham outros quatro pré-candidatos no partido, Plínio de Arruda Sampaio, Nildo Ouriques, Hamilton Ferreira e o Boulos, que ainda não estava lançado.

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Carine Wallauer/Universa
Imagem: Carine Wallauer/Universa

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Com Guilherme Boulos sendo o escolhido, como aconteceu a formação da chapa? Teve um convite a você?

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As pessoas já estavam comentando muito sobre essa possibilidade. Então, fui consultá-lo e ele falou: ‘você topa? Porque se você topar, eu topo’. Temos muito em comum: ele, liderança que vem da luta por moradia urbana, e eu, liderança que vem da luta por território.

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Qual foi o papel da empresária Paula Lavigne na concepção da chapa?

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Ela entrou com muita força na construção da aliança, articulando, conversando. A Paula é a ativista das ativistas.

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Ela colocou dinheiro na campanha?

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Não.

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Paula [Lavigne] é a ativista das ativistas.

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A empresa da Paula produziu um evento da pré-candidatura de vocês. O Caetano Veloso tocou na ocasião. Isso não é colocar dinheiro?

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Não, é apoio. Não é de hoje que o movimento indígena vem avançando na construção de alianças. Há algum tempo a gente entendeu que a nossa luta não pode ser isolada. E isso inclui artistas, intelectuais, ambientalistas e ativistas de direitos humanos. Começamos uma relação com a Paula, na campanha #342Amazônia, em 2017, quando o Congresso tentou votar a extinção da Renca [Reserva Nacional de Cobre e seus Associados], reserva mineral no Pará. Ela atuava junto com os coletivos de jornalismo e cultura, Mídia Ninja e Fora do Eixo.

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Qual são as principais metas da sua copresidência? 

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A demarcação das terras indígenas é pauta prioritária. A outra é o modelo de desenvolvimento econômico e ambiental que é muito agressivo e depredador. O combate aos efeitos das mudanças climáticas é historicamente uma pauta indígena e também é uma proposta da chapa. Os territórios, quando demarcados, contribuem para atenuar esses efeitos.

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 Somos hoje 305 povos e 264 línguas, mas é muito comum a gente ser tratado como ‘os índios do Brasil’. 

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Ao jornal Folha de S.Paulo, em fevereiro, você disse que nem o PSOL dá a devida importância para os indígenas. Isso tem mudado com sua candidatura?

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Se não fosse a nossa presença na chapa presidencial, a causa indígena ainda seria secundária para o partido. Por mais que o PSOL tenha essa aproximação com a diversidade, quase ninguém no Brasil, seja partido ou órgão público, tem o conhecimento devido sobre a pauta indígena. Somos hoje 305 povos e 264 línguas, mas é muito comum a gente ser tratado como ‘os índios do Brasil’.

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No que diz respeito às mulheres brasileiras, qual é a principal pauta da chapa?

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Tu falas as brasileiras como um todo?

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Sim.

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O combate à violência contra as mulheres. Ela é geral, e está crescente o número de mulheres sendo mortas por violência doméstica.

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Você não citou a descriminalização do aborto. Essa também é uma pauta?

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Certeza, né? Não tem como fugir mais desses temas que são polêmicos. Não que seja uma posição de ser a favor ou contra, mas uma posição de resolver um fato que já é real. O aborto existe e quem mais sofre ou morre com a ilegalidade são as mulheres pobres.

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Pessoalmente, você é a favor da descriminalização?

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Acho que é uma necessidade.

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Marina Silva, quando perguntada como resolver o problema de saúde pública do aborto, sai pela tangente e diz que faria um plebiscito com a população. O que você acha desse posicionamento?

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Pode até ser uma forma de resolver…

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Carine Wallauer/Universa
Imagem: Carine Wallauer/Universa

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Como mulher indígena: o que te falta do Estado brasileiro? Onde ele mais falha com as mulheres indígenas?

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A não-demarcação dos territórios é um desrespeito enorme porque não reconhece os diversos modos de vida. As mulheres são as que mais sofrem com a falta de território, porque é com ele que elas podem garantir a vida de seus filhos. Na tribo, as mulheres são as principais responsáveis pelas crianças. Se não chega política pública para os povos indígenas, imagina para as mulheres.

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Assim como nas cidades, as mulheres indígenas também sofrem com o machismo?

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Como assim mulher sofre?

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Vocês são discriminadas por serem mulheres? Pode dar um dar um exemplo –se é que isso ocorre?.
A gente precisou superar o rompimento da barreira para a participação da mulher indígena nos espaços de decisão. Eu não participava de reuniões ou tentava concorrer a esses espaços porque achava que eles eram dos homens. Como consolo, nos presenteavam com a vaga de secretária. Sempre olharam pra gente como a mulher que vai escrever, registrar, fazer as atas e tal. Minha vida inteira fiquei escrevendo ata de reunião.

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Eu não participava de reuniões ou tentava concorrer a esses espaços [de poder] porque achava que eles eram dos homens.

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Você tem sentido preconceito por ser uma indígena pleiteando uma vaga na presidência?

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Claro! Nas redes sociais é muito comum eu ser atacada das formas mais agressivas possíveis. Prefiro nem dizer os xingamentos, para não ecoá-los.

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E entre os outros candidatos?

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Eles se encantam, se mostram surpresos, alguns acham exótico. Mas isso também é preconceito. Quando me reduzem à índia folclórica da escola, se recusam a ver que eu também sou uma política, como eles.

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O que acha de ser chamada de “A nova Marina”? 

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[Risos] Não concordo nem gosto. Cada uma tem sua história. Essa comparação é bem desnecessária. Mas isso não me impede de reconhecer todo processo de luta da Marina, toda a sua defesa ao meio ambiente. O complicado é comparar neste momento, inclusive pelas novas alianças que ela vem travando. A partir de um momento, parece que ela escolheu um lado. O lado do agronegócio, o lado da aliança com Aécio Neves. Hoje, eu e Marina claramente não estamos mais do mesmo lado.

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Parece que ela escolheu um lado. O lado do agronegócio, da aliança com Aécio Neves. Hoje, eu e Marina claramente não estamos mais do mesmo lado.

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Você votou nela em eleições anteriores?

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Sinceramente, eu não me lembro se já votei na Marina.

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Acredita que os eleitores dela podem mudar de ideia e votar na sua chapa?

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É possível. Se não todos, uma boa parte.

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Antes de se filiar ao PSOL, em 2011, você era do PT. O que a fez sair do partido? 

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Saí junto com muita gente que estava insatisfeita com a gestão do partido. No Maranhão, especialmente, foi formada uma aliança com o grupo Sarney. A gente não tinha uma relação boa com a Roseana [Sarney], nunca teve. Ela apoia os ruralistas e isso é inconciliável com a causa indígena.

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Como uma ex-filiada do PT, por que você estava ao lado do ex-presidente Lula, na ocasião da sua prisão em SBC?.
Porque o Lula não poder se candidatar é enterrar de vez o resto de democracia que ainda existe. Acho que é a defesa de todos nós que lutamos por uma democracia de verdade.

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Você já sofreu ameaça por denunciar crimes ambientais?

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Não, nunca fui ameaçada, de forma alguma.

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Nem teve medo? 

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Apenas um medinho, pela conjuntura política em que a gente está. Existe um ataque contra as pessoas que estão fazendo a luta por justiça e direitos humanos. A execução da Marielle não pode ser considerada apenas violência. Foi um crime político e um recado para todos nós que estamos nesse front.

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Carine Wallauer/Universa
Imagem: Carine Wallauer/Universa

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O que afastaos indígenas da política?

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Tem três coisas ajudam nessa resposta. O coeficiente eleitoral: são poucos os estados que têm votos indígenas suficientes para eleger um deputado. Depois, a falta de oportunidades dentro dos partidos. Eles não acolhem as candidaturas indígenas como prioridade. Por último: as campanhas são muito caras e os votos são todos comprados. A bancada ruralista tem essa prática. Isso explica o crescimento dela no Congresso.

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Você colocou um cocar em Caetano Veloso, durante o evento em que a chapa Boulos/Guajajara foi lançada. Qual é a diferença dele cantar com o cocar e eu usá-lo, por exemplo, no Carnaval? Quando seria apropriação cultural?

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Tudo bem a pessoa usar um cocar para apoiar uma causa. Agora, usar como uma mera fantasia, sem nem saber o sentido daquele cocar, isso sim é apropriação; e desrespeito.

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Se eleita, pretende usar o cocar em exercício?

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Sempre que eu achar preciso.

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Quando seria preciso, por exemplo?

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Na posse. Um cocar grande, bem lindo.

 

 

 

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