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Veja publicação original: “O papel do homem no feminismo é se desconstruir”, diz Heloisa Buarque de Hollanda
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Teórica e crítica da cultura fala sobre a chamada quarta onda feminista, Bolsonaro, a troca entre mundo acadêmico e periferia e o papel que os intelectuais deveriam exercer
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Professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Heloisa Buarque de Holanda, 78 anos, é uma voz de proa dos estudos da literatura e da cultura contemporâneas. E também uma voz dissonante. Diz que os intelectuais estão com medo de perder seus feudos frente à disseminação de conhecimento proporcionada pelas novas tecnologias. Por isso, segundo ela, é hora de sair da torre de marfim para articular saberes entre academia e periferia, como faz no projeto Universidade das Quebradas. Uma das pioneiras no estudo do feminismo no Brasil, ela publicará em julho, pela Companhia das Letras, o livro Explosão Feminista, sobre a quarta onda do movimento, turbinada pela internet. Esse foi o tema da aula inaugural do primeiro semestre no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS, que a trouxe a Porto Alegre em março.
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Como a senhora reagiu ao assassinato da vereadora Marielle Franco?
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Sou da Anistia (Internacional) e temos a campanha Jovem Negro Vivo. É uma loucura o que se mata hoje de jovens negros, mulheres e homens. Mas a Marielle tinha um plus. Ela foi uma esperança nessa conjuntura nacional. Teve 46 mil votos. Sua agenda tinha uma coisa de misturar o asfalto com a periferia, que é um tema muito presente na periferia em uma hora de intervenção militar. Na UFRJ, estamos grudados na (Favela da) Maré. Em cada entrada militar dessas, morre muita gente.
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A morte dela pode mudar a ordem das coisas?
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Talvez. Está bem dividido também. Tem gente que bota na conta da intervenção militar, porque ela falou contra. Mas também falou contra o 41º Batalhão (da Polícia Militar do Rio). Ela tinha falado na véspera. Foi uma execução sumária.
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A senhora está para lançar um livro sobre a quarta onda do feminismo, que é marcada pela diversidade de lugares de fala. Como começou a demanda por representatividade?
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Começa em 1981, com um livro chamado This Bridge Called My Back(de várias autoras, organizado por Cherríe Moraga e Gloria Anzaldúa), que interpela pela primeira vez o feminismo branco. Elas diziam que precisava de uma negra substituindo a branca em casa para a madame poder ir para a rua. Começou ali, com a falta da fala das mestiças. Depois, tem uma sucessão de escritos sobre isso. Mas agora tem a questão da internet. A internet polariza e mobiliza, são seus dois grandes feitos. Mobilizou o feminismo, mobilizou cada segmento desses, mas também polariza.
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A senhora estudou o movimento Vai Ter Shortinho, Sim, de alunas do Colégio Anchieta, em Porto Alegre, em 2016. O que lhe chamou atenção?
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Elas estão falando sobre todas as coisas em nome do shortinho: assédio, estupro, tudo. Uma vez vi uma pessoa desqualificando uma menina desse movimento, dizendo: “Andar de shortinho é uma bobagem”. Não é. Elas querem poder andar na rua como quiserem, sem perigo. O shortinho é o direito ao corpo. Os meninos podem ir de bermuda porque está quente, mas se as meninas usarem shortinho são responsabilizadas por estarem supostamente seduzindo os meninos.
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Esse é o momento da história em que o feminismo está mais difundido na sociedade?
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Sem dúvida. E por conta da internet.
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Hoje, até alguns políticos mais progressistas se dizem feministas.
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É. Eu acho complicado é quererem que homem não seja feminista (algumas mulheres defendem que os homens não devem se dizer feministas para não roubar o protagonismo delas).
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Qual é o papel do homem no feminismo?
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O papel do homem no feminismo é se solidarizar e se desconstruir. Pensar como ele é e o que pode fazer para que a mulher seja igual a ele. Ele tem que baixar a bola, e ela tem que subir a bola. Mas, culturalmente, o fardo do homem é muito pesado. Tem de desconstruir essa branquitude, essa masculinidade. Colocar-se de uma maneira que não seja a maneira padrão. Esse é o papel do homem hoje.
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“Uma vez, vi uma pessoa desqualificando uma menina desse movimento (Vai ter shortinho, sim), dizendo: ‘Andar de shortinho é uma bobagem’. Não é. Elas querem poder andar na rua como quiserem, sem perigo. O shortinho é o direito ao corpo. Os meninos podem ir de bermuda porque está quente, mas se as meninas usarem shortinho são responsabilizadas por estarem supostamente seduzindo os meninos.”
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– HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA
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É um passo ainda muito inicial dos homens.
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Sim, porque as mulheres estão nessa desde o século 19. E os homens não tiveram a necessidade de fazer isso. O capitalismo é todo em cima dessa relação. A mulher fica em casa, garantindo o bem-estar de quem vai ganhar dinheiro. Para manter uma lógica de família, um tem que ficar em casa. O homem é mais forte, segundo essa narrativa, então seria melhor que ele saia. Tem uma lógica de trabalho, na qual é difícil mexer.
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O que caracteriza a quarta onda do feminismo e quais as semelhanças e diferenças em relação às ondas anteriores?
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A quarta onda me parece marcada por dois vetores fundamentais. O primeiro foi a nova linguagem política das manifestações de junho de 2013, que se constituiu rejeitando abertamente qualquer tipo de liderança, apostando na horizontalidade, nas redes de afeto e na autonomia, ou seja, a recusa da mediação de suas demandas nos canais partidários da representação política formal. O segundo fator decisivo foi a presença das redes e mídias sociais, inaugurando um novo campo para o feminismo. Essa geração traz as mesmas demandas do feminismo clássico num ethos totalmente novo. Se para a geração das mulheres dos anos 1960 a descoberta de que o “pessoal é político” marcou um novo universo de atuação política, hoje as minas descobrem que o “político é que é pessoal” e agem como sujeito, descrevendo e postando suas experiências, demandas e causas que, potencializadas pela redes, tornam-se rapidamente comuns a todas as minas. O mesmo ocorre nas marchas feministas jovens onde o corpo e a experiência vivida são plataformas políticas importantes.
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Zuenir Ventura começa o livro 1968 — O Ano que Não Terminou falando do célebre réveillon na sua casa, ao qual ele atribuiu uma mistura de frustração e esperança. Estava começando 1968 e aqueles convivas não imaginavam que no final do ano a ditadura entraria em seu período mais duro. Como você compara aquele réveillon com o país de hoje, em que também parece haver uma mistura de frustração e esperança?
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A diferença é que lá era um momento político-partidário. Era a oposição à ditadura, era mais fácil ficar contra. Hoje, é uma questão mais difusa. A briga de hoje é cultural, como essa das meninas. Também (as manifestações de) 2013 talvez tenha sido cultural, não era tipicamente político. Tem essa diferença entre 1968 ser político e outro, hoje, ser cultural. Agora, o momento de hoje é bem delicado. Não tem um ditador pela frente. E o Temer? Não chega a ser um ditador, é apenas um canalha (risos). A briga é mais leve, mais difusa, e está se dando no meio da cultura, porque a política abandonaram.
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Esse vocabulário da época da ditadura está sendo bastante reaproveitado. Fala-se muito em golpe, e m ditadura, censura. O que significa isso?
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Teve uma malandragem (no impeachment de Dilma), uma manobra política insuportável. Teve um jogo político entre pares. O golpe foi legal, né? Dentro da lei. Em contraste, o Jango (João Goulart, presidente deposto pelo golpe militar de 1964) fugiu disparado. Foi diferente, não teve lei. Essa lei (que embasou o impeachment de Dilma) é manobrada, fajuta, fake, mas dramaticamente foi dentro da lei. É complicado comparar esses dois momentos. Acho que é uma jogada política. A Dilma não é o Lula. Ela realmente comprometeu muito a economia brasileira. Acho que o Lula fica desesperado por ter tido a ideia de botar a Dilma lá. Todo dia de manhã ele deve olhar no espelho e dizer: “Por que fui inventar essa?” (risos).
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“Bolsonaro não é um perigo, é uma tragédia. Está ganhando as favelas em defesa do porte de armas. O papo da periferia é morrer. Ele diz que vai fazer com que as pessoas não morram. Então, se ele fala mal de homossexual, de negro, não tem a menor importância (para aquelas pessoas). É artigo de luxo.”
– HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA
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Debate-se muito as chances de Bolsonaro como candidato à presidência. Qual é a sua visão a respeito dele?
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Bolsonaro não é um perigo, é uma tragédia. Aí sim vai dar um golpe, mas não porque seja militar. Tem militar legal. É um cara que está ganhando as favelas em defesa do porte de armas. Tenho contato com as favelas por causa da Universidade das Quebradas. É desesperador. Ele está falando em nome da ordem, um discurso do qual as pessoas ameaçadas gostam. Mas tenho a impressão de que Bolsonaro não emplaca. Ele não tem o carisma do Lula, a promessa do Lula, a fala do Lula. Acho que a polarização será outra, vai aparecer um candidato meio conservador e vai ganhar.
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No Rio, a senhora mantém contato com as comunidades pobres. No que elas estão pensando?
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Em Bolsonaro. O Lula é mais no Nordeste por causa do Bolsa Família, mas acho que, no Rio, só intelectual, aí é Lula 100%. Na periferia, não.
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Por que Bolsonaro tem força nessas comunidades?
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É a ordem, o porte de armas, a segurança, essa fala dele que é violentíssima e não dá para perceber. Quer dizer, dá para perceber, mas a periferia não está percebendo. Eles estão sempre com o perigo de morrer. O papo da periferia é morrer. Então, se ele fala mal de homossexual, de negro, não tem a menor importância (para a periferia). Isso é artigo de luxo. Ele diz que vai defender a ordem, fazer com que as pessoas não morram. É isso que ele promete. Como? Armando e militarizando.
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Esse discurso da ordem conquista as pessoas, não?
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Sim. Fez o golpe de 1964. Marcha com Deus pela Família.
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Estamos falando do crescimento da direita. já a esquerda está perdendo terreno. A esquerda está fazendo sua autocrítica?
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Não. Vejo na universidade que não.
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O que está acontecendo com a esquerda?
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Precisa ter autocrítica. Isso é internacional, não é só aqui. Tem que ter outro programa, mas não está fazendo isso. Tem um lado ruim e tem um lado legal, que nem na direita, que tem um lado que pensa, pelo menos. Mas é difícil optar por qualquer posição hoje. Está tudo bichado. Tinha que ter uma reforma política boa para a gente poder conversar a respeito. Do jeito que está essa mudança de partido, a corrupção… Você fica aterrada com a coisa da corrupção.
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Que temas sensibilizariam a população?
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Educação, educação, educação. É uma bandeira que alguém tinha que arrebatar e ir em frente. Coloca uma grana preta na educação que você está mexendo também com saúde, com a violência. É um passo além da segurança. É um bandeira que, se bem colocada, poderia emocionar. O Cristovam Buarque faz muito bem isso, mas ele não tem carisma e não é um homem público. Foi ministro da Educação (entre 2003 e 2004 no governo Lula), já teve essa chance.
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“Educação, educação, educação. É uma bandeira que alguém tinha que arrebatar e ir em frente. Coloca uma grana preta na educação que você está mexendo também com saúde, com a violência. É um passo além da segurança. É um bandeira que, se bem colocada, poderia emocionar.”
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– HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA
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Os especialistas em segurança pública se posicionam contra a intervenção no rio, mas não foram levados em consideração. Alguns pensadores diagnosticam que vivemos a “morte do especialista”, pois todos falam em pé de igualdade na internet.
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Agora, os especialistas têm que ser públicos. Estou preparando um curso para capacitar ativistas feministas porque elas não são especialistas, mas eu sou. Nosso trabalho agora é um trabalho de ativista. O especialista tem que pegar sua especialidade e jogar num lugar mais eficaz do que ficar no blá-blá-blá. Vou pegar tudo que sei de feminismo e entregar para as ativistas, dar um curso atrás do outro para essas feministas que vão para a rua, que começam a levantar bandeira mas não sabem exatamente o que é aquilo. Aí você qualifica um pouco o debate nas redes, porque as pessoas atuam nas redes. Se você tem um instrumento, que é seu conhecimento, vai fundo, vai na base. Porque, realmente, ficar só falando no (canal) GNT é muito pouco.
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É hora de os especialistas saírem da torre de marfim?
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Não há dúvida. Não é nem para levantar bandeira, é para ajudar nas bandeiras, porque também tem muito desconhecimento. Esses ativistas são jovens. Eles fazem, e eu vou soprando coisas. Acho que qualifica. Vejo isso com a Universidade das Quebradas, na qual tenho um projeto em que abro um edital para os artistas e produtores culturais e ativistas das periferias. Fazemos uma troca. Eles dão aula para a gente e a gente dá aula para eles. É muito bonito. Vejo que a demanda é alucinada. Em 2017, fizemos a experiência de chamar o André Botelho, um sociólogo de ponta, para dar um tema teórico dificílimo. Eles absorveram! Foi emocionante. Eles dizem que foi um marco da Universidade das Quebradas. Subiu o nível, foi para filosofia, Axel Honneth (pensador alemão). Eles querem, querem, querem. E absorveram. Obviamente, não absorveram com toda aquela argumentação original, mas entenderam o que era e foram para a rua com isso. O especialista tem que sair da cadeira. Eu, pelo menos, estou fazendo isso há 10 anos com a periferia e agora vou fazer com as mulheres e para os refugiados. Vai ter Universidade das Quebradas, Universidade das Mulheres e Universidade da Chegada.
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O que as vozes culturais da periferia estão dizendo que as vozes brancas de elite não se deram conta?
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Estão mostrando que a cultura deles é potente. Em um primeiro momento, era só uma luta por visibilidade: “Estou aqui!”. Agora, tem uma luta pela não segmentação. Não é uma cultura de periferia, é uma cultura contemporânea. É hora de refazer vocabulários. Somos a cultura contemporânea, que é a cultura da cidade fervente, da cidade laboratório, cheia de demandas e produções diferentes. Isso está sendo pouco ouvido até nas teses sobre periferia. É relacional: o asfalto e a periferia. Tem que fazer essas costuras, esses pontos de contato. Ser intelectual político hoje é botar fogo na imaginação dos outros. Imagine um rapper que ouve falar de Deleuze, Honneth, Platão. Potencializados, eles saem feito uns loucos. A carreira faz zum! O intelectual hoje tem que pegar a imaginação dos outros e dizer: “Vai!”. Abrir uma janela e mandar voar.
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As músicas mais ouvidas no Brasil hoje são o funk e o sertanejo. Mas intelectuais olham com reserva para esses gêneros.
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Parafraseando Chico Buarque: os intelectuais não gostam, mas as filhas dos intelectuais gostam (risos). (“Você não gosta de mim / Mas sua filha gosta”, diz a canção Jorge Maravilha.) É o rural e o urbano de ponta. Os intelectuais estão muito ameaçados de perder seu capital. Eles têm medo de que seu saber não dê conta, que descubram que eles não sabem tanto.
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“As empresas não são burras: criaram o ambiente de trabalho coworking para colocar pessoas diferentes uma ao lado da outra, que é de onde vai sair a inovação. O intelectual não: ele tranca a porta com medo de roubarem. Ele é bobo. O investimento é sair misturando.”
– HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA
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Por que esse medo?
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Porque são bobões. Deveriam misturar seu conhecimento com o dos outros. Especialista não existe mais, pois tem o Google. Aquela figura da pessoa que tinha em casa arquivos com documentos, que sabe de um assunto profundamente, isso não bota a mesa mais. Já botou, mas veio a rede. Agora é surfar na onda da rede, conectar saberes, poderes, causas, misturar o máximo possível, porque é da articulação que sai a inovação. As empresas não são burras: criaram o ambiente de trabalho coworking para colocar pessoas diferentes uma ao lado da outra, que é de onde vai sair a inovação. O intelectual, não: ele tranca a porta com medo de roubarem.
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E quanto aos jovens que têm uma ânsia de intervir imediatamente na realidade sem necessariamente se aprofundar?
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Temos de sentar e ficar olhando para ver no que vai dar, pois não sabemos. Vai ver que dá certo. É uma geração só, é muito pouco. Estão sendo formados de forma diferente. Os pais levam os filhos no pediatra para acabar com o iPhone. Você não sabe se aquilo vai te trazer uma lógica superior. Agora, a articulação é mais importante do que a criação. Nessa lógica, a gente não sabe ainda em que bicho vai dar. Quando Gutenberg criou o livro, o debate era que os homens iriam perder a memória: “Sua cabeça vai parar de funcionar por causa da prensa”. Agora, dizem que vamos perder a inteligência. Estamos vivendo outra forma de produzir conhecimento. Dou um jantar toda semana para meus sete netos, e é uma luta para eles prestarem atenção na comida e em mim. Arranco o celular da mão de cada um, eles comem duas colheradas e, quando vejo, acharam o diabo do celular. É um tsunami. Que cabeça será essa? Vai ver que é uma maravilha. Tem que esperar.
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