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Veja publicação original: Ocupar espaços na sociedade traz empoderamento para população trans, defende agente de saúde
Em São Paulo, um centro de acolhimento oferece assistência e moradia para 30 mulheres trans e travestis. Mais do que um residência passageira, a Casa Florescer, mantida pela Prefeitura no Bom Retiro, oferece um local seguro para que as participantes do programa de atendimento redescubram seus sonhos e reconstruam suas vidas.
“A única porta que se abre, muitas das vezes, para as transexuais é a prostituição. Foi um caminho muito árduo para mim, bem doloroso”, lembra Tatiane de Campobello, que morou na Florescer de maio de 2016 até o final de 2017. Aos 16 anos, ela abandonou os estudos e a casa dos pais por não ser aceita pela família.
Com 22, voltou para a mãe, que a encaminhou para uma clínica para tratar a adicção em drogas e para aplicar a “cura gay”. Ela ficou lá por seis meses.
Hoje, aos 28, após cerca de dez anos trabalhando como profissional do sexo, Tatiane busca novos caminhos. “Ela (a mulher trans) pode mais. Ela não precisa ir para uma esquina. Ela pode ser uma secretária, uma professora, uma médica, uma empresária”, defende a jovem, que chegou a morar na rua e ficou uma semana na Cracolândia.
“Atualmente, eu trabalho como agente de saúde de uma Cracolândia. Um ano atrás, eu estava numa Cracolândia como usuária. Eu vejo isso como uma vitória”, conta. Para ela, ocupar novos espaços na sociedade é uma forma de empoderamento.
Mas no Brasil, infelizmente, ser transexual ainda significa ser oprimida pela violência e pela discriminação. Um levantamento publicado em março de 2017 pela organização não governamental Transgender Europe, com dados da Rede Trans Brasil, revelou que 938 indivíduos trans foram assassinados no Brasil de 2008 a 2016 – é o maior número registrado pela instituição para um único país.
O Brasil responde por mais de um terço do total de homicídios contra a população transexual (2343) em todo o mundo e por mais da metade desses crimes na América Latina e Caribe, a região mais perigosa para pessoas trans, com uma marca de 1834 assassinatos.
A nível global, das vítimas contabilizadas pelo relatório da Transgender Europe, 551 eram profissionais do sexo e 46% tinham de 20 a 29 anos. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% das pessoas trans no Brasil estão na prostituição.
“São pessoas que precisam ser olhadas sem rótulos e sem julgamentos”, defende Alberto Silva, gerente de serviços da Casa Florescer, também chamada oficialmente de Centro de Acolhida Especial para Mulheres Transexuais. O gestor lembra que, para muitas mulheres trans, o afeto dos parentes e o acesso a educação foram “negados”, o que agrava sua marginalização.
“Se dentro do meu espaço social, seja no meu convívio familiar, seja na sociedade, eu sou uma cidadã que não existe perante os modelos heteronormativos, eu começo a me excluir desse universo e não me reconheço (mais) enquanto cidadã de direitos”, acrescenta Silva.
Inaugurada em março de 2016, a Casa Florescer oferece acompanhamento de saúde – física e mental – para suas moradoras, que também recebem assistência para pôr a documentação em dia e se preparar para o mercado de trabalho. A instituição divulga, entre as habitantes do local, oportunidades de capacitação na Rede Socioassistencial de São Paulo, no setor privado e em outras instituições públicas.
Segundo Silva, a proposta de criar um centro exclusivo para mulheres trans e travestis surgiu da necessidade de garantir um local livre de riscos de abuso. Em outros abrigos da Prefeitura, não eram raros os episódios de preconceito e de violência contra pessoas trans, seja da parte de outros indivíduos acolhidos no abrigo, seja pela própria instituição.
“Esse espaço é importante porque você consegue garantir os mínimos essenciais: ser quem você é. Eu posso ser quem eu sou. Eu não preciso negar a minha identidade para ter uma sobrevivência”, completa Alberto Silva.
O secretário de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo, Filipe Sabará, defende o tipo de serviço segmentado oferecido pela Florescer.
“Isso faz parte de um programa que a gente está criando de atender a sociedade como ela é hoje, e não como ela foi ontem”, afirma o chefe da pasta à qual o Centro de Acolhida está vinculado.
Reinserção na sociedade
Na avaliação de Tamires Motta, orientadora socioeducativa da Casa, “o que falta é oportunidade”. Ela conta que mesmo instituições que se colocam como aliadas da diversidade LGBT ainda têm uma resistência em contratar pessoas trans, preferindo ter em seu quadro profissional gays, lésbicas e bissexuais.
Quando são contratadas, mulheres transexuais continuam enfrentando dificuldades para se manter no mercado. A equipe da Florescer resolveu criar um grupo para as moradoras já empregadas, com o intuito de dar orientações sobre como lidar com episódios de transfobia em empresas e com o público.
“Não é suficiente acompanhar essas meninas para elas ingressarem no mercado de trabalho, mas é necessária uma preparação enquanto elas estavam lá dentro das empresas”, completa Tamires.
Oportunidades de trabalho são uns dos caminhos para a reinserção social do público atendido pela Casa Florescer. O objetivo final, segundo Alberto Silva, é fazer as mulheres participantes do projeto “desabrocharem”.
“Acreditando (nelas), você faz as meninas florescerem e ressurgirem para um novo universo, cheio de possibilidades”, defende o gestor.
Para Tatiane, a Casa Florescer permitiu imaginar outros rumos para sua vida. “Aqui, eu pude retomar o meu sonho”, conta a paulista, que pensa em voltar a estudar e deseja se formar em Pedagogia.
“E dignidade para todos, é o que eu mais quero. Igualdade.”
A ONU e as pessoas trans
A campanha das Nações Unidas Livres & Iguais, lançada em 2013 pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), defende a igualdade de direitos para as pessoas gays, lésbicas, bissexuai, trans e intersexo.
A iniciativa condena todas as formas de violência enfrentadas pela população LGBTI. Sobre os desafios específicos vividos pelos indivíduos transexuais, a campanha convoca países a adotar legislações abrangentes para combater a discriminação motivada por questões de identidade de gênero. A condição de pessoas trans também deve ser incluída, como característica a ser protegida, em leis já vigentes sobre crimes e discurso de ódio.
Outra medida recomendada aos Estados-membros da ONU é o reconhecimento legal da identidade de gênero das pessoas trans, por meio de processos administrativos simples, baseados no princípio da autoidentificação e sem o uso de procedimentos abusivos.
Entre em contato:
C.A.E. Florescer
Rua Prates, 1101-A
Bom Retiro, São Paulo – SP
(11) 3228-0502
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