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AOS AUTORES DE VIOLÊNCIA: MAIS AÇÃO E REFLEXÃO

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Em um Brasil ideal, o desenvolvimento de estratégias além do campo puramente jurídico, direcionadas tanto para as vítimas quanto para seus noticiados, seria o passo principal para caminhar em busca da erradicação desse fenômeno, pois sabe-se que a violência, praticada por maridos, parceiros, ou quaisquer sujeitos que tenham relação com a mulher, configura-se como um problema de saúde pública, principalmente por ser responsável por um número significativo de incidência.

Por Ludmila Ângela Müller


A Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, versa sobre a violência cometida contra a mulher. Popularmente, é isso o que se conhece sobre ela. O que não é tão explicito é que, ao falar sobre violência, não é apenas a física que é considerada, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. Além disso, o que menos sabe-se ainda, é que ela prevê a possibilidade de criação e promoção de centros de reabilitação e educação voltados ao atendimento aos agressores.

Com mais de dez anos em vigor, a área compreendida ainda é muito pouco explorada, principalmente pelo fato de que, visto o teor do que deve ser elaborado, precisa contar com o apoio de uma equipe técnica transdisciplinar e um espaço para que a reabilitação e a educação sejam efetivadas. E isto, nitidamente, não é um fator de investimento, também por ser claro que os sujeitos que devem receber apoio e serem públicos de projetos são, primeiramente, as mulheres.

Em um Brasil ideal, o desenvolvimento de estratégias além do campo puramente jurídico, direcionadas tanto para as vítimas quanto para seus noticiados, seria o passo principal para caminhar em busca da erradicação desse fenômeno, pois sabe-se que a violência, praticada por maridos, parceiros, ou quaisquer sujeitos que tenham relação com a mulher, configura-se como um problema de saúde pública, principalmente por ser responsável por um número significativo de incidência. Mesmo que ainda pairem muitas dúvidas acerca dessa questão, se faz importante a investigação da visão do autor da violência também, já que a real solução da vai além da penalização.

Isso torna-se evidente não apenas por estarmos tratando de um relacionamento entre dois indivíduos e, portanto, os dois são pessoas que tem históricos e comportamentos que são influenciados pelas mais diversas esferas cotidianas. Além disso, através de um projeto mantido pela Secretaria de Assistência Social da Criança e Adolescente de um município de Santa Catarina, foi realizada uma pesquisa diretamente com os homens, convidando-os a participarem do estudo. Então, pôde-se evidenciar três categorias surgidas neste grupo focal: “Ela” (onde tanto implícita, quanto explicitamente, centralizava na mulher o motivo da agressão; “Eu” (quando eles próprios demonstravam irritação para com a mulher, ou consideravam ofensa quando ela reclamava de algo); e “Outros” (levando suas ações para algo externo ao casal) (ROSA, 2008).

Percebeu-se que os sujeitos da pesquisa não deixaram transparecer arrependimentos do ocorrido. Justamente por isso que não se deve pensar apenas no sentido de punição para com esses homens, mas também não minimizar a responsabilidade, encontrando um equilíbrio: é necessária uma abordagem mais empática, compreendendo que o ato violento é resultado de elementos referentes à própria condição do homem autor da agressão (ROSA, 2008).

De acordo com Lima e Mello (2012), a própria definição de termos, já delimita os modos de relações interpessoais, visto que se enquadram categorias de “homem” e “mulher”, “agressor” e “agredida”, que já são carregadas por construções históricas. Os autores também expõem que, ao agressor que se encaixa na Lei Maria da Penha, dois pontos são voltados exclusivamente a eles: as punições mais severas e a possibilidade de encaminhamento para programas de reeducação e recuperação. Apenas a “possibilidade”, fazendo com que esse homem seja sempre tratado como agressor. Desse modo, torna-se cada vez mais fundamental inclui-lo na discussão de medidas mais eficientes para minimizar a ocorrência de violência doméstica.

Portanto, sem querer somente negar os efeitos positivos da lei, pois um dos principais é o fato de futuras gerações estarem crescendo em um ambiente que considera a violência contra a mulher um crime. Mas além disso, é necessário colocar que um espaço de escuta tanto para as mulheres quanto para os homens, envolvidos em relacionamentos violentos é de grande importância para esse ambiente (Lima e Mello, 2012).

Assim, ainda que muito timidamente, já são vistos alguns projetos em execução que visam diversos tipos de acompanhamento para o outro lado do processo. De curta ou média duração, eles têm como objetivo sensibilizar, fornecer suporte, estimular a tomada de responsabilização sobre o ato, entre outros objetivos, e, através de atividades, tentar reduzir a reincidência ou até, num aspecto mais amplo e de longo prazo, prevenir a violência contra a mulher.

Em Taboão da Serra, São Paulo, o projeto “Tempo de Despertar”, idealizado pela promotora Gabriela Manssur, envolve diversos profissionais relacionados à área: juízes, promotores, psicólogos, assistentes sociais e voluntários para promover discussões acerca do assunto (OLIVEIRA, 2017). Além disso, a ideia é, a partir de reflexões sobre o gênero, direitos da mulher, paternidade, direitos humanos, DST/AIDS, drogas e álcool, apresentar um caminho para desconstruir a própria masculinidade violenta. Como garante Manssur, desde que os grupos reflexivos começaram, houve uma queda de 65% para 2% na reincidência.

No Distrito Federal, há alguns anos, deu-se início a um movimento que apresentou dados factuais, estatísticos e teóricos para fundamentar a elaboração de um projeto de reeducação de homens que praticaram atos ofensivos. Em 2016, a revista Em Discussão, mostrou que os grupos (surgidos através da parceria do Ministério Público com o governo do DF), denominados de “Tardes de Reflexão” e coordenados por um psicólogo, tem uma proposta de desmistificar a violência como algo comum, banal, fazendo com que os indivíduos assumam o que fizeram. Afinal, só assim será possível existir algum aprendizado ou mudança.

E tudo indica que há mais ideias por vir. Em outubro de 2017, em Iporã, uma cidade no norte do Paraná, o projeto “Amar é Recomeçar” (também decorrente de parceria entre a Justiça e a prefeitura) propõe a ideia de entender a realidade dos sujeitos, de forma a identificar uma estratégia para que a ocorrência não se repita (Portal G1 PR, 2017). Esse programa é um desdobramento de um outro já existente, voltado às vítimas: o “Mulheres com Voz”, e foi apresentado em um evento que, de maneira mais global, contou com outras esferas da violência de gênero: palestras com a Polícia Militar, o Poder Judiciário, OAB e assistência social; participação de uma equipe do hospital do câncer de Umuarama, que abordará a saúde feminina; além da doação de alimentos, destinada às famílias que se encontram em vulnerabilidade social.

A importância já foi demonstrada algumas vezes. Entretanto, o país ainda carece de estratégias como as mencionadas. Apenas compreendendo o fenômeno (e isso só é possível quando conhecermos e entendermos todos os seus aspectos) que poderá combate-lo. A violência de gênero ainda é muito presente na maior parte da realidade brasileira e continuará desta forma caso não seja investido na criação e na continuidade de propostas que objetivem a melhoria das pessoas envolvidas, tanto para homens quanto para mulheres.

Ludmila Ângela Müller
Psicóloga
Especialista em Psicologia Jurídica

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