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Assédio ou paquera? Especialistas comentam situações que mulheres costumam vivenciar

Saiu no site  O GLOBO:

 

Veja publicação original:   Assédio ou paquera? Especialistas comentam situações que mulheres costumam vivenciar  

 

Socióloga, sexóloga e escritora feminista comentam sobre os limites entre o crime sexual e o flerte

 

O preto dominou o tapete vermelho do Globo de Ouro 2018, um dress code usado para chamar a atenção para a campanha do grupo contra assédio “Time’s Up”. Apesar da cor única, as atrizes mostraram que não há monotonia na cor considerada básica. Nossa editora de moda, Patricia Tremblais lista a seguir as dez maiores tendências que passaram pelo tapete neste domingo e dá dicas para acertar nas produções. Confira a seguir – MARIO ANZUONI / REUTERS

 

Ainda existe muita gente na dúvida sobre o que é assédio e o que é paquera, coisas completamente diferentes. O flerte não precisa acabar, é verdade, mas está na hora de todos entenderem quando os limites estão sendo extrapolados. Para isso, pedimos à socióloga Jacqueline Pitanguy, à relações-públicas, escritora e co-fundadora do coletivo Não Me Kahlo Gabriela Moura e à sexóloga Iracema Teixeira que comentem algumas situações por que muitas mulheres já passaram.

 

 

Jacqueline, aliás, faz uma consideração inicial importantíssima antes de responder às questões que deve ser levada em consideração. Não há como diagnosticar se uma situação é assédio ou paquera sem saber todos os meandros da relação.

 

 

— As relações humanas são ambíguas, e o erotismo está presente na nossa vida cotidiana. Nesse sentido, estabelecer fronteiras rígidas e imutáveis entre assédio e paquera é difícil, pois há uma série de fatores, desde a história individual das pessoas envolvidas ao contexto cultural e político. O grau de consciência do desrespeito em uma relação afetiva, sexual, profissional, na rua ou em casa tem a ver com nossa autoestima. Assim como a percepção, por parte do outro, de que está sendo inconveniente, desrespeitoso ou violento depende da forma como se situa em seus relacionamentos humanos, pessoais ou profissionais. O feminismo tem tido um papel fundamental em promover a autoestima das mulheres, a percepção de que seu lugar no mundo é de igualdade e não de subalternidade e a tornar mais claras as fronteiras entre paquera e assédio — avisa Jacqueline.

 

 

Apesar de não existir um manual, existe uma lei. A advogada e mestre em sociologia jurídica Marina Ganzarolli, co-fundadora da Rede Feminista de Juristas, explica como o assédio é visto do ponto de vista jurídico no Brasil:

 

 

— Tudo que a deixa constrangida pode ser considerado assédio, de forma ampla. Qualquer interação sem consentimento que tenha fins libidinosos pode ser considerada um tipo de violência sexual. Mas, pela lei brasileira, o crime de assédio só se aplica quando existe uma relação hierárquica, como nas escolas e no trabalho, e quando o constrangimento é reiterado. Portanto, ele não abarca o assédio horizontal, quando os dois estão no mesmo nível, no mesmo cargo profissional, e quando o assédio é eventual. Em outros países, isso é contemplado — esclarece ela, que lembra que sempre cabe sempre à vítima, e não a outros, definir quando há constrangimento. — Cada vítima sabe. O problema é o que as outras pessoas dizem: “não é nada”, “homem é assim”. Ninguém vai responder isso pela vítima. As outras pessoas vão falar várias coisas, mas a única que tem a resposta é a mulher.

Situação 1: Sempre que nos encontramos, um colega do escritório me abraça de um jeito com mais intimidade. Ele nunca me fez qualquer avanço, mas me incomoda a maneira como age. Assédio ou paquera?

Jacqueline Pitanguy: Essa pergunta é ambígua. Se o colega a abraça de uma forma que a incomoda, ela deveria afastá-lo, evitar o contato ou pedir claramente para que ele não aja assim. Se ele insistir, acho que passaria de uma paquera a um assédio.

Gabriela Moura: Assédio. Por acaso esse colega faz isso com os homens que trabalham com vocês? Pergunta retórica, porque a resposta, provavelmente, é não. Qualquer contato mais íntimo com alguém precisa, antes, ter permissão e intimidade, que nesse caso, não há.

 

 

Iracema Teixeira: O sentimento de incômodo é o parâmetro para avaliar a existência do assédio.

 

 

Marina Ganzarolli: É bem comum esse tipo de situação. Esse conjunto de ações só a vítima consegue ver. Às vezes, a mulher fica desconfortável, mas pensa, “ah, ele só faz isso”. Todos esses “mas” são a mulher se culpabilizando. Se ele não dá esse abraço em outras pessoas, só em você, e isso a incomoda, isso a constrange, então isso é assédio. 

Situação 2: A mulher ainda pode fazer o famoso “charminho”? E se ela gostar desse jogo de sedução? Como o cara vai entender que não deve desistir porque pode se configurar assédio? O charminho acabou?

Jacqueline Pitanguy: Não se trata de proibir o charme, o encantamento mútuo, o desejo. Apenas de impor limites à forma como eles se expressam. Trata-se de uma dinâmica entre pares, que conhecem os códigos de sedução e entendem e respeitam o sim e o não, o olhar, o sorriso sedutor. Mas se o contato físico ou verbal é imposto, transforma o prazer mútuo de uma paquera em uma agressão.

 

 

Gabriela Moura: Na dúvida, não avance. Se – e apenas se – for “charminho” (não gosto desse termo) – a mulher vai poder ter a oportunidade de também demonstrar que está interessada, mas que precisa do tempo dela, seja lá quais forem seus motivos. O que não dá é para a gente pegar situações isoladas e transformar em regra, porque muitos homens assediam com o pretexto de “jogo da sedução”. Outro detalhe bastante importante: homens são adultos. Homens e mulheres vivem na mesma sociedade, sob as mesmas regras de conduta e respeito. Quando os homens quebram isso e partem para atos de assédio, isso é uma escolha deles, não ignorância.

 

 

Iracema Teixeira: O jogo de sedução faz parte da conquista; mas depende do quanto cada um se responsabiliza pelas próprias atitudes. É fundamental a autorregulação da proximidade e distância no jogo da sedução.

 

 

Marina Ganzarolli: Se você, como mulher, quer usar os estereótipos do gênero feminino, isso é uma escolha sua. Se você quer fazer charminho, problema é seu. É importante deixar muito claras as barreiras no momento em que algo a incomodou. Tem que ser muito objetiva para não haver nenhuma confusão. 

 

Situação 3: Muitas empresas vêm recomendando aos funcionários, chefes ou não, que não fiquem sozinhos com colegas numa sala, que não deem carona, que não saiam para almoçar a dois. Você acha que, em tempos de tantas denúncias de assédio, essa é definitivamente a postura correta?

Jacqueline Pitanguy: Essa postura depende muito do contexto cultural de cada país. Fui professora em uma universidade nos EUA e lá manter a porta aberta ao receber alunos ou alunas era comum, como uma evidência contra qualquer alegação de assédio. Isso porque era frequente esse tipo de acusação. No Brasil, temos uma cultura corporal menos contida, nos tocamos mais, sem que necessariamente exista intenção de assédio sexual. É importante, entretanto, que os ambientes de trabalho tenham regras claras de boa educação e respeito nas relações sociais que se desenvolvem naquele ambiente. E canais institucionais em que as pessoas que ali trabalham possam reportar, sem prejuízo profissional, situações de assédio sexual ou moral.

 

 

Gabriela Moura: Não acho uma boa postura. Primeiro, porque isso reforça a tese de que homens e mulheres não podem ter relacionamentos saudáveis de amizade. Segundo, porque eu acredito que precisamos nos empenhar em criar uma cultura em que homens não assediem. Não devemos fomentar mais medo. Se existe um histórico de assédio na empresa, em vez de ensinar seus funcionários a não se relacionarem, eu aposto minhas fichas que a melhor saída é ensinar uma convivência saudável e respeitosa. E, caso haja algum caso de assédio, a empresa deve cooperar com a justiça sem obstruir eventuais investigações que sejam necessárias.

 

 

Iracema Teixeira: Enquanto não houver um equilíbrio nas relações de gênero, no qual o respeito aos limites predomina, pode ser um adequado arranjo de convivência. O problema está no homem acreditar que lhe é permitido ultrapassar as fronteiras do respeito e se comportar de forma abusiva por estar em uma posição hierarquicamente superior ou por achar que tem o controle a situação.

 

 

Marina Ganzarolli: Dentro do ambiente da empresa, não recomendo certas condutas. Há chance de se criar um passivo trabalhista ou entre as pessoas envolvidas. Fora a repercussão: uma funcionária pode fazer um “textão” no Facebook e isso pode ter consequência na imagem da empresa. É importante evitar carona se há relação de hierarquia. Quando há mais de uma pessoa, é normal. Quando são dois, melhor pedir um táxi. Essas situações acontecem, principalmente, em momentos de confraternização da empresa, em que o cara isola a mulher, faz com que ela saia do grupo maior e a situação de assédio acontece. Então, é melhor evitar.

 

 

Situação 4: O cara sai para jantar com a mulher, depois ele a deixa em casa. Na porta, ficam conversando no carro e ele se aproxima para dar um beijo. Assédio ou paquera?

Jacqueline Pitanguy: Qualquer um. Depende do clima que está rolando entre eles. Pode ser apenas um final feliz de uma noite alegre ou o início de um romance. Se o clima foi ruim, ou era um jantar profissional, é assédio.

 

 

Gabriela Moura: Se eles saíram, já numa certa investida afetiva, vejo isso apenas como paquera. E o cara precisa respeitar os limites da mulher. Se ela aceitar o beijo, ótimo; se ela não quiser, não deve haver insistência.

 

 

Iracema Teixeira: É assédio se o homem desconsiderar a negativa da mulher. Ela pode até não ser tão clara em sua negativa, mas a atitude corporal traduz se aceita ou não esse nível de intimidade.

 

 

Marina Ganzarolli: Isso depende muito. Você tem que perguntar para a mulher. Foi um jantar de negócios, foi um encontro? Se foi um jantar profissional e o cara abriu a porta, é um cavalherismo e tudo bem. Mas se ele tentou beijo, é assédio. Agora, se a mulher saiu para um encontro, ou se é uma conversa profissional e você quer levar para o lado amoroso, tem que existir sinais para tanto. É paquera quando os dois querem. É assédio quando um não quer.

 

 

Situação 5: Um colega ou um chefe de trabalho se aproxima e faz massagem nos meus ombros ou sempre me abraça pela cintura. Isso pode configurar assédio?

Jacqueline Pitanguy: Chefe fazendo massagem? Sem dúvida é um assédio. Grave. Total desrespeito e se aproveitando de seu poder como chefe. Quanto ao colega, a massagem também configura assédio. Com que direito ele toca em seu corpo? Ou ainda acha que o corpo das mulheres é propriedade dos homens?

 

 

Gabriela Moura: Com certeza, sim.

Iracema Teixeira: Configura-se em assédio. Tocar o corpo do outro sem permissão é extremamente invasor.

 

 

Marina Ganzarolli: Qualquer toque no corpo sem consetimento configura estupro pela lei. Então, um beijo forçado, até puxão de cabelo, a gente consegue enquadrar em estupro. Óbvio: se eu pedi para ele fazer a massagem: tudo bem! O trabalho não é o lugar mais adequado, mas em determinado momento pode até fazer sentido, dependendo do ambiente da empresa. 

 

 

Situação 6: Meu chefe, colega de trabalho ou professor sempre faz comentários sobre a minha aparência ou as minhas roupas. Assédio ou paquera?

 

 

Jacqueline Pitanguy: Depende do comentário. Às vezes, achamos um colega de trabalho particularmente elegante e não vejo mal em dizer a ele ou ela que sua roupa está bonita. É sutil. Nesse caso são são bem definidas as fronteiras. Talvez não seja nem mesmo uma paquera. 

 

 

Gabriela Moura: Assédio. A questão das roupas já é uma pauta bem antiga: roupa não define uma mulher, e o que ela veste diz respeito somente a ela.

 

 

Iracema Teixeira: É uma situação de assédio, pois elogios frequentes com relação à aparência física podem gerar constrangimento e humilhação pública.

 

 

Situação 7: Estou passando na rua e recebo assobios e elogios. Assédio ou paquera?

Jacqueline Pitanguy: Essa pergunta é difícil. Eu sou de uma geração em que os homens assobiavam. E era chato. Mas ainda assim há diferenças. Homens olham mulheres, e mulheres olham homens. Homens olham homens, e mulheres olham mulheres. Existe erotismo nos olhares. Mas existe também o lobo mau que a agride com o olhar e fere.

 

 

Iracema Teixeira: Existe a campanha “Chega de fiu fiu”, que orienta mulheres a denunciarem o assédio em espaços públicos. Os chamados “elogios ou brincadeiras” com conotação sexual ou mesmo obscenas precisam ser repudiados, nunca tolerados.

 

 

Marina Ganzarolli: Assobios ou “elogios” na rua configuram o que a gente chama precisamente de importunação ofensiva ao pudor. É um assédio de rua. Agora, você consegue lavrar um boletim de ocorrência de importunação ofensiva ao pudor? Olha, eu duvido muito. A contravenção penal é utilizada para homem que urina na rua no carnaval, tentativas de estupro no metrô… É utilizada de forma incorreta. O ideal seria que ela fosse usada para casos como esses, de assédio na rua. Se um homem grita para uma mulher coisas como “gostosa”, “ah, lá em casa”, ele não tem a mínima intenção de ter uma resposta. É assédio porque é unilateral, ele é só a expressão da vontade sexual de uma das partes. Em suma, quando o cara fala assim, sempre é assédio. 

 

 

Situação 8: Tenho recebido presentes do meu chefe a todo momento, como chocolates e flores. Assédio ou paquera?

Jacqueline Pitanguy: Presentes do chefe? Sem dúvida é assédio grave, porque vem de um superior hierárquico em ambiente de trabalho. Não aceite. Devolva. Denuncie.

 

 

Iracema Teixeira: Toda situação que gera constrangimento, medo e vergonha pode ser considerada assédio.

Situação 9: Uma pessoa com que não tenho intimidade me chama de apelidos como “gata” e “linda”. Assédio ou paquera?

Jacqueline Pitanguy: A primeira vez que ele a chamar de gata e linda é uma paquera mal educada. Cabe a você dizer “pare”. Se ele insistir, é claramente assédio.

Iracema Teixeira: Comentários, olhares ou toques indesejáveis são atitudes inadequadas e assediadoras.

 

 

Situação 10: Minha rede social é fechada, e um homem com que não tenho a mínima intimidade tenta me adicionar em todos os canais. Mesmo recusando, ele continua enviando convites. Assédio ou paquera?

Jacqueline Pitanguy: Assédio e grave. Violação de intimidade. Denuncie. Perigo à vista! É como alguém forçando a porta de sua casa.

 

 

Iracema Teixeira: Claramente uma situação de assédio devido à perseguição.

 

 

Marina Ganzarolli: Se a sua rede social é fechada e você continua recusando, é assédio. A gente chama isso de constrangimento ilegal ou pertubação da tranquilidade. São duas contravenções penais também. São crimes de menor potencial ofensivo. Quem faz isso provavelmente vai pagar cesta básica, uma multa, vai ser encaminhado para um juizado penal e fica por isso, sendo que ele não pode repetir o comportamento pelos próximos cinco anos. Isso é muito comum e pode virar ameaça e coisas mais graves. Então é, sim, um tipo de violência contra a mulher por meios digitais. Infelizmente, ainda não há um enquadramento específico na lei do país. Por isso, a gente tem utilizado as contravenções penais. Tudo que não tem o seu consentimento, que a gente não quer que aconteça, é assédio. 

 

 

Situação 11: O cara com quem eu não tenho a menor intimidade me faz uma ligação de vídeo no meio da madrugada. Eu atendo e ele me pergunta se eu estou sentindo o mesmo que ele a respeito de nós. Assédio ou paquera?

 

 

Jacqueline Pitanguy: Telefonar no meio da madrugada , sem uma razão grave, para uma pessoa que você mal conhece, é sem dúvida falta de educação e de respeito à privacidade. Se, além disso, é para fazer essa pergunta que implica uma suposta intimidade, é um assédio.

 

 

Gabriela Moura: Assédio. A paquera é uma relação entre pessoas que se sentem confortáveis com isso e demonstram interesse. Se não há intimidade, é desconfortável que alguém queira contato por ligação de vídeo no meio da madrugada. Afinal, se o cara não tem intimidade comigo, ele nem sabe se eu curto ou não.

 

 

Iracema Teixeira: Assédio. Ligar para alguém no meio da madrugada é uma total falta de bom senso; é uma invasão de privacidade e ausência de limites.

 

 

Marina Ganzarolli: Pela lei, neste caso, você teria um constrangimento que não é crime; é contravenção penal. Se é de madrugada, ainda é também importunação. Se você nunca deu nenhum sinal, nunca interagiu dessa forma com a pessoa, eu consideraria assédio, sim. Se você já teve um lance com o cara, aí pode ser uma paquera. 

 

 

Situação 12: Um conhecido com quem não tenho relação de intimidade insiste em questionar se estou solteira ou em um relacionamento. Mesmo respondendo, ele volta com a pergunta. Assédio ou paquera?

Jacqueline Pitanguy: A pergunta tem segundas intenções, mas acho que não seria assédio e sim um estudo de campo para ver se há possibilidades de uma paquera.

 

 

Iracema Teixeira: Toda situação de insistência em obter um tipo de intimidade, sem a reciprocidade, pode ser considerada um assédio. Esse exemplo é de uma importunação e ausência de limites.

 

 

Marina Ganzarolli: Você não é obrigada a responder nenhuma pergunta de um conhecido, em ambiente de trabalho, sobre a sua vida pessoal. Se ele perguntar sempre, você pode falar que isso a incomoda e pedir que pare. Eu, pessoalmente, faço muito a pergunta de volta, sem responder. Cada mulher, cada personalidade, reage de uma forma a essas situações. Agora, se você responde, você não está comunicando que não quer. É preciso deixar claro que não gosta da pergunta. Além disso, se ele faz isso te encostando, com uma certa entonação, você que sabe se é assédio. A mulher sabe se tem uma conotação sexual. Se tem conotação sexual e te constrange, é assédio.

 

 

 

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