Saiu no site CORREIO DO POVO:
Veja publicação original: Após texto polêmico, Catherine Deneuve é criticada por “banalizar a violência sexual
Autoridades francesas e grupo de mulheres afirmam que atriz desprezou as milhões de vítimas de assédio
Secretária de Estado para a Igualdade de Gênero da França também se manifestou, afirmando que declarações são “perigosas” | Foto: Gregor Fischer / Getty Images / Arquivo AFP / CP
O texto assinado pela atriz Catherine Deneuve e outras 99 mulheres no qual defendem que a “liberdade de assediar é indispensável à liberdade sexual” causou polêmica França. Nesta quarta-feira, a Secretária de Estado para a Igualdade de Gênero, Marlène Schiappa, apontou nunca ter tido conhecimento de um “homem que foi demitido por tocar o tornozelo de uma mulher”. Em vídeo publicado em seu Twitter, ela criticou as signatárias do texto, considerando “perigoso” o posicionamento. “Neste manifesto há coisas profundamente chocantes. Nós já temos problemas para que as jovens compreendam que se um homem esfregar o sexo contra elas é uma agressão.
A senadora Laurence Rossignol também foi crítica à posição de Deneuve e seu grupo: “Esta carta é uma bofetada contra as mulheres que denunciam a violência sexual. Só serve aos agressores”. O deputado Hugues Renson, vice-presidente da Assembleia Nacional, disse que o texto é inoportuno. “Na França, há uma vítima de violência de gênero em cada 10 mulheres, uma mulher que morre a cada três dias devido à violência doméstica, 93 mil estupros em 2016, 10% de estupradores presos”, escreveu na rede social. Já atriz italiana Asia Argento, que foi uma das primeiras a denunciar Harvey Weinstein, lamentou que sua colega de profissão tenha tais pensamentos.”Deneuve e outras francesas mostraram ao mundo como sua misoginia internalizada as tem lobotomizado até o ponto delas não poderem retornar”.
“O velho mundo está desabando”
Além disso, um coletivo de 30 militantes feministas, comandadas por Caroline de Haas, publicou no site da rede France Télévisions uma carta aberta criticando as autoras do artigo publicado no jornal Le Monde. “Elas são em sua maioria reincidentes em matéria de defesa de pedófilos ou encontrar desculpas para estupro. Elas estão mais uma vez usando a visibilidade da mídia para banalizar a violência sexual. Elas desprezam os milhões de mulheres que sofrem ou sofreram a violência”, argumenta o grupo.
“As mulheres são seres humanos. Como os outros. Temos o direito de respeitar. Temos o direito fundamental de não ser insultadas, assobiadas, assediadas ou estupradas. Temos o direito fundamental de viver nossas vidas em segurança. Na França, nos Estados Unidos, no Senegal, na Tailândia ou no Brasil: este não é o caso hoje. Em nenhum lugar”, diz o coletivo, que também denuncia que muitas das mulheres que assinaram o artigo no jornal Le Monde na terça-feira “geralmente são rápidas em denunciar o sexismo quando vem de homens em bairros da classe trabalhadora, mas a mão na bunda, quando é exercida por homens de seu meio, de acordo com elas é o ‘direito de importunar'”.
“Essa estranha ambivalência permitirá apreciar seu apego ao feminismo do qual elas se reivindicam. Com este texto, elas tentam fechar a armadura de chumbo que começamos a levantar. Elas não terão sucesso. Somos vítimas de violência. Não nos envergonhamos. Estamos de pé. Fortes. Entusiasmadas. Determinadas. Vamos acabar com a violência sexista e sexual. Porcos e seus aliados estão preocupados? É normal. Seu velho mundo está desaparecendo. Muito devagar – muito devagar – mas inexoravelmente. Algumas reminiscências empoeiradas não mudarão nada”, continuam.
“A cada vez que os direitos das mulheres progridem, as consciências despertam, as resistências aparecem. Em geral, assumem a forma de “é verdade, é claro, mas…”. Este 9 de janeiro, tivemos um “#Metoo, foi bom, mas…”. Isso não é realmente novo nos argumentos utilizados. Encontramos isso no texto publicado no Le Monde assim como no trabalho em torno da máquina de café ou refeições da família. Este artigo é um colega pouco embaraçoso ou tio cansativo que não entende o que está acontecendo”, dizem.
Caroline, responsável pela redação do texto, analisa que “assim que a igualdade avança, mesmo meio milímetro, boas almas imediatamente nos alertam para o fato de que arriscaria cair em excesso”. “Excesso, estamos bem nisso. É o mundo em que vivemos. Na França, todos os dias, vítimas de assédio são centenas de milhares de mulheres. Decenas de milhares de agressões sexuais. E centenas de violações. Todos os dias. A caricatura, ela está aqui”.
Ela critica o argumento comumente utilizado de que hoje em dia não se pode dizer mais nada. “Como se o fato de nossa sociedade tolerar – um pouco – menos do que antes as observações sexistas, como comentários racistas ou homofóbicos, fosse um problema. “Bem, era francamente melhor quando podíamos tratar as mulheres como putas tranquilas, hein?Não. Era pior. A linguagem tem influência no comportamento humano: aceitar insultos contra as mulheres significa permitir a violência”, escreve, antes de dizer que o domínio da língua é um sinal de que a sociedade está progredindo.
Conforme o texto, o grupo, que também conta com personalidades como a jornalista Lauren Bastide e a escritora Fatima Benomar, está enganado ao fazer “as feministas passarem como limitadas, até mesmo como ‘mal-comidas'”. “A originalidade das signatárias do artigo é… desconcertante. A violência afeta as mulheres. Todas. Elas pesam em nossas mentes, nossos corpos, nossos prazeres e nossas sexualidades. Como imaginar por um momento uma sociedade livre na qual as mulheres libertam livremente e totalmente seus corpos e sua sexualidade quando mais de metade deles alegam ter sofrido violência sexual?”, questionam.
“As signatárias do texto deliberadamente misturam uma relação de sedução, baseada em respeito e prazer, com violência. Misturar tudo é muito prático. Isso coloca tudo na mesma bolsa. Basicamente, se o assédio ou a agressão é “paquera insistente”, ele não é tão grave. As autoras estão errados. Esta não é uma diferença de grau entre paquerar e assediar, mas uma diferença de natureza. A violência não é ‘sedução aumentada’. De um lado, consideramos o outro como igual, respeitando seus desejos, quem quer que seja. Por outro lado, como um objeto disponível, sem fazer qualquer caso de seus próprios desejos ou seu consentimento”, continuam.
As autoras também rebatem o argumento utilizado de que deveria haver uma educação para as mulheres. “As responsáveis pelo texto falam sobre a educação a ser dada às meninas para que elas não se deixem intimidar. As mulheres são, portanto, designadas como responsáveis por não serem assaltadas. Quando pediremos a questão da responsabilidade dos homens de não violar ou assediar? E quanto à educação dos meninos?”, indagam.
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