Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE:
Veja publicação original: Cat Person fecha com chave de ouro o ano mais feminista do novo milênio
Na coluna De Repente Perennial desta semana, a editora sênior Adriana Ferreira Silva fala sobre a importância de terminar o ano discutindo temas que nos tocam tão fundo quanto os descritos no conto “Cat Person”
Na coluna De Repente Perennial desta semana, a editora sênior Adriana Ferreira Silva fala sobre a importância de terminar o ano discutindo temas que nos tocam tão fundo quanto os descritos no conto “Cat Person”
É uma felicidade terminar um ano em que o feminismo foi protagonista acompanhando um conto como Cat Person se transformar num fenômeno editorial. Para quem não seguiu a repercussão do texto, ele é narrado por Margot, uma garota de 20 anos, em seu primeiro encontro com Robert, um cara de 34, e dá tudo errado: do beijo à trepada, nada funciona.
A história publicada pela revista New Yorkertransformou sua autora, a norte-americana Kristen Roupenian, numa celebridade instantânea – os direitos autorais de seu primeiro livro teriam sido vendidos por US$ 1 milhão de dólares (aqui, ela será publicada pela Cia. das Letras). A obra viralizou, alimentando intensa discussão em torno de temas como relacionamentos virtuais, gordofobia – o rapaz tem uma barriga nada sexy, na opinião da personagem -, situações em que as mulheres se sentem forçadas a fazer sexo, vingança etc.
Polêmicas a parte, o maravilhoso disso tudo é que a discussão se dê a partir do ponto de vista de Margot, enfatizando sensações, sentimentos e situações com as quais todas nos identificamos. Da decepção com a imagem idealizada até se encontrar, na hora H, num cenário em que você se sente obrigada a seguir em frente mesmo sem vontade, porque a sociedade machista nos ensinou a adotar o comportamento boneca inflável: deixe ele gozar (e finja que gozou) que termina mais rápido.
Sou leitora voraz e os melhores romances de formação que li quando adolescente eram protagonizados por homens. John Fante e seu Arturo Bandini são viciantes, mas não dá para se imaginar no lugar desse antiherói. Não sendo mulher. A nós, sobram heroínas de histórias açucaradas, sejam as princesas de contos de fada ou as moças sofredoras de livrinhos à la Poliana (li a saga completa). Em outro extremo, estão romances como Mrs. Dalloway, a versão mais amarga da heroína, obrigada a se adaptar às convenções, ou dramas como Cristiane F., a drogada e prostituída que eu descobri justamente aos 13 anos e que me jogou numa profunda melancolia. Existem, é claro, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles para nos salvar, mas, infelizmente, cheguei a elas já adulta.
Para os rapazes, no entanto, a gama de personagens para se inspirar é vasta, intensa, vibrante. Por isso, acompanhar escritoras contemporâneas como Chimamanda Ngozi Adichie, Yaa Gyasi, Leila Slimani ou a própria Kristen Roupenian e suas heroínas tão humanas é uma enorme felicidade. Uma esperança de que minha sobrinha de 13 anos seja apresentada aos dramas que estão por vir mais jovem do que eu fui.
Sobre as contravérsias em torno de Cat Person, sorry boys (and girls), mas a barriga é um detalhe numa sequência de erros, que começa com a escolha de um filme sobre o Holocausto, no que deveria ser um primeiro encontro romântico, ao fato de Robert perguntar a Margot se ela é virgem por causa de sua pouca idade. Quanta pretensão! Beijasse ele bem, fosse ele tão interessante quanto a imagem construída nas mensagens virtuais e Margot nem ia reparar na barriga.
Mas ela repara, porque ele não dá uma dentro – o que se comprova no desfecho (sem spoilers).
Desejo que em 2018 tenhamos a possibilidade de ler muitas outras histórias que nos representem, nos orientem, nos tragam alívio. Se feminismo foi a palavra de 2017, espero que revolução feminista seja a do ano que está chegando.
Ótimo Natal e boas vibrações de Ano Novo. A luta continua!
Adri