Saiu no site ELLE:
Veja publicação original: O mundo treme quando mulheres param de aceitar padrões
Em sua coluna Visões de Vivi, nossa editora discute os assuntos mais relevantes do momento na moda.
Por Vivian Whiteman
Madonna é ridícula porque não adaptou suas roupas e atitudes a certo padrão careta, ditado pela idade. Beth Ditto é ridícula porque jamais deitou para looks feitos para esconder seu grande e poderoso corpo. Milhões de mulheres mundo afora são ridículas porque decidiram fazer o contrário daquilo que foi determinado por padrões que elas não escolheram.
Ridículas, palhaças. Essas são palavras muito repetidas como xingamento. Ridículo é o que desperta riso. E o riso que não é de alegria ou conforto é mesmo misterioso. Por que rimos diante do palhaço? Bom, se eu conseguir rir será de nervoso porque morro de medo. Mas o que faz dele engraçado de saída se não certo desconforto diante de uma figura que ri de si mesma, encena toda nossa estupidez, erra por nós para que sejamos capazes de relaxar? O palhaço é, sim, triste também. E esconde algo de maldoso como todos nós. Talvez por isso mesmo eu tenha medo dele. Eles dizem muitas verdades em um look de impacto, impossível desviar os olhos.
Existe uma espécie de transe negativo no ar. Enquanto pregam a liberdade,muitos espalham o terror. A liberdade que alardeiam não passa de direito de ofender e machucar o outro, de atacar.
Madonna irrita por representar a decisão de não abrir mão de coisas que a cultura ocidental perversa quis tirar da vida e atribuir à juventude. Sim, a fertilidade diminui, o corpo muda, há certas coisas que pertencem a certo tempo. Mas a paixão opera de outra forma. A paixão extrapola e dança.
Beth Ditto irrita porque é a imagem da gorda que não está triste nem envergonhada. Em algum momento, as gordas foram escolhidas como um depósito de infelicidade. Devem ou estar deprimidas ou tentando ter outro corpo. E, quando elas escapam dessa falsa escolha, que problema. Uma gorda que se ache bonita parece uma afronta ao mundo.
A lista é grande. Mulheres negras, por exemplo, foram durante muito tempo colocadas à margem da beleza. Só podiam ser declaradas bonitas em condições de submissão, “exotismo” ou de forte apelo sexual com base no olhar masculino. Quando elas começaram a mudar isso, o mundo tremeu. E ainda treme. A geração tombamento não tem esse nome à toa.
Quando olhamos para o mundo hoje, é difícil compreender o que acontece. Mas o certo é que nada de bom poderá vir da exigência de concordância imediata.Existe uma forte oposição no ar e não devemos esperar uma vitória absoluta. A existência de opostos não prejudica ninguém. O que causa problemas é o desejo de destruição do que é diferente.
Precisamos, sim, pregar respeito e liberdade de escolha. Porém, e que isso fique bem registrado, dito, escrito e evidente, não pode haver nenhuma tolerância com ações que visam iniciar e perpetuar a destruição, a dominação e a humilhação do outro.
O que está em jogo é uma nova forma de inteligência, que exige nobreza diante de discordâncias e uma defesa concentrada, incansável e zelosa da individualidade. Certa integridade que não exija o elogio de quem não quer fazê-lo e nem se curve à crítica. Uma beleza divergente, ampla, segura, presente, que seja ao mesmo tempo construção e feliz acaso, deixando um rastro por onde quer que passe.