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Veja publicação original: O pedido de socorro que vem do celular
erca de 500 mulheres sofrem violência física a cada hora no Brasil, segundo pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança. Qualquer recorte de agressões contra mulheres, sejam elas físicas ou verbais, são alarmantes. Da mesma forma que elas têm encontrado na internet um espaço de catarse coletiva, com campanhas como #PrimeiroAssedio, lançada pela Think Olga em 2015, é também por meio de tecnologias digitais que estão buscando informações e meios para se proteger e denunciar seus agressores.
No último ano se multiplicaram o número de aplicativos de combate à violência de gênero com as mais diferentes funcionalidades: desde mapear lugares inseguros até acionar uma rede de contatos em situações de perigo, passando por chamar a polícia para mulheres sob proteção legal. “A violência contra a mulher é assustadoramente comum em todas as classes sociais, em todas as idades, em todas as raças. E mata milhares de mulheres todos os anos no Brasil”, diz Marília Taufic, idealizadora do PenhaS, aplicativo desenvolvido em parceria coma a Revista AzMina e que deve ser lançado no início de 2018.
Os aplicativos buscam criar entre as próprias mulheres e seus contatos de emergência uma rede de proteção e apoio, em uma forma de complementar os precários (ou até inexistentes) serviços públicos voltados ao atendimento de mulheres. “As pessoas enquanto sociedade podem fazer mais, por isso focamos na funcionalidade de informar uma rede de segurança formada por conhecidos para prevenir que as agressões aconteçam”, diz Priscila Gama, co-fundadora do Malalai, aplicativo voltado ao deslocamento de mulheres com mais segurança para prevenir casos de violência sexual. Ela explica que a ideia inicial era desenvolver uma espécie de “botão de pânico” que pudesse acionar a polícia, mas que o processo para isso é complicado e poderia haver muitos casos de falsos comunicados de crimes.
Além de acionar uma rede de até três contatos via SMS quando a mulher se sentir insegura, o Malalai tem um mapa que é alimentado com dados inseridos pelas próprias usuárias para que mulheres possam consultar para traçar seu percurso. Há informações sobre a iluminação das vias, movimentação de pessoas, existência de ponto comercial aberto, presença de porteiros ou de segurança privada, existência de posto policial e ocorrências anteriores de assédio.
A ideia de desenvolver o app surgiu depois que Priscila acordou em uma madrugada com os gritos de uma mulher na rua esmurrando a porta de uma padaria prestes a abrir porque estava sendo seguida por um homem. Foi na mesma época que as redes sociais foram inundadas por relatos sobre os primeiros assédios, em 2015. “Muitos deles estavam relacionados à mobilidade urbana. Hoje a mulher não tem direito à cidade e eu, como arquiteta e urbanista, fiquei pensando em um jeito de tornar esses trajetos um pouco mais seguros”, conta Priscila. O app já foi baixado por 25 mil pessoas e tem 15 mil usuárias ativas.
O PenhaS terá o mesmo sistema de acionamento de amigos e familiares para socorrer a mulher vítima de agressão. Além disso, para ajudar na colheita de provas para a denúncia será possível gravar áudios. “Essa é uma forma de provar a violência que sofreu. Quando ela vai denunciar na polícia costuma sofrer ainda a violência institucional, que é o descrédito da autoridade, sendo questionada sobre marcas de violência que muitas vezes são invisíveis”, diz Marília. A ferramenta também terá um chat em que as mulheres poderão conversar umas com as outras, em uma rede de escuta e acolhimento. Um dos grandes pilares será empoderar essas mulheres também por meio de informações. Para isso, vai agregar notícias de conteúdos feministas (em que tem como parceiros AzMina, Huffpost, Gênero e Número, Jotae Agência Patrícia Galvão) e terá um mapa com informações de delegacias especializadas no atendimento a mulheres.
Outros apps se dedicam à frente de acolhimento e de um tratamento mais profissional. O Mapa do Acolhimento veio ao mundo em junho do ano passado para dar apoio terapêutico e legal às vítimas de qualquer tipo de violência, especialmente a sexual. Criado pelo laboratório de ativismo Nossas e pelo coletivo #AgoraÉqueSãoElas, a plataforma conecta as vítimas a 540 psicólogos e, mais recentemente, a também 16 advogadas, que doam horas de trabalho para esses atendimentos. Atualmente os serviços estão disponíveis em 51 cidades em nove estados, além do Distrito Federal, e aproximadamente 200 vítimas estão atendimento contínuo.
A rede conta ainda com 2.578 voluntários que foram capacitados para checar os registros profissionais no Conselho Regional de Psicologia (CRP) e na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de cada localidade. “Temos a responsabilidade de checar os antecedentes desses profissionais para que essas vítimas não sofram novos traumas em seu tratamento”, diz Manoela Miklos, ativista feminista membro do coletivo #AgoraÉqueSãoElas. Ela conta que a ideia surgiu também dos casos de assédio relatados na internet. “O objetivo é que se as vítimas que estão a um clique de fazer denúncias nas redes sociais estejam também a um clique de ter acesso aos seus direitos.”
O aplicativo PLP 2.0 foi um marco no uso do celular para os casos mais extremos. Criado pelas ONGs Instituto Geledés e Themis, o objetivo do app é acionar, de forma rápida, uma rede de proteção a mulheres sob medida protetiva que forem agredidas ou se sentirem ameaçadas por seus ex-companheiros. Essa rede é formada por Judiciário, polícia e promotoras legais populares (PLP), que são lideranças comunitárias capacitadas para defender os direitos das mulheres e de onde surgiu o nome da ferramenta. Em 22 anos de curso cerca de cinco mil promotoras foram formadas.
O aplicativo aciona a polícia por meio do 190 com informações sobre a vítima e sua localização e avisa o juiz responsável pelo caso de que a medida protetiva foi desobedecida. Além disso, chama a promotora legal popular que estiver mais próxima do local para prestar assistência. O app também ajuda na coleta de elementos que possam servir de provas no processo ao gravar áudios e vídeos e armazenar um diário de ocorrências que a mulher pode escrever relatando situações que não necessariamente descumprem a medida, mas que podem ser usadas no processo.
O PLP 2.0 ainda tem um alcance limitado porque conta com o poder público para atuar. Para ser cadastrada e usar o app, a mulher já tem que estar sobre proteção legal e ser selecionada pelo Judiciário. Atualmente o app funciona em Porto Alegre desde junho de 2016 e tenta expandir para outras regiões do país. Maria Sylvia de Oliveira, presidente do Geledés, conta que há conversas com as Secretarias de Segurança Pública de cidades de Santa Catarina, Espírito Santo, Rio de Janeiro e, mais recentemente, foi iniciado um diálogo em São Paulo. “O PLP 2.0 precisa de impulso estatal, em que o diálogo é um pouco mais difícil porque envolve recursos para a manutenção do sistema, coordenação da TI da polícia e documentos protocolares a serem assinados, mas estamos avançando”, diz.
Recursos contra a violência
Um dos grandes desafios para desenvolver e manter esses aplicativos é o financiamento. Recursos do próprio bolso, financiamento coletivo e prêmios e bolsas têm sido as formas mais comuns para colocar as ferramentas em pé. O Mapa do Acolhimento e o Malalai foram desenvolvidos com recursos próprios das organizações e das fundadoras. Para manter e expandir sua atuação, as duas iniciativas estão com processos de crowdfunding na rua. A meta do Malalai é captar pelo menos R$ 20 mil até o dia 4 de dezembro. Já o Mapa do Acolhimento lançou há um mês um financiamento permanente sem meta estabelecida de arrecadação.
Já o PLP 2.0 ganhou R$ 1 milhão do Prêmio Desafio Social Google em 2014, recursos que financiam o aplicativo até hoje. Já o PenhaS inscreveu o projeto em um edital do Mama Cash, um fundo internacional para financiamento de projetos de proteção e de direitos de mulheres. A iniciativa recebeu R$ 69 mil, dos quais dez mil reais foram destinados para a realização de reportagens da AzMina e R$ 59 mil para o desenvolvimento e lançamento do aplicativo.
Mas com grana e esforços escassos, não seria mais produtivo juntar algumas dessas iniciativas em menos plataformas?
Segundo Manoela, do Mapa, num primeiro momento é natural que hajam esforços duplicados, porque os modelos ainda estão sendo testados. “As organizações estão experimentando. Com o tempo, vamos avaliando o que funciona e só vamos replicar o que tem sucesso”, diz. Para Marilia, do PenhaS, com o maior número de apps a probabilidade de as mulheres que precisam conhecê-los é maior. Além disso, segundo ela, dependendo da localidade, um app funciona melhor que o outro, porque tem mais mulheres cadastradas naquela região. “Então quanto mais, melhor.”
[Com colaboração de Helena Bertho]
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Aplicativos de combate à violência contra a mulher se multiplicam e buscam tanto prevenir quanto encontrar apoio para agressões já sofridas