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Veja publicação original: Violência contra mulher começa de forma verbal ou psicológica; denunciar evita feminicídio
“Em briga de mulher não se mete a colher”. Esse ditado já não faz mais parte do cotidiano brasileiro ou, pelo menos, não deveria mais fazer. Na maioria das vezes, a omissão em não denunciar agressões diversas contra mulheres podem ser o aval para que essa violência progrida e chegue ao seu auge: o feminicídio. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) dão conta de que até o mês de agosto foram 94 mulheres assassinadas no Espírito Santo, sendo 28 desses casos considerados feminicídios, quando a morte da mulher se dá em função do gênero.
A Gerente de Proteção à Mulher da Sesp, Daniela Figueiredo, explica que, não são somente agressões físicas que caracterizam a violência contra a mulher. Por isso é preciso atenção aos primeiros indícios dessa violência, pois ela pode progredir e culminar em um desfecho fatal.
“Existem várias formas de violência contra a mulher: violência física, moral, psicológica, patrimonial e sexual. Afirmamos com certeza que a violência física não chega do nada. Para que se alcance essa violência física é natural que tenha sido precedida de violência verbal ou violência psicológica. A violência psicológica se caracteriza pela diminuição, pelo menosprezo, da mulher enquanto mulher. “Você não é capaz”, “você não serve pra nada”, “se não fosse por mim você não existia”. Então todas essas afirmações que são feitas dentro do contexto doméstico e familiar que diminuem a autonomia da mulher, que diminuem a auto realização da mulher, que impactam diretamente na forma de estar dessa mulher na sociedade e principalmente nesta relação, são consideradas violências”, explica a gerente.
A doutora Cláudia Regina Albuquerque, promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Enfrentamento da Violência contra a Mulher (Nevid) do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), afirma que o núcleo tem promovido palestras em faculdades e outros espaços conscientizando sobre os conceitos e as cinco formas de violência considerados pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2016), já descritas por Daniela Figueiredo.
“As pessoas só reconhecem a violência que deixa marca. Mas é preciso a conscientização dessas outras formas de violência, que são trampolim para o feminicídio. Muitas pessoas não reconhecem que xingar, humilhar a mulher é violência psicológica. Que caluniar, difamar a mulher é violência moral. Que a violência sexual pode acontecer, inclusive, dentro do namoro ou do casamento: sexo forçado é violência sexual. E a violência patrimonial, homens que destroem os pertences da mulher, rasgam suas roupas, ficam com o dinheiro da mulher, por exemplo”, reforça a promotora.
Machismo
Daniela Figueiredo afirma que a cultura capixaba ainda é muito arraigada no machismo, trazendo alguns conceitos da mulher que despertam o sentido de posse e propriedade, fato potencializado em municípios de interior. Por isso, a gerência estende a rede de atendimento, além da região metropolitana, até esses municípios, deixando claro que é preciso coibir a violência desde seus primeiros atos.
“Nós precisamos estar muito atentos porque justamente essas primeiras violências que vão progredindo. Essa violência é gradativa e culmina numa violência física e chegando inclusive ao topo das violências, que é o feminicídio, o homicídio dessa mulher na sua condição de mulher”, afirma.
Pessoas próximas devem “meter a colher”
A Gerente de Proteção à Mulher da Sesp, Daniela Figueiredo, incentiva não só as mulheres que sofrem a violência, mas também pessoas que têm o conhecimento de mulheres em situação de violência a ligar para o 181 e realizar a denúncia, que é anônima, com sigilo absoluto.
“A violência está muito próxima da gente. Está na nossa colega que trabalha na mesa ao lado, está na funcionária da empresa que trabalhamos, do nosso prédio, no comércio que frequentamos e às vezes nos atentamos aos primeiros sinais da violência. A mudança de comportamento dessa mulher, os sinais pelo seu corpo, esconder o excesso de maquiagem no rosto… Então é preciso que a gente reescreva aquele ditado que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Temos que meter sim. É responsabilidade de todos nós enquanto seres da sociedade. Porque a violência da mulher tem reflexos em toda a sociedade. Então de uma forma ou de outra, ainda que a violência não seja com a gente, ela acaba interferindo na nossa forma de estar entre a sociedade. Denuncie”, encoraja a gerente.
A coordenadora do Nevid, Cláudia Regina Albuquerque, reforça que o grande desafio continua sendo ultrapassar as quatro paredes, onde toda a violência tem início, e portanto a denúncia é necessária. “Hoje o Estado tem o dever legal de meter a colher e a sociedade também deve participar denunciando as violências que tiver conhecimento. Qualquer pessoa que tiver conhecimento dessas violências pode fazer a denúncia pelos canais”.
Integração com saúde e educação
Cláudia Regina Albuquerque explica que o Nevid atua fomentando políticas públicas para o enfrentamento da violência contra a mulher; fiscalizando, estimulando, capacitando e orientando os agentes e órgãos na execução dos serviços estabelecidos pela Lei Maria da Penha; e realizando projetos e campanhas de conscientização das temáticas relacionadas à Lei. Para a promotora, o enfrentamento à violência contra a mulher no Espírito Santo seria mais eficiente a partir da integração entre as secretarias, sobretudo de Educação e Saúde, com a Segurança Pública.
“Não adianta fazermos o enfrentamento da violência contra a mulher apenas com polícia. Violência contra a mulher também é um problema de saúde pública, então precisamos que a Secretaria de Saúde também se integre. É preciso que seja inserido nos currículos escolares uma discussão sobre violações de direitos humanos, porque senão vamos ficar tratando sempre das consequências. Está faltando essas secretarias intervirem, realizarem projetos e políticas públicas. Seria um sonho ter essas três secretarias – Saúde, Educação e Segurança – trabalhando juntas. Precisamos desconstruir os padrões sociais machistas, senão vamos continuar tratando somente as consequências”, argumenta a doutora.
Ela avalia que a Sesp vem desempenhando seu papel no enfrentamento criminal, mas, sozinha, não consegue abarcar todo o ciclo da violência. “O que nós precisamos é um aprimoramento e maior integração entre esses atores. Porque nossos números mostram que a gente tá falhando. Está todo mundo fazendo o dever de casa, mas ainda não estamos ainda conseguindo chegar lá”.
Atuação da Gerência de Proteção à Mulher: A Gerência de Proteção à Mulher da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo (Sesp) trabalha em três vertentes. A primeira é a prevenção à violência a partir do trabalho da Patrulha Maria da Penha, que é acionada a partir das denúncias pelo 181. A segunda é o processo da não reincidência dos autores da violência doméstica e familiar, através do projeto “Homem que é Homem”, “que é um grupo reflexivo que trabalha novas formas de resolução de conflitos que não da comunicação e do comportamento violento desse homem”, explica gerente Daniela Figueiredo.
Já a terceira vertente é a Casa Abrigo Estadual Maria Cândida Teixeira, considerada um projeto de retaguarda. “Quando todas as outras situações da rede de proteção a essa mulher falharam, temos a casa abrigo, que é um equipamento no apto a receber mulher vítimas de violência doméstica e familiar em risco iminente de morte”.
Entenda as cinco formas de violência contra a mulher de acordo com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)
Violência física: entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
Violência psicológica: entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
Violência Sexual: entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
Violência patrimonial: entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
Violência moral: entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
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