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Violência no lar afeta trabalho, renda e autonomia econômica da mulher

Saiu no site DIÁRIO DO NORDESTE: 

 

Veja publicação original:  Violência no lar afeta trabalho, renda e autonomia econômica da mulher

 

Pesquisa cearense mostra que vítimas sofrem danos a curto e a longo prazos por agressões dos parceiros

Exausta, ela chega do trabalho. No lar, onde deveria receber afeto, encontra apenas agressões. Físicas, verbais, sexuais. No dia seguinte, ainda com as sequelas da noite anterior, não consegue ir ao emprego. Quando consegue, mal é capaz de produzir. As faltas registradas são descontadas de seu salário. Ao fim do mês, a dependência em relação ao marido, seu agressor, continua, e ela se vê forçada a permanecer na casa que mais lhe parece uma prisão.

 

Nesse ciclo de violência, milhares de mulheres vivem todos os dias. Denominada de doméstica, ela, na verdade, extrapola os limites do lar. Impede a mulher de exercer uma profissão, alcançar autonomia financeira e sair da situação de vulnerabilidade à qual está submetida.

 

 

As constatações estão presentes na Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (PCSVDF Mulher), estudo pioneiro no País produzido pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com o Instituto Maria da Penha. Lançado em agosto deste ano, o segundo relatório da pesquisa traz dados sobre mais de 10 mil mulheres nas nove capitais da região Nordeste. A partir das entrevistas realizadas, a pesquisa revelou de que formas a violência doméstica impacta no mercado de trabalho e na produtividade das vítimas.

 

 

Em Fortaleza, cerca de 1.200 mulheres, com idades entre 15 e 49 anos, de todos os perfis socioeconômicos, foram entrevistadas. Destas, 18% relataram que o comportamento agressivo do companheiro já interferiu em seu trabalho ou em outras atividades remuneradas. Dentre aquelas que admitiram ter sido vítimas de violência doméstica, além da deterioração da saúde física, 38% afirmaram ter a saúde mental afetada pelas ações do parceiro.

 

 

Produtividade

A curto prazo, os danos psicológicos e físicos causados pelas agressões implicam, principalmente, em perda da capacidade laborativa, absenteísmo e redução da produtividade. As vítimas passam a ter dificuldade para dormir, se concentrar e tomar decisões, o que se reflete diretamente em seu desempenho.

 

 

“O que vai acontecer é que ela vai estar fisicamente impedida. Se ele trabalha numa linha de montagem, por exemplo, vai estar com um olho roxo, com dor. Além disso, ela também está psicologicamente abalada, trabalhando com o agressor em casa. Logo de cara, isso impacta na produtividade”, explica José Raimundo Carvalho, coordenador da PCSVDF Mulher e professor do Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

 

 

“Aquilo vai se acumulando com o empregador. Via de regra, ele não quer saber os motivos. Vai despedir ou privar a mulher de ascensões na empresa, e aí começam a atuar os efeitos de médio a longo prazo”, acrescenta o docente.

 

 

Perdas salariais

As consequências futuras são ainda mais graves. A violência doméstica acaba por fragilizar as relações de trabalho das vítimas com seus empregadores. A pesquisa mostra que mulheres agredidas tendem a permanecer menos tempo em seus empregos, ou por pressão dos companheiros ou porque o absenteísmo e a baixa produtividade acarretam sua demissão.

 

 

Outro efeito a longo prazo é a redução salarial. De acordo com as estatísticas, vítimas de violência doméstica recebem quase 35% menos que as mulheres que não sofreram agressões.

 

 

Preterida

“Toda essa situação é extremamente negativa para a mulher. Dificulta a participação dela em programas de capacitação, o desenvolvimento da carreira e a promoção no emprego. Essa mulher sempre vai ser preterida. Isso reduz a sua autonomia econômica e ela vai ficando cada vez mais dependente do parceiro e cada vez mais vulnerável”, diz Conceição de Maria, coordenadora de projetos do Instituto Maria da Penha.

 

 

Conceição destaca que os dados são importantes para mostrar que a violência doméstica não é um problema que fica entre quatro paredes. “Interfere na saúde pública, na situação econômica e na autonomia da mulher, e na economia como um todo”, completa.

 

 

A coordenadora ressalta a importância da responsabilidade social de empregadores quando há mulheres vítimas de violência doméstica no quadro de funcionários. Segundo ela, grande parte das empresas não é capaz de reconhecer situações do tipo e adotar medidas de enfrentamento. “Se elas não reconhecem esse problema, não podem tomar iniciativa, até para elaborar um plano de ação”, diz.

 

 

Projeto de lei

No setor público, há propostas de legislação em trâmite na Câmara dos Deputados que preveem a criação de um auxílio a vítimas de violência doméstica. Embora a Lei Maria da Penha já determine a manutenção do vínculo empregatício de mulheres que precisem se afastar do trabalho em virtude de agressões ou situações de risco, o Projeto de Lei nº 296/2013 estabelece que elas recebam apoio financeiro. O projeto é de autoria da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher.

 

 

“Esse tipo de medida seria importante porque, muitas vezes, pela questão da dependência econômica, a mulher se submete por mais tempo à situação de violência. Sabemos que não é só isso, mas é um fator de peso, principalmente quando tem crianças no meio. Ela tem medo de não conseguir sustentar os filhos, de ter que deixar as atividades que fazia e muitos outros problemas”, destaca Conceição.

 

 

Fique por dentro

Lei Maria da Penha pode sofrer alterações

Nesse contexto, a necessidade de fortalecimento das leis de proteção à mulher é ainda mais intensa. No entanto, o principal mecanismo legal de auxílio às vítimas de violência doméstica, a Lei Maria da Penha, está ameaçada de sofrer alterações. A principal mudança presente no projeto que modifica a lei, que já foi aprovado no Senado Federal e aguarda a sanção do presidente Michel Temer, é a possibilidade de delegados de polícia concederem medidas protetivas a mulheres em situação de risco, o que, hoje, só pode ser realizado por juízes. A justificativa seria que a alteração iria acelerar a ação de proteção. No entanto, para críticos da proposta, dentre eles a própria farmacêutica Maria da Penha, a mudança fragiliza a legislação e dificulta o acesso das mulheres à Justiça, onde podem conhecer e obter direitos.

 

 

 

 

 

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