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Veja publicação original: O caso Marisa de Carvalho: feminicídio, violência policial e mulheres negras
Por Henrique de Carvalho, no Justificando
A sociedade brasileira amarga um elevado número de violência contra as mulheres, o país tem a quinta maior taxa de Feminicídio do mundo, dados da Organização Mundial da Saúde que contabilizam 4,8 assassinatos de mulheres para cada 100 mil habitantes.
O Mapa da Violencia de 2015 apontou que entre 1980 e 2013, 106.093 mulheres foram mortas no Brasil. Desde o ano de 2015, com a aprovação da Lei 13.140, tipificou-se o crime de Feminicídio, constando no Código Penal como circunstância qualificadora do crime de homicídio.
A legislação passou a incluir o assassinato de mulheres como motivado pela condição de gênero da vítima, no grupo dos crimes hediondos, aumentando a pena em 1/3. E as circunstâncias que passaram a ser classificadas como Feminicídio, são aquelas que envolvem a violência doméstica, familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Em 2006 já tinha sido aprovada a Lei Maria da Penha, mas mesmo assim não se conseguiu reduzir os números de assassinatos. No ano de 2013, a quantidade de mulheres que tinham sido mortas era 12,5% maior do que em 2006, ano da aprovação da lei.
Um estudo publicado pelo Ipea em 2015 – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ‘Avaliando a Efetividade da Lei Maria da Penha’, concluiu que a lei teve um impacto positivo, diminuindo os homicídios domésticos em 10%. A pesquisa feita pelo Ipea comparou a taxa de homicídios de homens dentro de casa, que continuou em crescente, enquanto a taxa para as mulheres permaneceu no mesmo nível.
Os dados apresentados pelo Ipea demonstravam que o assassinato de mulheres dentro de casa era 1,1 para cada 100 mil habitantes, em 2006, e depois 1,2 para cada 100 mil, no ano de 2011. E as mortes violentas de homens dentro de casa passaram de 4,5 para cada 100 mil, em 2006, para 4,8 a cada 100 mil, em 2011.
E dentro dos aterradores números de Feminicídio no Brasil, entre 2003 e 2013, houve uma alta do número de assassinatos de mulheres negras em 54%, enquanto que o número de mulheres brancas caiu 9,8%, segundo o Mapa da Violência de 2015. No total, 55% dos crimes contra as mulheres foram cometidos dentro de casa, e em 32% deles os responsáveis são ex ou atuais parceiros.
Em um levantamento realizado pela Apublica utilizando os dados do Ministério da Saúde, na década de 2005 a 2015, mais de 47 mil mulheres foram mortas, por meio de vários tipos de agressões, como sufocamento, armas de fogo e objetos cortantes. No ranking das 10 cidades mais violentas para as mulheres no país estão Itabuna e Camaçari na Bahia,;Caruaru em Pernambuco; Maceió, capital do estado de Alagoas; e a primeira colocada, Ananindeua no Pará.
O município de Ananindeua foi o que registrou o maior número de feminicídios no ano de 2015, com 21,9 casos por 100 mil habitantes. O aumento da taxa de violência contra as mulheres na cidade também chama muito a atenção, em 2005 eram 3 mortes por 100 mil habitantes, o que significou um aumento de 750%; 89% das mulheres mortas em Ananindeua eram pretas ou pardas, o que podemos colocar socialmente na cifra das mulheres negras.
Mulheres negras, letalidade policial e a guerra ás drogas
As mulheres negras além de serem as maiores vítimas de Feminicídio são também as principais vítimas da violência policial no Brasil. A Agência Patrícia Galvão a partir dos dados colhidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nos anos de 2005 a 2015, sobre os números de mortes de mulheres em ‘Intervenções legais ou operações de guerra’, constatou que cruzando categoria raça/cor das vítimas, 52% delas eram mulheres negras.
E ainda segundo o relatório, nós precisamos estar atentos para que esses números estejam subnotificados, se compararmos os registros policiais com os registros do SUS, então o número de mulheres negras vítimas de ações policiais podem ser ainda maior.
Essa semana ficamos sabendo da morte de Marisa de Carvalho Nóbrega, 48 anos de idade, diarista e vendedora, moradora da comunidade da Cidade de Deus no Rio de Janeiro. Marisa de Carvalho foi agredida por Policiais Militares do BOPE – Batalhão de Operações Especiais – depois de discutir com os PM’s que queriam prender o seu filho em meio a uma operação.
As testemunhas contam que os Policiais Militares queriam que o filho de 17 anos de Marisa assumisse que era traficante, porque desconfiaram dele por estar bem vestido. No meio da discussão, Marisa de Carvalho, que havia ido defender seu filho, recebeu uma coronhada de fuzil na cabeça, os parentes da vítima ainda dizem que os policiais acusaram a diarista de fazer drama, após começar a passar mal com a pancada.
Marisa foi levado para uma UPA – Unidade de Pronto Atendimento – depois transferida para o Hospital Salgado Filho, onde veio a falecer, na certidão de óbito constava que a causa tinha sido aneurisma. Marisa deixou 5 filhos.
E em depoimento feito na 32ª DP, testemunhas da agressão ainda contam que um dos policiais queria que Marisa batesse em sua outra filha que estava no local, que também estava sendo acusada de estar com um rádio comunicador nas mãos, o que ela tinha negado.
Os policiais gritaram para Marisa bater na sua filha, como ela se recusou, os policiais então a chamaram de ‘piranha’ e a agrediram. As testemunhas ainda contam que os policiais do BOPE torturam os dois filhos de Marisa durante uns 40 minutos, fazendo perguntas sobre traficantes, utilizando luvas cirúrgicas para não deixar vestígios de digitais para uma possível identificação.
E não é novidade alguma, que policiais quando estão realizando ações em bairros periféricos das grandes capitais, têm o costume de desrespeitar as mulheres dessas localidades, que para eles não podem ser outras coisas, do que ‘Mães de vagabundo’ ou ‘mulheres de traficantes’, se tratando principalmente de mulheres negras.
No mês de março uma criança de 6 anos foi morta em uma ação de Policiais Militares no bairro de São Caetano em Salvador, onde os policiais estavam buscando um celular que tinha sido roubado na região e sua localização pelo GPS indicava estar por ali.
Segundo os moradores, os PM’s chegaram atirando e não houve nenhuma troca de tiro como alegado. No dia do enterro foi realizado um protesto dos moradores contra a violência policial e uma moradora declarou à imprensa que os policiais entram nas localidades chamando as mulheres de ‘vagabunda’ e ‘mulher de ladrão’.
As mulheres negras que são mortas em ações policiais são alvejadas principalmente em contextos de repressão ao tráfico de drogas, nas trocas de tiros envolvendo policiais e traficantes do varejo das drogas ilegais.
Em uma troca de tiros na favela da Mangueira envolvendo policiais da UPP no mês de junho no Rio de Janeiro, Mãe e filha, Marlene Maria da Conceição, de 76 anos, e Ana Cristina, com 42 anos, que desciam o morro para ir ao trabalho foram atingidas por ‘balas perdidas’ e morreram.
Essas mulheres não têm nenhum tipo de envolvimento com o tráfico de drogas ou com outro tipo atividade criminosa, mas são criminalizadas e mortas, porque estão nos territórios conflagrados pela disputa e pelo controle do tráfico de drogas, ou pela ação policial para reprimir o comércio ilegal.
São vidas que se perdem, famílias que são desfeitas, maridos que ficam sem suas esposas, filhos que ficam sem suas mães.
Mas que para a Polícia não passam de “danos colaterais”, pois foi assim que o Coordenador de Comunicação Social da PM, major Ivan Blaz tratou o caso da adolescente Maria Eduarda de 13 anos, atingida dentro de uma Escola Municipal no Rio de Janeiro. Em que, inclusive, dois Policiais Militares foram indiciados e se tornaram réus pelo assassinato da adolescente, pois segundo o Ministério Público, assumiram o risco ao atirar na direção da Escola.
E não podemos nos esquecer de Cláudia Ferreira da Silva, que ficou conhecida como “mulher arrastada” nas manchetes da imprensa apagando a sua identidade, após ter um vídeo divulgado no qual ela foi arrastada pela pista, presa no fundo da viatura após a mala se abrir, sendo levada assim por 350 metros em 2014.
Cláudia foi baleada por Policiais Militares no Morro da Congonha, em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, numa ação policial. Era auxiliar de serviços gerais, Mãe de 4 filhos e cuidava ainda de mais 4 sobrinhos. E o próprio laudo da Polícia Civil atestou que Cláudia não foi morta pelas escoriações no corpo ao ser arrastada, mas sim pelos disparos de arma de fogo, e dois anos depois os PM’s ainda não tinham sido julgados.
As mulheres negras quando não tem seus filhos e maridos sequestrados e assassinados por policiais, são elas mesmas as vítimas do Estado Genocida brasileiro, que se alimenta de corpos negros como se fosse um canibal racista.
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Henrique Oliveira é graduado em História, mestrando em História Social pela UFBA, colaborador da Revista Rever e militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/Bahia.
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