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MULHERES, ABRAM OS OLHOS E VÃO À LUTA

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Veja publicação original:  MULHERES, ABRAM OS OLHOS E VÃO À LUTA

 

Eu sou feminista. Sempre fui feminista. Sou daquelas mulheres que tem orgulho em ser feminista. Fui educada por uma mulher feminista. Tenho orgulho na mulher que me educou. Acho que ela não sabia que era feminista. Eu sempre soube que ela era, mesmo muito, feminista. Aprendi com ela a defender-me de quaisquer ataques contra os abusos, ainda que subtis, do género masculino.

 

Quando eu era pequena, a minha Mãe, que não sabia que era feminista, dizia-me, enquanto me pendurava, logo de manhã, a mochila às costas por cima da bata da escola: “Se algum menino te bater ou se te quiser maltratar, defende-te: se não conseguires com as mãos, defende-te com os pés e se não conseguires com os pés, defende-te com os dentes. Mas nunca te deixes ficar.” Assim fiz. Toda a vida. Defendi-me sempre. Na escola primária, no liceu, na Faculdade, na vida profissional e na vida pessoal. Nunca me deixei ficar. Tive tantos dissabores por causa desta estratégia de defesa. Mas não me deixei ficar. Usei sempre, em primeiro lugar, a palavra. A arma que sempre considerei a mais poderosa. Mas quando as palavras não chegaram, confesso que segui, à risca, a estratégia da minha Mãe, às vezes com as mãos, outras com os pés, nunca com os dentes.

 

 

Com a idade, habituei-me a usar apenas a palavra e deixei as outras formas de defesa de lado que, durante a infância e a adolescência me foram, tantas vezes, úteis. Usei e abusei da palavra. Disse sempre o que queria e o que pensava. E confesso que, nos anos 90 do século passado, achava mesmo que as mulheres tinham conseguido alcançar um patamar de igualdade com os homens que iria perdurar e mudar mentalidades. Apesar de estar sempre alerta, baixei a guarda feminista.

 

 

Nesses anos de início da minha carreira profissional, tive acesso a todas as oportunidades que quis aproveitar, nunca me senti constrangida ou menorizada e levantei sempre a minha voz tão alto como a dos homens, sempre que foi preciso. Sentia-me eu, uma pessoa, respeitada. Nem mulher, nem homem, apenas uma pessoa, com a vida pessoal e profissional que livremente escolhera, sem me sentir vítima de estereótipos ou discriminação. E foi neste adormecimento do meu feminismo que me voltei a deparar, no início deste século, com relatos, notícias e acontecimentos que não faziam parte do meu dia-a-dia. Custava-me a acreditar em algumas histórias que começava a ouvir, mas, de tão embrenhada na minha vida, que tinha construído em liberdade, não me detive a analisá-las.

 

 

Só quando alguns episódios com cheiro a retrocesso me começaram a afectar pessoalmente é que parei para perceber o que tinha acontecido. E afinal o que aconteceu? Não sei. Ainda ando à procura de respostas, mas embrenhei-me outra vez no mundo e fiquei assustada. Olhei bem para o mundo à minha volta e vi tudo o que não queria ver. Uma nova geração de mulheres que diz, com orgulho, que não é feminista, mas feminina, talvez a frase que mais me irrita.

 

 

Um número intolerável de mulheres vítimas de violência doméstica ou não doméstica, espancamentos, murros, socos, pontapés, homicídios. Uma geração de mulheres que se vê privada de aceder a cargos de topo nas respectivas carreiras profissionais, quer pelo simples facto de serem mulheres, ou por aspirarem, ainda que em teoria, a viver a maternidade. Uma geração de mulheres (ou melhor, todas as gerações vivas) escravizadas aos ditames da beleza que não sei quem decidiu criar como única forma de beleza admissível.

 

 

Gerações de mulheres a tentarem ser perfeitas: inteligentes, cultas, irrepreensíveis, competentes, admiráveis esposas, amigas sempre presentes, com corpos, cabelos, unhas, mãos, pele, tudo perfeito. E se forem discretas e sensuais, melhor. Gerações de mulheres mais mal remuneradas do que os homens, no exercício das mesmas funções. E em vez de pessoas, as mulheres continuam a ser… mulheres. Vítimas frágeis preferenciais, cuidadoras da Família e dos Amigos, Mães extremosas, seres sensuais e apetecíveis e tudo o mais que consigam nas míseras vinte e quatro horas que os dias lhes concedem. E o que vejo os homens a fazerem? Vejo os violentadores e os assediadores, de todos os tipos, os que não violentam, mas que assobiam para o lado, os que se acham no direito de ter uma mulher perfeita, os que não contribuem devidamente para as tarefas da Família e, com isso, obrigam as mulheres a trabalho duplicado ou triplicado, os que pagam mais aos homens do que às mulheres, os que se dizem feministas, mas que não são praticantes.

 

 

Vejo líderes de topo de grandes empresas dizerem, publicamente, que concordam que devem existir mais mulheres nos conselhos de administração das empresas, mas que em privado, dizem que o “mulherio” só vai atrapalhar porque eles, enquanto são só homens, podem dizer umas “caralhadas” (sic) nas reuniões e que quando lá estiverem mulheres, não podem fazer o mesmo e que quando quiserem apreciar “o cu e as mamas” (sic, outra vez) da nova “gaja” que foi secretariar a Administração, não vão poder fazê-lo com o à-vontade que fazem enquanto não houver mulheres nesses conselhos de administração.

 

 

Pois, ninguém me disse, ouvi mesmo estas barbaridades, ainda que sem querer. E vejo homens escreverem letras de canções que são um verdadeiro atentado à dignidade das mulheres. E vejo ainda homens que se queixam das quotas, da cada vez maior influência e poder das mulheres na sociedade e que dizem, com ar sério e preocupado, que a violência doméstica também é exercida pelas mulheres contra os homens e que isso é um flagelo. E ainda aqueles que se atrevem a dizer que se não fizerem nada, daqui a algumas gerações, as mulheres dominam o mundo. E dizem isto, meio preocupados, meio em tom jocoso, numa certeza convicta que tal nunca virá a acontecer. E, pelo que vou vendo, não vai acontecer mesmo. E não acontece porque os homens não deixam e, sobretudo, porque grande parte das mulheres (aquelas que dizem que não precisam do feminismo e que não são feministas, mas femininas) não quer.

 

 

Mulheres, olhem à vossa volta, olhem para tudo o que ainda há a fazer, olhem para como são discriminadas, percebam que o que vos exigem não é exigível a ninguém e que não têm de ser super mulheres. Deixem-se de tentar arranjar desculpas. Exijam a igualdade plena. Mulheres, abram os olhos e vão à luta. Hoje por nós, amanhã pelas nossas Filhas. Esta é uma luta de mulheres. Só nós poderemos travá-la. Sem qualquer ofensa aos homens que são verdadeiramente feministas (e conheço alguns), esta é uma batalha cujas líderes e executantes têm de ser mulheres. Até o muro da discriminação de género se desmoronar e podermos viver todos e todas num mundo em que o género seja apenas isso mesmo: uma diferença de género, sem mais.

 

Até lá, que agora é altura de cerrar os dentes e lutar.

 

 

 

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