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Veja publicação original: O núcleo duro da Lei Maria da Penha
Uma das leis que vem permitindo ampla e incessante interpretação pelos nossos tribunais, extraindo dela as mais profundas diretrizes que a inspirou, é a Lei Maria da Penha (lei 11.340/2006). Tanto é verdade que várias decisões já foram proferidas no sentido de ampliá-la, inicialmente para catalogá-la como ação penal pública incondicionada e, posteriormente, para alcançar o homem, a criança, o idoso, os conviventes homoafetivos quando forem vítimas de violência doméstica e familiar. Nesta ginástica interpretativa, chega-se à conclusão, por analogia e com a aplicação do princípio da isonomia que, em situação não idêntica, porém bem parecida, a lei aplica-se a todos, sem qualquer distinção, desde que a violência ocorra intramuros familiar. Tamanha a repercussão da Lei que gerou o tipo penal específico do feminicídio, que buscou, dentre outras causas, a motivação da violência doméstica e familiar, ex vi da lei 13.104/2015, que fez o acréscimo no art. 121,§ 2º-A do Código Penal.
A violência no âmbito da referida lei protetiva, nos moldes em que foi projetada, pressupõe uma rápida e eficaz resposta estatal e agora conta também com a Súmula 589, editada pelo Superior Tribunal de Justiça: É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas1. Tal interpretação, que já vinha sendo sedimentada há algum tempo, faz ver que a conduta do agressor, em se tratando de violência doméstica e familiar, por si só, independentemente do grau de lesividade, atenta contra a integridade física e psíquica da mulher e não permite a aplicação do princípio da insignificância, compreendido esse como sendo aquele aplicado quando mínima for a valoração jurídica do fato. O que se leva em consideração é a relevância da agressão contra a mulher.
O Supremo Tribunal Federal, de forma incisiva, apontou os requisitos de ordem objetiva, para que se possa aplicar de forma justa e coerente o princípio em análise, a saber: a) conduta minimamente ofensiva do agente; b) ausência de risco social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica. Daí que tem natureza jurídica de causa supralegal de excludente de tipicidade. Assim, uma vez reconhecida, torna a conduta do agente atípica.
Os romanos, construtores de tal pensamento, diziam de minimis non curat praetor, com o significado de que o pretor não vai cuidar e nem atender quando se tratar de assuntos de mínimo interesse para a jurisdição e com pouca repercussão penal. Não se aplica, igualmente, quando se tratar de bagatela imprópria que, segundo Luiz Flávio Gomes, ocorre quando “o fato nasce relevante para o direito penal, mas no momento da sentença o juiz entende que a aplicação da pena torna-se desnecessária. O princípio aplicado aqui é o da desnecessidade da pena previsto no artigo 59 do CP2.”
Também, em sede da legislação protetiva, não se aplicam os institutos despenalizadores da lei 9.099/95, mesmo em se tratando de contravenções, consoante determina o artigo 41 da lei 11.343/2006. Com a mesma severidade, juntamente com a súmula 589, foi editada a que levou o número 588, nos seguintes termos: “A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos”.
Percebe-se, pelo rápido apanhado feito, que a Lei Maria da Penha rechaça toda iniciativa de romper o núcleo duro que a norteou. Referida lei atendeu a determinação contida no § 8º do artigo 226 da Constituição Federal, criando toda uma estrutura para um combate eficiente à violência familiar, com sanções mais rigorosas e com o mínimo de benefícios processuais, além de estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres vítimas.
Percebe-se, pelas estatísticas publicadas que, mesmo com a edição da lei, não há registro de diminuição do índice da criminalidade desta categoria. Assim, o endurecimento provocado é justamente para fazer ver que a violência doméstica e familiar é considerada uma das formas de violação dos direitos humanos, exigindo, para tanto, uma rigidez legal coerente com seus propósitos.
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