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Veja publicação original: ES: terra que mata mulheres
Veja também: Promotora: Assassinato de médica por policial alerta para violência psicológica
Segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública, este ano já foram registrados 95 homicídios contra mulheres, sendo 23 confirmados, até julho, como feminicídios
Em pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público divulgada este ano, o Espírito Santo figura na 5ª posição em número de homicídios de mulheres. Segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública, este ano já foram registrados 95 homicídios contra mulheres, sendo 23 confirmados, até julho, como feminicídios. Durante todo o ano de 2016, 99 mulheres foram assassinadas no Estado. Não se pode frisar o bastante o tamanho da vergonha que esses dados representam para toda a sociedade capixaba.
Diante de quadro tão vexatório, passou da hora de os capixabas se confrontarem com a questão: o que torna o Espírito Santo tão “especial” quando se trata de matança de mulheres? Por que nosso território é tão particularmente perigoso para a população feminina? Quais são as características específicas do Espírito Santo que fazem com que o Estado seja recordista de assassinatos de mulheres?
Com a palavra, três especialistas – autoridades duplas no assunto, por serem mulheres e por se dedicarem a estudar a fundo o tema.
“Essa é uma boa pergunta. Mas eu tenho uma hipótese”, começa a pesquisadora Brunela Vieira de Vicenzi, coordenadora do Laboratório de Pesquisas sobre Violência contra a Mulher da Ufes.
“No Espírito Santo, a gente vem de uma tradição cultural de um patriarcalismo muito arraigado, que ainda não foi superado. É um Estado de industrialização e de urbanização mais lentas e tardias. A luta por direitos que começa nas décadas finais do século passado não foi incorporada na tradição capixaba. A sociedade capixaba parece não ter acompanhado essa modernização. Vejo uma tentativa de não aprofundar este debate. Também percebo, em uma pesquisa que estou desenvolvendo, falta de confiança das pessoas no sistema de Justiça estadual. E aí essas histórias vão se repetindo, desde o caso Araceli”, recorda a professora, em referência ao episódio da menina de oito anos violentada e assassinada em 1973, um clássico da impunidade na história do Espírito Santo.
A promotora de Justiça Cláudia Garcia, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica contra a Mulher, opina que as nossas questões sociais são gravíssimas. “Temos aqui no Espírito Santo uma questão muito presente que é uma cultura patriarcal muito forte. É um Estado onde impera o patriarcalismo, com tudo o que ele traz: a reprodução do machismo, a ideia de subordinação da mulher ao homem. Você sabia que o Porto de São Mateus foi o último do Brasil onde se desembarcaram escravos de maneira clandestina mesmo após a abolição?”
A juíza Lucianne Keijok Spitz Costa, titular da Vara Especializada em Violência Doméstica de Vila Velha, destaca a ausência de políticas públicas. “Existem levantamentos formais sobre as características. Uma delas é a posição geográfica do Estado, aliada a fatores culturais, bem como ausência de políticas públicas no combate à violência doméstica. O Poder Judiciário do Espírito Santo é incansável na aplicação da Lei 11.340/2006 (Maria da Penha), julgando de forma célere e eficaz os processos, razão pela qual não figura mais como recordista em assassinatos de mulheres”, defende ela.
Vicenzi ressalta, porém, que é preciso cautela quanto à redução dos índices. Primeiro, porque a evolução ainda é tímida demais. Segundo, porque a diminuição dos homicídios de mulheres tem se dado em ritmo mais lento do que a do índice geral de homicídios no Estado. “O governo estadual trabalha com uma redução positiva, mas nós da área de direitos humanos e das mulheres achamos que o número ainda é muito elevado. E as vítimas continuam sendo, na sua maioria, mulheres negras da periferia, que não têm muito acesso à Justiça. Então não sabemos onde a redução tem ocorrido.”
O debate é lançado no momento em que a nova chefe do MPF, Raquel Dodge, torna-se a primeira mulher a ocupar o cargo e acaba de relançar a pauta da defesa dos direitos humanos. Em inglês, “to dodge” significa esquivar-se. Bem, passou da hora de os capixabas pararem de se esquivar deste incômodo tema.
Nova ênfase
A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tomou posse na última segunda-feira enfatizando, em seu discurso, que sua gestão será marcada pela proteção aos direitos humanos dos brasileiros. Ótimo! Bom mesmo que assim seja – sem prejuízo ao combate à corrupção, naturalmente. Na quarta-feira, em sessão no STF, Dodge voltou a destacar os direitos humanos.
Distorção
Ao contrário do que reza o senso comum, o conceito de direitos humanos é muito amplo e não é sinônimo de “proteger bandidos”. Como exemplifica o professor de Direitos Humanos da FDV, Nelson Camatta Moreira, passa até pelo ar que respiramos. “Lutar contra o pó preto é lutar por direitos humanos, pois o direito à saúde e ao bem-estar é um direito humano fundamental.”
Direito à vida
Muito bem: logo na semana da posse da primeira mulher a ocupar o cargo de chefe do MPF, o noticiário local e nacional foi marcado por notícias de flagrantes violações dos direitos humanos, a começar pelo assassinato brutal da médica Milena Gottardi, em Vitória (o maior direito humano é o direito à vida).
Não tá fácil
Nas últimas semanas também tivemos mais um caso de estupro coletivo contra uma menina de 18 anos, desta vez no litoral sul de São Paulo; o episódio do pastor que arrancou mural com gravuras de bonecas africanas da parede de uma pré-escola em Jardim da Penha (intolerância religiosa); a decisão liminar de um juiz que autorizou psicólogos a realizar tratamento de “reorientação sexual” (patologização da homossexualidade, vista como uma doença até por certos profissionais da área de Saúde). E a Organização Internacional do Trabalho divulgou a existência de 40 milhões de escravos no mundo (o Brasil na certa não fica de fora).
Resumindo
Raquel Dodge terá muito trabalho.
CENA POLÍTICA
O presidente da Câmara de Vitória, Vinicius Simões (PPS), divulgou pelas redes mensagem com uma indiretona, mas sem especificar o alvo. “‘Um líder lidera pelo exemplo, não pela força’. Mensagem de um antigo general chinês (Sun Tzu) ao povo capixaba.” Para quem terá sido? “Pra quem precisa ouvir (risos). E tem gente que precisa muito”, respondeu ele à coluna.
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