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Veja publicação original: As guerreiras cor de rosa
Para quem acha que uma única cor sintetiza o que é ser mulher, não sabe ainda como é possível perverter o status quo!
Índia
Um país cuja extensão territorial é menos da metade do Brasil, mas que abriga nada menos do que 1,252 bilhões de pessoas, quase dezessete vezes o numero de brasileiros! Visualize: a densidade demográfica do Brasil é de 23,8 habitantes por km quadrado, na índia é 395,40 hab/km².
Sabe-se que a violência contra as mulheres é comum no mundo todo, mas na Índia, os índices estão acima da média mundial. São comuns a tradição ilegal dos dotes, os crimes de honra, os estupros, a pedofilia, o casamento infantil e o aborto seletivo de bebes do sexo feminino. Algumas das práticas abusivas e violentas chegam a ter requinte de brutalidadeincomum: decapitações, mutilações, ataques com ácidos, caça às bruxas, tráfico de mulheres e prostituição induzida. Um feminicídio em larga escala iniciado com a morte da cultura original através do domínio cultural britânico.
A Índia é considerada pela ONU como o pior país para uma mulher viver. Um impressionante artigo produzido pela BBC pode elucidar a mentalidade vigente naquele país. Lá a noção legal de estupro parece ser volátil. A constituição indiana datada de 1949, diz que todos os cidadãos tem os mesmos direitos, mas isenta os militares de serem culpabilizados por estupro e políticos que enfrentem acusações de crimes sexuais não tem seus direitos afetados. Não é punível também o estupro de esposa, já que casamento “é sagrado”(sic). Além disso, a taxa de condenação é extremamente baixa, reforçando a cultura da impunidade e perpetuando a violência endêmica contra as mulheres.
Para piorar, a polícia Indiana não só é omissa como às vezes pratica dos mesmos crimes. No país não existe a noção de atendimento às sobreviventes da violência sexual, como apoio psicológico ou físico. Tampouco percebem a importância de suporte aos familiares, já que todos acabam invariavelmente sofrendo perseguições sociais e pressões dos agressores após o ataque sexual.
Cor de Rosa
Dessa convulsão social nasceu em 2006 um movimento ativo contra a violência às mulheres, buscando a manutenção do equilíbrio social perdido, uma tentativa de ajustamento constante das desigualdades, uma homeostase social.
A indiana Sampat Pal Devi sofreu e também testemunhou a violência doméstica contra muitas outras mulheres. Nascida em Uttar Pradesh, a região mais superpopulosa do norte da Índia, com solos inférteis e excesso de corrupção, onde a sobrevivência já é naturalmente difícil, ela conseguiu dar a volta por cima. Foi obrigada a casar-se aos 12 anos. Teve seu primeiro filho aos 15 e aos 20 já era mãe de cinco filhos. Decidida a não ser mais vitima, ela reúne outras mulheres violentadas e formam um grupo para lutar a favor delas e de outras mulheres e meninas.
Surge então o Gulabi Gang, que na tradução ocidental é conhecido como a Gang Rosa, mulheres vigilantes uniformizadas com saris (vestimenta tradicional indiana) cor de rosa e empunhando seus lathis (bastões de bambu usados como armas de defesa). Elas já são em de 20 mil mulheres e homens também.
A gang treina a arte marcial indiana do bastão , mas apesar dos treinamentos táticos, elas preferem usar o confronto verbal direto como tática para envergonhar os ofensores, numa tentativa de culpabilizar socialmente, coibir ou frustrar ações violentas. Mas claro, segurando seus lathis caso alguém resolva contra atacar as ofensas.
Esse grupo atua defendendo mulheres e meninas diretamente, evitando casamentos ilegais de menores, acompanhando as violentadas aos distritos policiais para registro e após denuncias, protegendo-as da reação dos familiares ou da recidiva dos agressores. O numero de casos registrados de assédios e estupros no país tem aumentado. Onde antes havia a vergonha e a retaliação social, agora tem defesa e apoio, por isso a quantidade de registros cresceram. Elas também ensinam ofícios, como costura e a pequenos artesanatos, para que as mulheres não sejam um “peso para a família”. Ajudando no sustento as jovens evitam o casamento forçado e, as que se separam, evitam a prostituição ou a mendicância.
Justiça a golpes de bambu
A Gulabi Gang é ativa também na defesa dos direitos da população e age contra corrupção e abuso de autoridade. O grupo de mulheres em seus saris cor de rosa chegou a sequestrar um caminhão. Elas descobriam que funcionários do governo estavam desviando doações de comida para serem vendidas no mercado e efetuaram o resgate dos alimentos.
Mapa da tragédia
A Índia é tem o segundo maior índice populacional do mundo, depois da China, e abriga muita pobreza, baixa expectativa de vida e alto índice de analfabetismo. Apesar de ser a democracia mais populosa do mundo, na Índia ainda encontram-se diversas subdivisões sociais baseadas nas muitas religiões e línguas regionais do país indiano, conhecidas como ‘castas’. A noção de casta foi criada inicialmente pela antiga religião hindu, praticada por 85% da população.
Por ser um pais essencialmente rural, afastado das inovações urbano, sociais e econômicas das grandes metrópoles globalizadas, a noção religiosa ainda se sobrepõe à laicidade da constituição daquele país. São estas inúmeras divisões sociais, linguísticas, religiosas e culturais que acabam gerando ‘mini índias’ com códigos, regras, práticas e julgamentos auto regulatórios. A existência de tribunais locais que ditam regas e punições à revelia de direitos constitucionais é fato corriqueiro. As meninas e as mulheres das pequenas localidades são as mais vulneráveis e acabam não tendo a quem recorrer.
Bonus crack
– As castas mais baixas que sofrem hoje foram historicamente construídas à base de pressão social, econômica e religiosa. E o famoso Gandhi esteve envolvido nessa construção de uma maneira que até então era insuspeita, como revela esse corajoso artigo de Marcela Campos. Recomendo especialmente a leitura deste link como forma de compreender tudo o que foi exposto acima. Só a revisão histórica nos mostra aquilo que hoje não entendemos as origens e quais os modos de erradicação.
– Desdobramentos cor de rosa: o partido Shiv Sena, numa ação mais de efeito moral que efetivo, distribuiu pimenta em pó e mais de 21 mil facas de cozinha para as mulheres em Nova Deli. A ação ocorreu logo após o estupro coletivo de dezembro de 2012, que teve repercussão internacional
– Da lista dos dez rituais ‘mais chocantes’ da Índia, listados pelo site brasileiro “Fatos Desconhecidos”, SETE deles são contra mulheres, e são na verdade considerados crimes, não só na grande maioria dos países do mundo, mas na Índia também. O quanto a midia contribui para a massificação, banalização e aceitação da condição universais das mulheres?
– A caminhada para a conscientização é longa, mas algumas campanhas pelo mundo se propõem a combater a violência de gênero.
Chama a atenção a tentativa de usar a cultura religiosa indiana a favor do respeito às mulheres. A campanha “Deusas Abusadas” percorre o mundo desde 2013, no entanto não se pode avaliar sua efetividade, nem no seu próprio país, nem no resto do mundo.
– Como tudo que é poderosamente contra cultural e libertário, o sistema arranjou um meio de cooptar a ideia delas para lucro e tergiversação. Se você jogar a palavra Gulabi Gang no google, será muito mais fácil achar dados sobre o filme de Bollywood, Gulaab Gang. Uma romantização do grupo original, com mascaramento desse grande problema nacional e um abafamento do poderio destas mulheres. E tenha certeza que elas protestaram muito a respeito deste filme….
– Para ajudar na compreensão de termos e da importância do assunto, um mapa-dicionário sobre a violência contra a mulher foi levantado pelo site Notícias Terra.
– E se você acha que isso acontece na Índia porque é subdesenvolvido, veja como os EUA se tornaram o primeiro nesse ranking macabro de estupro e violência.
– Se você pensa que as brasileiras estão livres deste mal social, você precisa revisar seus conceitos…
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