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“Com meus turbantes, venci o desemprego e ajudo mulheres negras a se amar”

Saiu no site ESTILO UOL:

 

Veja publicação original:  “Com meus turbantes, venci o desemprego e ajudo mulheres negras a se amar”

Por Helena Bertho

 

Na história de Michelle Fernandes, 33, trabalho, cabelos e racismo se cruzam. Filha de empregada doméstica, ela passou anos alisando os fios e também achando que jamais poderia ter um negócio próprio. Até que assumiu seus cachos, passou a valorizar a própria beleza e transformou seus turbantes em oportunidade, com uma loja especializada em acessórios para resgatar a autoestima de mulheres negras como ela. Conheça sua história.

 

 

“Nasci e cresci nos bairros nobres de São Paulo. Não por ser rica, e sim porque minha mãe era empregada doméstica e sempre moramos nas casas dos patrões.

 

 

Nesse contexto, ela sempre alisava meus cabelos para me proteger do racismo que enfrentaria por onde quer que passasse. Cresci achando que qualquer fiozinho crespo que aparecesse devia ser domado.

 

 

Vivia tentando me encaixar em um padrão de beleza branco e, para isso, cheguei a queimar meu couro cabeludo com química. Por quase 20 anos, não tinha ideia de como era meu cabelo real, mas sabia que ele era ‘feio, duro’.

 

 

Achava meu cabelo feio sem nem saber como ele era

 

 

Quando eu tinha 18 anos, nos mudamos para o Capão Redondo e tive meu primeiro filho. Duas outras coisas aconteceram: comecei a trabalhar como atendente de telemarketing e me cansei da progressiva.

 

 

Percebi que não me reconhecia naqueles cabelos alisados. Então, pouco depois do parto, cortei tudo curtinho e comecei a usar tranças. Quando as tirei, vi pela primeira vez em anos meu cabelo como ele é: lindo e nada duro.

 

 

Isso fez com que eu passasse a me enxergar como mulher negra e me aceitar. Uma parte desse processo de aceitação foi por meio dos turbantes. Eles valorizam a beleza negra e lembram também uma história muito importante: antes de sermos escravas no Brasil, éramos rainhas africanas e esses acessórios eram parte da tradição dessas mulheres.

 

 

Era a única negra no prédio

 

 

Depois de alguns anos no telemarketing, fui trabalhar como auxiliar administrativa em um escritório de arquitetura. Eu gostava muito e sonhava em crescer lá dentro, mas a oportunidade parecia nunca chegar.

 

 

Na verdade, eu era a única negra em todo o prédio e, de maneira sutil, passava por várias situações difíceis, que me faziam sentir incomodada. Foi nessa época que o sonho de empreender começou a surgir, mas eu achava que aquilo era coisa de rico e eu nunca poderia ter um negócio meu.

 

 

Engraçado é que a vida toda minha mãe estava sempre empreendendo. Mesmo com emprego, ela vendia salgados ou marmitas para ganhar dinheiro extra e melhorar nossa vida. A gente não percebia na época, mas o tino para os negócios estava no sangue.

 

 

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Desempregada, investi tudo nos turbantes

 

 

Em 2012 fui demitida do escritório e fiquei sem saber qual rumo tomar. Naquela época, meu marido, Célio, trabalhava na indústria têxtil e vivia me trazendo retalhos, que eu usava para fazer meus turbantes, elogiadíssimos pelas amigas. E foi o Célio quem sugeriu que eu começasse a vendê-los.

 

 

Fui então à rua em que ele trabalhava e fiquei encantada com os tecidos. Procurei e achei diversas estampas nacionais com referências africanas e decidi investir tudo o que tinha — a fortuna de R$ 150 — e começar meu negócio.

 

 

Cortei os tecidos à mão, praticamente sem acabamento, fiz umas fotos, amarrando-os na minha cabeça, e lancei a Boutique de Krioula, em setembro de 2012.

 

 

Passei a ser chamada até para palestrar

 

 

Falei para os amigos, fiz uma página no Facebook, criei um canal no YouTube, em que publiquei vídeos ensinando a fazer as amarrações de turbantes, mas percebi que precisava ir atrás de mais público.

 

 

Para isso, comecei a identificar eventos que teriam mulheres como eu: negras que estavam em processo de transição, começando a se descobrir e a valorizar sua cultura. Com os turbantes na mochila, ia a shows de rap ou reggae e quando encontrava alguém no perfil, abordava.

 

 

Com isso, a loja foi crescendo. Mas eu podia mais. Comecei a pesquisar tendências e vi que fora do Brasil acessórios de influência africana estavam bombando. Achei então uma empresa de corte a laser e começamos a fazer brincos simples de madeira. Meu esposo, que já foi grafiteiro, passou a personalizar as peças.

 

 

O primeiro era um brinco com o desenho de uma mulher negra com um black maravilhoso, que bombou nas redes sociais. Aí sim nossa loja deslanchou! Passei a ser chamada até para palestrar e dar workshops!

 

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“Qualquer um pode usar os turbantes. Quando uma mulher branca quer comprar, eu digo: ‘meu trabalho é para valorizar a cultura afro-brasileira. Se você gosta e respeita, pode usar sem problema algum’.

 

Branca pode usar?

 

 

Muita gente me pergunta sobre essa questão da apropriação cultural. Mulheres brancas podem usar turbante? Sinceramente, eu entendo os dois lados.

 

 

Tem a questão de que quando um acessório afro é usado por mim, eu sofro racismo, sou chamada de macumbeira, me perguntando o que estou fazendo com um pano no cabelo. Daí a mulher branca coloca e aparece na TV e passa a ser cool. Para mim, apropriação é isso, usar o acessório e apagar a história dele.

 

 

E, como falei, tem muita história. Ele é uma peça das rainhas africanas e eu faço meus produtos pensando nisso, em ajudar outras mulheres negras a sentirem bonitas. Os turbantes são muito mais que um pedaço de tecido, são empoderamento.

 

 

Mas qualquer um pode usar. Quando uma mulher branca quer comprar, eu digo: ‘meu trabalho é para valorizar a cultura afro-brasileira. Se você gosta e respeita, pode usar sem problema algum’.

 

 

Como a gente usa outras culturas, eu acredito que as pessoas podem conhecer e usar, sim.

 

 

Da periferia eu não saio

 

 

Cinco anos depois de tudo começar, eu e Célio trabalhamos na butique e vivemos dela. Não estamos ricos, mas com certeza felizes e vivendo bem. Tivemos altos e baixos e aprendemos muito com nossos erros, sempre melhorando para crescer.

 

 

Hoje nossos tecidos são todos africanos e a cada 15 dias lanço uma nova coleção. Vendemos cerca de 150 turbantes por mês, fora os demais acessórios.

 

 

Moro ainda na periferia e não penso em sair. Aqui tem muita gente que sonha em empreender, mas tem medo. Ficando aqui eu mostro para eles: dá, sim, para ser dono do seu próprio negócio e viver melhor.”

 

 

 

 

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