Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE:
Veja publicação original: Polícia usa fita métrica para medir comprimento da saia de norte-coreanas
No momento em que a tensão entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos domina o noticiário, inclusive com ameaças de guerra nuclear, Marie Claire investiga as sutis revoluções no cotidiano das mulheres do país asiático e mostra como a moda é um termômetro da obediência – ou não – às regras do governo de Kin Jong-un
Na Coreia do Norte, tudo o que se veste é controlado pelo governo”, diz a ativista Ju-Yeon Choi, 25 anos, que, acompanhada da mãe e da irmã, fugiu da ditadura comunista para experimentar a liberdade na Coreia do Sul em 2015. Símbolo jovem da luta contra o governo ditatorial, ela detalhou para a Marie Claire Austrália a repressão feminina sofrida no cotidiano: “Nenhuma cor vibrante é permitida. As universitárias são obrigadas a ter o cabelo cortado abaixo das orelhas. Nos feriados, todas devem usar vestes tradicionais, os hanboks”. Segundo ela, calças jeans, brincos, decotes e minissaias são terminantemente proibidos. Há inclusive uma polícia especializada na fiscalização, que anda pelas ruas das grandes cidades com fitas métricas para garantir que nenhuma mulher mostre o que não deve; além da Liga Jovem Socialista, outra responsável pela patrulha da moda. “Eu odiava isso”, conta Choi. “Quando comecei a assistir a séries de televisão estrangeiras e vi que outras pessoas podiam vestir e viajar como bem entendessem, comecei a questionar o regime, como o governo controla a vida e os pensamentos dos cidadãos.”
Ela conseguiu fugir do país, mas não conta os detalhes da viagem para que as pessoas que a ajudaram não sejam punidas. “Quem é pego nessa jornada vai para a prisão. As penas, que eram de seis meses, aumentaram para dois anos em função do crescente número de tentativas. Por isso, comecei a planejar a viagem cinco anos antes de partir. Durante os primeiros seis meses na Coreia do Sul, senti que estava vivendo um sonho”, completou. “Votei pela primeira vez e participei de alguns protestos, o que não era permitido no meu país. Também passei a adorar ainda mais a moda.”
Às norte-coreanas que vivem sob o regime, mas que buscam expressar a própria indivualidade em um país de regras rígidas, resta o mercado negro da moda, chamado internamente de Jangmadang. Nele, compram bolsas de grife falsificadas e contrabandeandas da China. O fotógrafo irlandês Shane Horam, que trabalha em uma agência de turismo em Beijing e visita a Coreia do Norte dez vezes por ano, retratou a cena inusitada de mulheres vestindo réplicas de bolsas de estilistas europeus em meio à paisagem comunista. “Looks ocidentais ainda são raros porque a maioria do vestuário é fornecida pelo governo. Por isso, os sapatos e bolsas são tão desejados. Já me deparei algumas vezes com mulheres carregando bolsas Chanel”, diz Shane (as peças, claro, são falsificadas). As imagens dele fazem parte do livro The North Koreans (Primavera Pers, 252 págs., € 350), uma coletânea com fotografias sobre o cotidiano do país lançada no começo do ano na Holanda, que também ilustram esta reportagem. A obra é fruto de uma curadoria minuciosa da editora Evelyn de Regt. Formada em história da arte e intrigada com a falta de material sobre o país que não fosse divulgado pelo próprio governo, passou dois anos fazendo pesquisas no Flickr para montar o livro. “Imagens que não tenham cara de propaganda do regime são raríssimas. Fotografar na Coreia do Norte é um risco. Os poucos turistas estão sempre rodeados de guias, que censuram as imagens com frequência”, diz.
ARTIGOS PROIBIDOS “A contradição é que relógios estrangeiros, óculos escuros e bolsas assinadas por designers famosos são um símbolo de status na capital, Pyongyang”, acrescenta Horam. Ele explica que, quanto mais próximo do poder é um norte-coreano, mais liberdade ele tem. Mulheres casadas com políticos importantes, por exemplo, quando abordadas pela patrulha da moda nas ruas, mencionam os laços com a alta cúpula norte-coreana para se livrar da polícia. Outra alternativa para caminhar livremente com uma Chanel, Dior ou Louis Vuitton falsa a tiracolo em meio às terras de Kin Jong-un é pagar propina aos fiscais. Quem não tem esses privilégios, no entanto, é obrigado a passar temporadas de reeducação nos centros de trabalho forçado – os campos de mineração para onde são enviados os presos políticos –, que variam de um mês a um ano. O símbolo de elegância chancelado pelo governo é a primeira-dama Ri Sol Ju, que sempre aparece vestida com cores sóbrias e saltos finos. Graças a ela, os sapatos altos voltaram a circular pelo país.
Embora o ditador Kin Jong-un estimule a participação feminina no mercado de trabalho (desde que longe dos postos de comando), os códigos de conduta e vestimenta femininos ainda são submetidos ao gosto dele e dos homens que comandam o partido. E voltar-se contra tais proibições, aparentemente frívolas, pode ser o começo de uma transformação mais profunda: a discordância das autoridades. Infelizmente, um crime gravíssimo nessa ditadura.
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