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Veja publicação original: Os anunciantes colhem os benefícios do feminismo sem correr nenhum dos riscos
Campanhas “radicais” fazem só o suficiente para surfar a onda do feminismo, evitando as reações mais violentas.
Por Allie Long
De muitas maneiras, a publicidade baseada em gênero não progrediu desde meados do século XX, mesmo que as empresas tentem convencer o público do contrário. Isso é especialmente verdadeiro para a publicidade voltada para as mulheres, que se enquadra em várias categorias: conseguir um homem, ser como um homem, ser mais atraente, estar nua ou ser, hm, empoderada.
A diferença é que os anunciantes de hoje se agarraram à tendência da “autenticidade”. Propagandas como estas da Dove tentam distrair as mulheres do fato de que estão nos vendendo algo que de provavelmente não precisamos, para consertar uma insegurança que não sabíamos que deveríamos ter. (Em nome da transparência: uso desodorante Dove.)
A campanha Beleza Real da Dove tenta nos convencer de que a nossa libertação depende de pele lisa e axilas brancas, ao mesmo tempo contando histórias de mulheres sobre a chamada positividade do corpo.
A mensagem é clara quando olhamos logo abaixo da superfície. Na verdade, não é muito diferente desse anúncio de Clairol da década de 1950:
A única diferença entre os dois anúncios é que o apelo de Clairol ao nosso desejo por um aspecto “natural” é direto. Quer nos agrade ou não, a Dove está nos vendendo uma linha de produtos cujo objetivo é o mesmo. Resumindo: se tivermos de comprar algo para alcançar o que a natureza pretendia, a natureza não o pretendia.
O mesmo acontece com maquiagem, produtos de dieta e roupas.
Nessa mesma linha, existe o domínio dos produtos desnecessariamente de gênero. Considere o cigarro. A estratégia de publicidade passou de “Você vai querer ser um homem quando você vi-lo fumar este cigarro” para “Fizemos esse cigarro especialmente para você“. (“Não está contente por ter o direito de comprar algo que pode te matar?!?”)
O slogan icônico do cigarro Virginia Slims (“Você chegou longe, baby”) não é diferente dos comerciais de preservativos XOXO da Trojan (“Inteligente. Sexy. Confiante”), que anunciam preservativos delicadamente perfumados e discretamente embalados que as mulheres se sentirão mais à vontade para comprar. (Eu tenho muitas ideias a respeito.)
Esses tipos de propagandas são indicativas de progresso; as mulheres são apenas um detalhe; ou simplesmente uma maneira inteligente de ganhar mais dinheiro? Vou me arriscar aqui e apostar na última opção. Os preservativos para os homens já davam conta do recado, e Virginia Slims não tinha a menor chance de fingir que estava facilitando a vida das mulheres, considerando que o produto é perigoso. Com relação à Trojan, podemos realmente dizer que é progressista insinuar que as mulheres ficam envergonhadas ao comprar as boas e velhas camisinhas? Eis os anúncios lado a lado para comparação:
Além disso, observe como todos os produtos voltados para as mulheres enfatizam ser delicada. Até…
Anúncios envolvendo esportes #coisadehomem #mulheressãofortes
Quem entre nós pode esquecer os anúncios “Like a Girl”, dos absorventes íntimos Always, que lembram uma série de anúncios da Nike dos anos 1990? Também temos o anúncio da Kotex sobre não usar a menstruação como desculpa para não fazer nada o dia todo. (Como eu precisava de uma desculpa. Logo mais volto a falar de menstruação.)
Esses anúncios estão fazendo o máximo para evocar uma resposta emocional dos consumidores e, de verdade, funciona:
Tenho muitos problemas pessoais com esportes (mas é porque sou uma escritora tristemente descoordenada que acha que a arte é subvalorizada na sociedade), mas na verdade não estou tentando minar o valor do envolvimento feminino.
No fundo, sabemos que Always, Nike e Kotex não se importam nem um pouco se seus consumidores praticam esportes. Talvez os funcionários dessas empresas se importem em nível individual, mas o objetivo de um negócio é ter lucro.
O sarrafo para a publicidade baseada em gênero é tão baixo que essas campanhas “radicais” fazem o suficiente para surfar a onda do feminismo sem sofrer nenhuma das reações contrárias do feminismo real. Na superfície, é tudo progressivo. Abaixo da superfície, é uma tentativa de alcançar a parte da população que mais consome (mulheres jovens, mas também mulheres em geral) sem alienar ninguém — independentemente da demografia — no processo.
É legal usar o “como menina” como uma afirmação. Não é legal usar o chamado empoderamento para obter lucro. Só porque é uma prática de negócios permitida e inteligente não significa que ela esteja num plano moral superior. Anúncios são anúncios. Os anúncios emocionalmente evocativos são apenas… táticas de vendas, não primeiros passos no ativismo.
Falando de — *aham* — produtos de higiene feminina, há um conflito entre enfatizar a funcionalidade versus o estilo de vida ligado ao uso desses produtos.
Aqui está um comercial incrivelmente ascético Tampax da década de 1980:
Na minha opinião, é basicamente isso o que precisa ser dito. Por que tentar entreter-nos com anúncios de papel higiênico, toalhas de papel e tampões? Nós vamos comprá-los de qualquer jeito e, desde que o aplicador não for de papelão, não há muita diferença. Apenas nos digam as características técnicas e aquela representação visual da absorção com o líquido azul, se fizer tanta questão assim.
Mas eis que: Os antigos comerciais de absorventes na linha “A menstruação é incrível” e seus equivalentes, mas opostos, “Crítica de ‘a menstruação é incrível'”.
Entendemos, Kotex. Você é a marca legal. Claro, é esperto, e definitivamente estávamos todos concordando com a cabeça quando o comercial foi exibido. Mas as estampas coloridas e a embalagem não compensam o fato de que o produto é o mesmo, se não pior, do que outras marcas.
A Kotex, no entanto, descobriu uma maneira de canalizar a frustração das mulheres com a romantização da menstruação. O primeiro anúncio joga com nosso desejo, apesar do ridículo que é vender um tampão comum. O segundo co-opta a normalização da menstruação para nos vender um tampão engraçadinho, mas, em última instância, mundano.
O motivo é claro de qualquer maneira: vender, vender, vender. O que é OK. O que mais podemos esperar que essas empresas façam? É a cooptação que incomoda.
Não existe consumo feminista. Algumas compras são mais socialmente responsáveis do que outras, mas, em última análise, elas alimentam a mesma máquina. (“Hegemonia capitalista”, eu digo, fingindo ironia.)
Reduzir o feminismo a um conjunto de escolhas individuais nos faz acreditar que um movimento depende de algo. Mas não é o caso. As mulheres têm muito poder de compra, e as empresas sabem disso. Mas enquadrar-se como a melhor empresa feminista com base em seu estilo de propaganda é distração. A opressão sistêmica não está nem aí para os tampões que compramos. Na verdade, ela depende do sistema que os vende para nós.
Deixo-os com o Titanic da publicidade dirigida para as mulheres: a mulher que tem tudo e a mulher que se orgulha de não ter tudo. Fantasia vs. Realidade.
Charlie Girl é quem queremos ser, e a mãe da Yoplait é quem somos…? É assim que as agências de publicidade parecem pensar, e talvez seja verdade. Na verdade, o comercial da Yoplait é animador, mas não importa! Yoplait não é um iogurte mais ético, mas se a empresa consegue vender com base nessa percepção, então a publicidade funcionou.
Muitas vezes os detratores do feminismo me perguntam por que não me ofendo com a maquiagem pesada em anúncios endossados por celebridades, anúncios de tampões romantizados ou outdoors de lingerie sexy. Eles compraram na idéia de que o que as pessoas consomem ou usam ou comem determina o seu calibre feminista. Eles também compraram a ideia de que o feminismo só sustenta um certo tipo de feminilidade: aquele que evita todas as pretensões, feminilidade convencional e mulheres escassamente vestidas pulando na tela.
Não é o conteúdo de um anúncio individual, o consumo e a apresentação de uma mulher individual, ou a escolha do estilo de vida de um indivíduo. Nós estamos lutando contra um sistema: um sistema que pega as partes agradáveis do feminismo e nos vende de volta sob a forma de um produto, usando anúncios sob o pretexto de sinceridade.
Não se trata de cinismo. Há obviamente muitas feministas no mundo dos negócios, mas o objetivo de uma empresa não é facilitar nossas vidas ou estar na vanguarda da mudança social. É vender. É para nos vender a ideia de que nossas muitas escolhas como consumidoras são equivalentes à libertação em relação ao patriarcado capitalista. É uma escolha falsa.
Não estou comprando.
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